Amigos e
inimigos (esses são os leitores mais certinhos que tenho), como sempre estou em
fila de banco. Desde quando instituíram o caixa eletrônico não conhecia o que
era se sentir enfileirado, em disciplina militar. Até porque entrei para o
grupo dos atendidos prioritariamente, ou acima de 60 anos. Mas o Projeto
Drummond, parceria com a minha prima Afra Sana, de nome um tanto parecido com
romances de Érico Verísimo, “Cruzes ao Vento”, me mostrou uma nova humildade a
que o ser humano deve sempre se sujeitar: entrar em bichas (como dizem em
Portugal e está no dicionário) sem reclamar. E com as ordens dadas pela prima
me tornei um piolho de banco, como já era de farmácia, padaria, supermercado e
pracinha.
São várias as
modalidades de acesso a um estabelecimento de crédito se não se pode ir ao
caixa eletrônico. A tal inovação, neste bendito projeto, só me permite ir à
cata do saldo, ou seja, pegar um extrato (de tomate é no hiper ou no armazém da
esquina). A primeira etapa é para tirar senha. Tem prioridade para os especiais,
sim, mas a questão é que os candidatos estão bem acima dos 80. Então, não se
pode furar a bicha. Demora, demora, demora. Demora porque os meus amigos
octogenários e nonagenários enxergam um pouco menos que eu, carregam muitas
capangas, eu somente uma bolseta, não sabem usar o processo de digitação e dependem
de um funcionário extra do banco para cutucar as teclas. Pronto, passei na
porta de acesso ao salão principal, depois de tirar os sapatos, chaves, celular
e produtos de metal, como nos aeroportos.
Subo a escada e
não há lugar para se sentar. Problema não. Tenho a senha na mão e posso me encostar
num cantinho. Não estou tão velho como imaginam os que me qualificaram de idoso.
Uma senhora me pede para sair da frente porque ela quer ver o painel das senhas.
Desculpo-me e fico perdido no salão. A minha senha é A-00011 e a última chamada
foi A-901. Ou seja, existem 20 idosos, grávidas, carregadoras de crianças,
lactantes, deficientes físicos na minha frente. Esqueci-me de contar um fato
que ocorreu lá em baixo. Um velho reclamou com uma menina de uns presumíveis 15
anos porque ela não poderia estar na fila de atendimento prioritário. Eis a
resposta da garota: “Então pegue aqui na minha barriga e vê que estou ou não
grávida!” O velho não se conteve: “Não vou pegar, é claro, mas pelo visto você,
se estiver neste estado, deve estar com pouco mais de meia hora de gravidez.”
Os risos foram gerais.
São decorridos
55 minutos que estou em posição de espera. Minha água, que me acompanha direto
e reto, acabou. E estou com fome também, porque já passou de meio-dia. Recebi a
senha às 11h15. Quer dizer que da próxima vez devo trazer também uma marmita.
Vou ao bebedouro e reformo a água. O painel mostra a senha chamada: A-0909. Faltam
11 lesmas para a minha vez. São 8 atendentes para um grupo de 40 cheios de
problemas. Ou mais. Cada um demora meia hora. Imagino que serei atendido depois
que encerrar o expediente bancário. E começo a pensar na minha prima, também no
Laudimir Vieira, imagino o vento balançando as fitas das cruzes em Ipoema,
Roneijober faz estripulias para fazer as suas fotos, Canela e equipe pulam como
pipoca em gordura quente, e o caixa não me chama.
Ronca a barriga
e olho no relógio: são 16h10. Não se tiram mais senhas. Como ia dizendo, penso
na Afra, ela é do tempo do Zé Nico, ou seja, faz tudo só de pensar rápido. Esta
é a décima quinta vez que venho aqui neste prestimoso banco. Todos os
funcionários, inclusive os vigias, já me conhecem e eu os conheço. No ano
passado eu só conhecia um gerente que foi embora e o Saulo, filho do meu amigo,
ex-vereador Antônio Cunha. Além de ser piolho de banco, também estou manjado na
Fundação Cultural, onde a amiga Juliana tem toda a alegria de me atender. Isso
sem contar o Albino na Transportes Cisne, nossa patrocinadora, cujo tempo é
poupado pela simpática Eliana.
Pronto. Agora
fui atendido. Foram somente 15 minutos de conversa e resolvi tudo. O problema
era um suposto erro em dois extratos (de papel mesmo). Mas, como? Um erro deste
jamais ocorreria! Faltavam R$ 9,60 na conta e não pode sobrar nem faltar 1
centavo. O funcionário me acalmou. Mas me deu ordens: “Você tem de ir ao caixa
eletrônico e tirar um novo extrato assim, assim, assim, assado, porque você não
requereu de todo o do vencido mês de
outubro. Entendido? Tudo bem. Obrigado. Desci as escadarias.
Agora o salão de
acesso aos caixas eletrônicos está menos cheio, mas sobram filas no espaço. Lá
se foi uma nova garrafa de água e a fome foi, voltou, sumiu. Nas bichas, de
novo, o pessoal do fim do século passado. Quer dizer, jovens de ambos os sexos,
todos espertos. Mas e eu? Até que enfim cheguei lá. E a dificuldade desta vez?
O meu cartãozinho do projeto é limitadíssimo. Tem validade curtíssima. Devido
às suas características, sempre dá uma informação na tela do caixa: “Problema na
leitura do cartão”. Ufa! Desisto, desisto, desisto. Consigo depois da ajuda do
funcionário extra. Cruzes! Sem vento porque o calor nem pode ser citado.
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