segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O PERSONAGEM DE 2018


Meu nome é WhatsApp, sem sobrenome, ou melhor, da Silva. Pode ter um sobrenome mais sofisticado, como Niemeyer, Balzac, Flaubert, por aí. Tenho o apelido famoso de Zap para os íntimos. Sou o maior sucesso do momento. Tomei conta do mundo. Ninguém fala mais nada a não ser enfiando o meu nome em sua vida. Nem Robinson Crusoé foi mais admirado.

Tornei-me parte das pessoas. Hoje em dia, consultam-se ou contratam-se médico, advogado, dentista, especialista em tudo, sapateiro, jornalista, lixeiro, motorista, cozinheira, faxineira, diarista, consultor, assessor, tudo por meu intermédio. Sou motivo para os agentes de trânsito multarem os motoristas, com justiça ou injustamente, porque nisso eu arrebento mesmo, sou prejudicial: onde já se viu multar sem autuar? Só aqui no Brasil mesmo e eu estou promovendo tal balbúrdia!

Mas, como ia dizendo, tomei conta do mundo. O sujeito vai ao Japão e fala com você que está aqui no Brasil, instantaneamente, sem gastar um mísero centavo. Há 20 anos, quem diria que tal proeza pudesse acontecer, a transmissão de notícias boas que andam ou as ruins, que voam, por intermédio de um nome iniciado com a letra Y, que sou eu?

Sou um canal de tudo: amizade, inimizade, furtos, roubos, assaltos, acertos de contas, fugas das cadeias e, principalmente, brigas e, mais com profundidade, crimes. Ajudo a distribuir drogas, vendendo-as, a polícia nem vê. Imagino que até o terrorismo está se beneficiando de mim. Se vivesse hoje, Osama bin Laden me usaria para mandar ameaças ao mundo ocidental.



Mas também, sou uma senda que transmite lindas orações. Faço bons e maus contatos e promovo estupros, pedofilia em série, transmito o bem e sou um caminho para rogar pragas nas pessoas. Sou canal até dos analfabetos, que nunca aprendem a escrever, ofendem a língua descaradamente, mas resolvem, sim, mandar recados via áudio ou vídeo. Eu me faço de elo que produz sinceridade, falsidade, compreensão, insensatez, paciência.

Por incrível que pareça, provoco raiva nas pessoas pelas mensagens desagradáveis que costumam enviar e, também, o contrário, prazeres pelas boas-novas. Promovo a ira por alguém nunca dar resposta a perguntas úteis ou fúteis, ou urgentes, ou dispensáveis. Estou naquele aparelho esquecido, ou perdido, guardado na bolsa, cujo dono ou dona não está nem aí. Existem aqueles que só têm o meu canal no seu aparelho, mas esse equipamento fica encostado o quanto quer. Sou o meio de comunicação desses egoístas, muito comuns no mundo atual, que só querem me usar quando realmente necessitam.

Ah... estava me esquecendo: eu revelo a cara dos caras de pau, mostro a estampa dos que nunca leem as mensagens recebidas, às vezes recados urgentes, como “estou na forca, venha me salvar”, mas mandam outras, às vezes enfadonhas, repetidas, antigas mensagens sem olhar o que chegou. Também são notáveis os tais “fakes news”, que foram, neste 2018 quase findo, o meu concorrente em popularidade. Os produtores de “fakes” só não ganham de mim, nunca ganharão, porque transmito mensagens verdadeiras e boas também, e aí está a diferença porque eles só cometem barbaridades imperdoáveis.

Faço o amor, a amizade, a compreensão, a separação e o ajuntamento. “Ama-se pelo Zap e trai-se pelo Zap”, escrevem os literatos até de parede de banheiro de rodoviária. Por falar nisso, esses banheiros foram extintos na categoria de porta-mensagens, acabei com eles. Sou fio condutor de textos famosos, como “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, ou até via de transmissão de zombarias contra os mulçumanos , os “Os Versos Satânicos”, de Salman Rushdie.

Não tenho que me declinar. Fora falsa modéstia! Torno-me um narcisista sem medo de errar. Devo, sim, proclamar a verdade que todos sabem: promovo-me à condição de  O PERSONAGEM DE 2018.

Acredito que continuarei sendo o melhor também de 2019, 2020... 2100... até inventarem um aplicativo que ensine as pessoas a comer no prato do outro à distância, e invadir, à força, a vida alheia. Mas tal forma indiscreta de fuçar a intimidade do próximo ocorrerá por via transmissora exatamente minha, o ser mais orgulhoso e útil e chato e convencido que já chegou à face do Planeta Terra: minha majestade o WhatsApp da Silva.

José Sana

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