Percorri ruas, avenidas e becos de
Itabira, e pude gravar alguns diálogos entre eles, os orifícios sem fundo
cuidaram nomes ou números para si próprios
O termo buraco talvez existisse antes das grandes navegações portuguesas. A
origem é controversa, embora, provavelmente, se ligue de alguma forma ao verbo
latino forare, “furar”, Mas sou obrigado a contestar todos os dicionários,
inclusive o Latim, e a conclusão é uma só: quem inventou o buraco foi,
comprovadamente a Companhia Vale do Rio Doce, nome antigo, hoje chamada simplesmente
Vale, ou Vale S.A., vale muito para alguns e vale nada para outros.
Quando a Vale chegou a Itabira só existiam morros e
matas, ou alguns monumentos, como a Igreja do Rosário e casas merecendo ser
tombadas pelo ainda inexistente Instituto do Patrimônio Histórico Nacional
(Iphan).
Para mudar tudo, a chegaram várias empresas. Ninguém
acreditava que a ideia da existência de minério de ferro em abundância e
qualidade fosse se transformar numa parafernália buraqueira. A etimologia
trouxe várias informações e, por incrível que pareça, um parentesco bem perto
com o termo advindo do japonês “buraku”.
Estou falando desses
furos, que eram normais, fazia-se uma perfuração para alicerces, curta
abertura apenas para sustentar, por
exemplo, o muro de arrimo, a rachadura. Os donos das palavras, sempre começando
por neologismos, deixaram entender que seria preciso acompanhar um diálogo, ou
muitos bate-papos, para se entender onde vão chegar as descobertas.
Aberta a fenda inicial, a fome de riqueza chegou,
depois, a ganância e a certeza de que na escavação estava o futuro, não de
Itabira, mas dos exploradores. Arrancaram o minério de ferro e pronto. Agora as
frestas se imortalizaram: ocuparam e ocupam praticamente todas as ruas
itabiranas. O maior furador de gretas chama-se Serviço Autônomo de Água e
Esgoto (Saae) e depois os demais autores, como politicagem, safadeza,
esperteza.
Os buracos itabiranos conseguiram enricar os
principais tatus de fora da cidade. Vieram sem nada, de bolsos vazios e
furados e saíram estufados de notas de 50, 100, 200, não apenas reais, mas
dólares, euros e libra esterlina.
Deitaram e rolaram. Estou esperando a informação dos
vereadores, eles que se virem em apresentar as contas, essa separadamente:
quanto ficou o total dos somatórios das crateras tapadas às pressas? As
eleições chegavam e saíram tudo na correria?
E para provar que os orifícios urbanos estão de volta, basta dar uma
voltinha, não de carro, mas pode ser a cavalo porque assim dói menos.
Percorri as ruas, avenidas e becos de Itabira, e pude
gravar alguns diálogos entre eles, os orifícios sem fundo cuidaram nomes ou
números para si próprios. Acompanhe apenas um pequeno trecho:
BURACO NÚMERO 1 — Oi, você aí, BURACO 98, onde está
morando?
BURACO 98 — Estou na Rua Platina, Bairro Major Lage de
Baixo, mas hoje, depois de quase três meses de existência, resolveram me tapar
com blocos de concreto.
BURACO 1 — Estou aqui pensando num coitadinho que está
localizado na Rua Água Santa, esquina com João Rodrigues Bragança. Muito
movimento em cima dele, informam-me que está gemendo de dores.
BURACO 3.202 — Não vou nem comentar nada de meu
sofrimento porque devido ao número elevado, estou me sentindo com vergonha. Eu
sou apenas um, mas estou valendo exatamente o número que me deram. Algumas
pessoas me chamam de Percival Farquhar, nem sei o motivo, espero que me
expliquem. E existem o Micaria, o Rogerinho e Carlinhos.
BURACO 3.202 —
Olha, seu Percival, eu aceito o desafio que dá. Percival Farquhar foi o
primeiro estrangeiro que lhe arreganhou para o mundo. Você é o mais famoso, o
pioneiro, o primogênito. Parabéns!
BURACO MISTER ROBINSON — Estou feliz com o meu nome porque
sou inglês e recebo um quinhão maior de dinheiro, meu número é vergonhoso,
anote aí: 16.024.
E continuei anotando e apurando informações sobre esses buracos. Um geólogo, que não ser identificado, disse que os buracos de Itabira são originais da qualidade do solo. Mas alguns religiosos preferem culpá-los como praga deste mundo.
E assim deixo as minhas informações que devem ir para
registro em cartório.
Amém.
José Sana
08/11/2024
Imagens: Redes Sociais
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