terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A grande pergunta sem resposta do ser humano (II)

Então, a séria, grave, instigante, impressionante, incomparável e misteriosa questão está aí: nós, seres humanos, não conseguimos dar respostas a algumas perguntas interligadas entre si: por que vivemos? O que somos? De onde viemos? Para onde vamos? O que estamos fazendo aqui? É um absurdo! —  diria Boris Casoy, digo eu sem saber, na verdade, o posicionamento do famoso jornalista e apresentador de telejornal.

As consequências da ignorância representam, praticamente, a decretação do caos. Se não sabemos quem somos, na verdade vivemos acometidos por uma amnésia trágica. Não sabemos mas enfiamos a cara em qualquer tema e soltamos a nossa opinião . Alguém, entendemos ser Deus, nos mandou aqui para viver, ou cumprir pena, ou evoluir, ou fazer algo que ainda não descobrimos o que é.

A vida continua e a ignorância também. Mas temos bíblias, corões ou alcorões, leis, tábuas, listas de pecados, pensamento crítico. De onde tiramos tudo, ainda temos a coragem de dizer que é de uma inspiração divina. Talvez, sim. É bem possível que sim. Mas, se contratarmos um empregado para executar uma função qualquer em empresa, antes de assinar o documento de admissão, temos pelo menos uma entrevista com ele e, nessa troca de entendimento, alguns pontos ficam claros: o que ele fará? Como fará? Onde estará trabalhando? Qual o seu salário? E outros acertos importantes.

Em maio de 1966, entrei para a antiga Companhia Vale do Rio Doce, onde trabalhei até janeiro de 1979. Ao passar em concurso na grande empresa, sabia o que faria, onde trabalharia, quanto receberia de remuneração. E mais e mais detalhes. Mas em janeiro de 1945, quando nasci, ninguém me disse o que teria que executar numa longa ou média ou curta vida? Aos 11 anos, escrevi, na minha inocência infantil, mas com uma coragem intimorata, desafiando padre, catequistas e outros obstáculos, um texto teatral chamado Juízo Final. Nele, depois de condenado ao fogo do inferno, a minha pena teve que ser reconsiderada porque lancei, durante o julgamento, essas questões à análise do tribunal. E até hoje considero que estava acobertado de razões quando rabisquei os manuscritos e fui suspenso de freqüentar a igreja durante um mês como castigo do padre.

O leitor, ou internauta, pode argumentar: então: “Quer dizer que o que aprendemos na vida não tem valor? Perdemos tempo vivendo?" E respondo: é claro que não. Com essas  trombadas, testadas, caídas, recaídas, sofrimentos, tormentos, agonias, incompreensões e tudo o mais de obstáculos que enfrentamos no mundo conseguimos, aos poucos, uns lentamente e outros com mais rapidez, abrir os olhos para a realidade.

Na minha humilde ignorância, atormentada, no entanto, por uma procura incansável, que já dura mais de 50 anos, posso dizer que tenho dado, modestamente, passos à frente. Assumo que estou ainda e mesmo no meio da ignorância, mergulhado nela de ponta, cabeça para baixo. Tem hora que pergunto a mim mesmo: e agora, o que preciso fazer para melhorar? Há uns que dizem: “Besteira! Largue isso pra lá! É preferível viver em paz e aproveitar a vida, crer em Deus e deixar acontecer”.

Quantas vezes pensei assim! Mas a inquietação, a  turbulência, a impaciência que me causam as pessoas. Essas parecem, mesmo inconscientemente, cobrar  de mim com o dedo em riste: “Vou te chamar de burro até que encontre o caminho!” (Continua)

sábado, 23 de fevereiro de 2013

A grande pergunta sem resposta do ser humano (I)

Gente, vamos entrar dentro de nós mesmos e nos desafiar com uma pergunta simples mas nunca até então respondida? Topam mesmo? Se não, por favor, mude você  de rumo na navegação de sua internet. Se sim, admita que vai pelo menos me ler com atenção.

Fui ao Google (esta é uma geração dos chamados intelectuais do Google...rs...rs...) e encontrei centenas de referências ao tema “Por que e para que vivemos?” Pode-se considerar, em consequência, que nenhuma resposta merece ser tratada como completa ou confiável ou satisfatória ou conclusiva.

Uma das melhores é a do Espiritismo, que diz: “Vivemos para alcançar a evolução e, assim, tornarmo-nos perfeitos”. Tem um sentido, mas não tem o início do fio da meada. A lógica seria que estamos vivendo desde o início da vida no Planeta Terra, há até hipóteses que são consideradas comprobatórias, mas, pelo menos eu, continuo fazendo perguntas.

Tinha os meus seis, sete anos, quando fiz a pergunta a uma catequista em aula do ensino da Doutrina Cristã, mais especificamente, da Religião Católica. Ela me disse: “É um mistério que nunca podemos desvendar”. Se ela me tivesse dito, complementando que um dia teríamos a resposta, sim, ficaria satisfeito naquele momento.

Porque é exatamente desse nível que considero os mais evoluídos de hoje, ou seja, estarem plenamente seguros de que chegaremos lá. Não sabemos, mas o fim do mistério haverá de acabar. Mesmo porque está escrito na Bíblia o seguinte: “Procurai e achareis, batei e abrir-se-vos-á...” Para que alguém alcance a graça de saber, tem que investigar, pesquisar, perguntar, arguir, questionar várias vezes, sem medo. Mas...

... existe o receio de quebrar a cara e, como dizem alguns preguiçosos: “Se eu me enveredar nesse caminho acabo ficando doido”. Acredito, sim, que muitos doidos estão aí não  porque procuram a Verdade, mas porque têm medo da Verdade. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” — quem disse a frase todos sabem, Jesus Cristo. Ele, realmente, me prova que um caminho do bem nos leva à Verdade.

O que é preciso saber é que embora saibamos que existimos, ainda há momentos nos quais uma dúvida perpassa em nossa mente. “Penso, logo existo”, escreveu o filósofo francês René Descartes  (1596 -1650). Há um fundamento na sua curta e inteligente frase. Mas será que o pensamento é o sustentáculo do homem?

Ainda quando era criança e procurava entender o mundo, descobri que na face da Terra falavam cerca de seis a sete mil idiomas. E que no Brasil, apesar de ser o Português a língua de predomínio territorial, calcula-se que se praticam 187 dialetos, mesmo que por um número reduzido de pessoas. O meu questionamento era: será que todos pensam da mesma forma?

Hoje se tem a resposta: o ser humano não pensa igual  e a diferença é comparável às nossas impressões digitais. Mas a primeira conclusão, depois de anos a fio buscando, é simplesmente a seguinte: a nossa faculdade de raciocinar, pensar, imaginar, é uma transição. Quer dizer que ainda não é seguro para todos outros sentidos, o sexto, por exemplo. Em outras palavras, este mundo não é o verdadeiro mundo, ou o mais grave, não somos deste mundo. (Continua)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Suor Sagrado de um fotógrafo construtor de atrações turísticas em Ipoema

Roneijober Alves de Andrade nasceu em João Monlevade, viveu muitos anos em Itabira e hoje divulga Ipoema, onde mora e trabalha, para o mundo. Conheci-o na Redação do Hora H, jornal que Luiz Müller criou e que ficou em branco, solidário à  entrada do Diário de Itabira, que persiste entre nós. A minha primeira impressão do jornalista-fotógrafo foi de pena, compaixão, sentimento de olhar como se fosse um pobrezinho. A  humildade estampada em rostos humanos muitas vezes parece presunção. Em Ronei, todavia, ela era e é um jeito arraigado de ser. Daí o fato de espelhar ele, também, uma ingênua criatura: é capaz de ofender alguém com a mesma naturalidade de o estar endeusando, considerando a sua simplicidade natural.  Inimizades? Acho que não tem, apesar de vez por outra manter alguns “pegas” na defesa de suas ideias.. Que o diga o seu colega de colunismo no Diário de Itabira, Armando Bello, outra figura de realce na comunidade.

Falei um pouco de Ronei para caracterizar aquele rapaz pai de dois filhos — Ruan e Rafael — casado com uma criatura cuja voz de cantora mostra uma suave personalidade  e outra qualificada simplicidade — Ana Maria—, e dizer que neste dia 22 de fevereiro ele lança o seu segundo livro, “Suor Sagrado  — Retratos de ações de fé em prol da cultura no Morro Redondo”. Embora tenha eu participado humildemente um pouquinho da reconstrução da Capela do Senhor do Bonfim, sinto-me importante por ter ido com Ronei algumas vezes à casa da artista Vilma Nöel, que se tornou nossa amiga leal, de cujas trocas de opiniões saíram três ornamentos indispensáveis ao santuário: o “Destino”, anjo de dez metros de altura,  que enfeita o adro da altitude de 1.200 m; o Divino Espírito Santo, encravado na parede de frente do santuário e o Senhor do Bonfim, que realça sua presença no altar-mor da ermida. Vilma chegou a dizer, em seu discurso na inauguração da obra, que de nossas convivências e amizade surgiu a sua dedicação a uma de suas centenas de obras, muitas espalhadas em mais de 20 países.

O novo livro de Ronei conta a história em fotos de como foi a jornada de labuta, um pouco mais rigorosa do que as corriqueiras, porque, além dos obstáculos normais, especialmente a busca de recursos financeiros, tudo o que está hoje fincado no alto do Morro Redondo subiu a íngreme montanha em lombo de burro ou de homem. Disse eu para o responsável pela obra, que teve o apoio de padres da Paróquia de Ipoema, que não há quem possa medir quantos litros de sangue foram jorrados dos rostos de operários anônimos, aos quais o autor do livro deu merecido destaque. E por causa do anonimato, os suores tornaram-se sagrados e valorizaram muito mais o conjunto erguido, incluindo o Caminho de Santa Cruz, com 12 quilômetros de extensão, e o que é de mais importante: a renovação da fé de ipoemenses, itabiranos e de turistas que chegam de todas as partes do Brasil e até de outros países ao cume daquela montanha sui generis.

Para registrar o acontecimento da chegada do livro, nesta sexta-feira, no Centro Cultural de Itabira, apenas gostaria de repetir o que sempre disse à procura de tentar dimensionar o trabalho desse fotógrafo e ser idealista de sensibilidade apuradíssima: para mim, daqui a algumas décadas, quando ninguém mais desta geração aqui estiver, que alguém lembre o nome do real construtor do conjunto de louvor à fé cristã e  seu nome bem que poderia ser São Roneijober, o protetor dos  que confiam, fazem, acreditam e nunca esmorecem nem sossegam.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Maia: um livro, uma vida e muitos sentimentos

Em  mãos o livro “Encontros e Perdas” — SANTOS, Conceição Maia, 1.ed., Produção Editorial: Lílian Teixeira, Gráfica Paulinelli, Belo Horizonte: 2012, 200 p. Tudo a mesma coisa de outros livros de poemas e prosa  não fosse a autora uma pessoa de várias funções, sendo a principal a sensibilidade em tocar um assunto sem ferir nem a língua nem talvez um alvo que lhe tenha ferido. Quem sabe ler e entender enxerga o significado completo das entrelinhas.

É preciso dizer que foi ela uma minha quase professora. Nos meus tempos de curso primário — como era chamada a primeira etapa do Fundamental de hoje — me escalaram para ser aluno de Dona Inês, que nunca mais vi  e  sei que existe com toda a sua simpatia pelos lados da capital mineira. Mas acompanhava tanto Conceição quanto Lucinha, duas irmãs contemporâneas e inseparáveis, ora na escadaria e pátio do velho Grupo Escolar Odilon Behrens, em São Sebastião do Rio Preto, ora nos altares da Igreja Matriz. Aí elas estavam sempre presentes, e eu como coroinha, que ajudava missas em Latim, a respeitá-las como catequistas.  Do “Ad Deum qui laetificat, juventutem meam  passando pelo “Dominus vobiscum” e se destacando no “Confiteor Deo omnipotenti, beatae Mariae semper Virgini, beato Michaeli Archangelo”, via as duas irmãs como eternas mestras  religiosas e intelectuais, que sabiam traduzir para o português o que era falado na cerimônia, e nos transmitir.

Maia, como é conhecida fora dos eixos de nossa terra natal, onde atende por Dona Conceição, se perpetuou para muitos conterrâneos a princípio graças às referências extraordinárias dos pais: a mãe, Dona Isaura, exímia costureira, que debruçava na janela, a distribuir olhares de simpatia principalmente às crianças; o pai, Seu Lulu, artesão do couro, que eu via como um artista de cinema com a imponência de um Burt Lancaster ou John Wayne. Depois pelas suas próprias e firmes atitudes que mostravam um caráter inquebrantável. Na família, o mais novo, José Garcia, hoje apenas Garcia, como sou Sana em várias cidades por onde passei. Garcia era o meu protetor quando a barra pesava no tempo da adolescência arredia e repleta de peripécias. Lembro-me de quando um soldado quis me espancar, eu apenas um menino de 16 anos; ele se prontificou a enfrentar o dito cujo tira no meu lugar. Imaginem hoje um policial ameaçando um adolescente apenas por um motivo fútil, implicância da polícia naqueles tempos idos, meio atrasados, das cidadezinhas do interior. Garcia amedrontou o valentão mau-exemplo e me deixou orgulhoso. Nem sei se ele se lembra disso.

Não posso fugir do assunto. Devorei o livro de Maia com toda  a curiosidade com que devoro outros tantos,  me procurando localizar naqueles cenários simples que ela narra, ou por trás do sentido figurado dos poemas leves de sua autoria. São Sebastião do Rio Preto foi conservada em todo aquele encantamento do passado na sua pena castiça de suntuosidade  transbordando o simples. Também Itabira e até mesmo o Maranhão, onde ela descreveu em verso e prosa como marcantes de sua passagem mereceram versos e referências de prosa.  Não pude deixar de ser tocado também pelo poema dedicado a Alzira, a governanta da casa, a quem muitas vezes ia à procura de uma verdura para o almoço de minha casa. Não me esqueço dela pela amizade que tinha com a minha segunda mãe, a negra Maria Lucinha, que atravessou a minha convivência do nascimento à juventude.

A maior dádiva de “Encontros e Perdas”, sob o ângulo de meu olhar, é a capacidade que a autora demonstrou ao revelar-se a princípio uma figura passiva dos sofrimentos impostos pela vida e, paulatinamente, a capacidade de mostrar como fez para se erguer. Finalmente, no esplendor de uma profícua existência, aos poucos encontrou o ponto de apoio, de referência, o porto seguro da vida. Ela não deixa, porquanto, o leitor desestimulado com a vida a tornar-se um perdido ou deprimido. Pelo contrário, assim como naquele “levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima”, didaticamente não ensina, mas muito mais do que isso, na prática oferece sua mão para um puxão ou empurrão em qualquer leitor.

Fiquei deveras  arrependido por  não ter feito maior esforço para ir à festa de seus 80 anos, evento ocorrido recentemente,  para o qual fomos convidados. Havia uma força maior que nos impediu, mas se antes tivesse lido essa bela obra  teria avançado sinais, subido serras, tudo para lhe dar um sincero abraço.

Siga em frente, Maia! Você se revelou uma ótima escritora de prosa e poetisa de sentimentos apurados. A sua alma fala com voz audível e singela na comoção em “Encontros e Perdas”. Quem sabe conta mais de sua vida que, doravante, é apenas Conquistas e Riquezas. Sim, da alma, do coração, da beleza de grande parte de sua vida que soube revelar com total perícia. Parabéns!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Itabira: bombardeios silenciosos, terremotos invisíveis e poeira de levar sinusites e rinites para os pulmões

Desde 1966 moro em Itabira, mas muito antes, aos cinco anos de idade, já conhecia a cidade dos morros e dos ventos uivantes. Nessa distante idade, subia a serra do terreno em que viríamos a morar, em São Sebastião do Rio Preto, a 60 quilômetros de distância, para ver as explosões no lendário Cauê. Todo santo dia, ao meio-dia, uma serra de hematita explodia sobre uma das mais famosas montanhas do Brasil. E eu vibrava como se aquilo fosse algo do outro mundo.

Ao chegar à terra de Drummond, de João Camillo de Oliveira Torres, Cornélio Pena, Alfredo Duval e  de outras figuras notáveis, para aqui morar,  antes de tomar posse no cargo que conquistei em concurso na velha Companhia Vale do Rio Doce, ouvi uma surpreendente palestra, proferida no escritório do Areão, pelo meu então chefe, o saudoso Sinésio Valeriano Alves. Disse ele de bom tom que “hoje vocês chegam para a Vale do Rio Doce, mas pode ser que, em breve, a empresa os deixe, porque o nosso minério de ferro não tarda a acabar.

Os anos passaram, saí da Vale, a síndrome da exaustão continuou assombrando o itabirano,  aposentei-me depois (nunca na CVRD como dizem os maliciosos, jogando indireta para uma possível malandragem), o minério de ferro, além de não ter-se findado, ainda deu o que chamam de “terceira safra”, exatamente a fase em que vivemos agora: o itabirito, ou minério duro, até então conhecido como rejeito, passou a ser matéria-prima de alta importância. 

Presenciei na empresa em que trabalhei durante 13 anos várias de suas fases. Traumática, a privatização não trouxe, pelo menos por enquanto, prejuízos à cidade. Muito pelo contrário, fez com que houvesse mais empregos, os velhos empregados se tornassem patrões e a cidade passou a negociar, sem politicagem, com a diretoria da velha Madrasta. De tão ruim, de tão politiqueira, desde os tempos de PSD e UDN, esse apelido de mãe indesejável lhe pegou e era sumamente proibida a sua repetição dentro dos espaços da estatal, principalmente no período da ditadura militar, sob pena de ser demitido sumariamente.

Mas, infelizmente, acelerando a produção, porque a empresa passou a ser privada, recentemente, a Vale inaugurou os bombardeios silenciosos. Antes, as explosões faziam mais barulho e sacudiam as mais de 40 mil casas. Hoje o processo mudou. A notável  tecnologia contratada pela poderosa mineradora faz com que as casas dancem de samba a twist e desse a forró, passando pelo rock e até a dança da garrafa. Não há, verdadeiramente não há, uma só casa ou apartamento na cidade que não pegue o pique e que, mesmo sem querer, deixe de sambar no meio de todos os que vão se acostumando com a diária hora dançante. E algumas ou muitas construções estão trincadas, telhas caem ou se quebram. Os resultados não são nada animadores.

Esses terremotos sombrios e sorrateiros atingiram o grau máximo sísmico na data de aniversário da cidade, 9 de outubro de 2012. Não sei por que a empresa resolveu prestar essa homenagem à sua enteada, Itabira. Foi uma sacudida que mexeu com todos os quadrantes da urbe, fora de hora, na calada da noite. Desses passos sem ritmo, pulamos para a ventania, notadamente substituta do tsunami, que não poderia faltar, levantando a poeira ao contrário do samba que faz dar a volta por cima. Quando ninguém espera, especialmente ao entardecer, chega com furor uma tempestade de minério de ferro, tal como as que massacram os desertos, aqui chamado essa matéria elegantemente de partículas em suspensão, notadamente mais simpático termo que poeira.

Itabira privilegiada tem de tudo: não lhe falta aquele que adora ver a sua casa e a do vizinho dançar, os que bebem pensam que é efeito etílico; mesmo vendo a poeira subir, há quem aprecie o estrondo silencioso, que estraga mais, abre veias de busca da matéria-prima, seja debaixo das igrejas, dos casarões históricos ou mesmo quebrando o asfalto; e a maior abundância tentando desmontar os pulmões resistentes. O meu, por exemplo, nunca assustou os otorrinolaringologistas, que não se cansam de diagnosticar: bronquite, rinite, sinusite e o que, se Deus quiser não vem, a danada da asma.

A receita do doutor ou da doutora? Ah “Pinga isso nas narinas, tome aquilo na bunda e engula esses comprimidos. Caso não queira fazer nada disso, tome vergonha na cara, pegue suas trouxas e mude de Itabira, se possível para uma praia. E agradeça a Deus por não ter morrido ainda”.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Atestado de minha (e de mais ninguém) incompetência para demitir Eleni Cássia Vieira do Museu do Tropeiro

Tomei um susto de subir a pressão arterial quando li que Eleni Cássia Vieira, especialista em tropeirismo, natural e residente em Ipoema, não é mais diretora do Museu do Tropeiro. Para quem não entende o que quero registrar, vou ao tema por etapas.

Inicialmente, quero me habilitar a discorrer sobre o assunto com os seguintes argumentos: 
—  não sou mais político, mesmo que muitos desacreditem e possa eu me declarar vacinado contra esse "mal"; 
— militei na política e fiquei conhecendo dos porões até o teto da política ipoemense; 
— tornei-me um seguidor dos desafios que provocaram o progresso e o desenvolvimento do distrito; 
— transformei-me em adepto da proposta Estrada Real e não só marquei presença na região frequentemente como percorri todo o trecho, de Diamantina a Paraty, e até a Lisboa, para dizer que "vigiei" as riquezas escaparem de nosso poder pelo Atlântico; 
— acompanhei quase toda a movimentação de três figuras de Ipoema para as quais pediria, caso fosse chefe de um tribunal de canonização, no mínimo o estudo de propostas de reconhecimento; 
— não sou amigo de Eleni Cássia Vieira o suficiente para me tornar seu escudeiro, embora seja seu inconteste admirador.

Para deixar o Jornalismo, enveredei-me pelos caminhos da História. Retornei-me  à Faculdade e estudei até duas pós-graduações. Tive a Estrada Real e Ipoema como constantes objetos de estudo. Conclui em meus trabalhos acadêmicos que Ipoema é exemplo para o Brasil e, acima de tudo, deve receber o troféu máximo do lugar que mais se desenvolveu após decretada a arrancada da Estrada Real, como o maior roteiro turístico do Brasil a partir de 1999. Provei em minhas dissertações e artigos, diante de rigorosas bancas julgadoras, que a velha Estalagem, depois Pouso Alegre, em seguida Aliança e, finalmente, Ipoema, não só aproveitou todas as oportunidades que foram dadas a 170 municípios, como liderou as realizações e atuou além de todas as expectativas.

Acompanho o desenvolvimento de Ipoema desde 1966, quando cheguei a Itabira. Admirava a política quente do distrito, "enfoguetada" pelo ex-colega de Legislativo, o combatente José Ignácio Vieira. Vereador sem remuneração, mas com excesso de idealismo e vontade de fazer, apesar das agruras, fazia ele das tripas o coração para garantir melhorias para a sua terra. Essa foi a primeira etapa vivida por mim. Na segunda, a luta por uma cooperativa de cana, incentivada pelo governo e por esse mesmo governo puxando o tapete, fato que deixou Ipoema com estima abaixo da temperatura na Rússia em inverno rigoroso. A seguinte batalha, dela também participei, foi quando se mudou o conceito de turismo e ele passou a fazer parte de todas as cidades e não apenas de meia dúzia de privilegiadas históricas e recheadas de lendas.

No advento da Estrada Real, conheci Eleni Cássia Vieira participando de reuniões com especialistas em tropeirismo e montando um projeto de memorial do tropeiro para Ipoema. Isto na pré-história do Museu do Tropeiro. No passo seguinte, ela foi a figura central na organização da Expedição Spix e Martius, que inaugurou, oficialmente, a arrancada da Estrada Real na região de Ipoema, Senhora do Carmo, Bom Jesus do Amparo e Itambé do Mato Dentro. Brava, intrépida em suas  posições, durante quatro anos ou mais ela se tornou voluntária do projeto, acreditando nele com todas as forças até que, em 2003, ajudou a inaugurar o Museu do Tropeiro.

Ipoema seguiu Eleni, alicerçada até inconscientemente por dois baluartes: Reinaldo Luiz Vieira, seu irmão, e Roneijober Andrade, empresário do turismo, guia turístico e melhor fotógrafo que conheço. Hoje não vou falar dessas duas figuras de destaque e quanto menos  discorrer sobre o  povo do Distrito Sorriso. Ah, me esqueci: Distrito Sorriso era de outro apaixonado por aquele torrão, o ex-prefeito de Itabira Daniel Jardim de Grisolia. E ainda deveria dizer algo mais a respeito de meu ex-colega de Câmara e amigo pessoal, José Braz Torres Lage, de saudosa memória. E também devo falar um pouco de  Raimundo Afonso, que revolucionou o distrito com obras. Desculpem-me Torrinha, Élio Quadrado e os anônimos que seguem a carruagem mais célere da Estrada Real.

Retorno a Eleni Cássia Vieira para encerrar estas mal traçadas e despretenciosas linhas. Eleni projetou, criou, organizou e administrou o turismo ipoemense. Conquistou a imprensa brasileira e muitos políticos, que se sensibilizaram com a sua dedicação. Liderou a grande participação das Mulheres Caminhantes da Estrada Real. Fez com que as portas coloniais e as janelas barrocas do museu fossem vistas por quem mais apoiou o projeto da Estrada Real. O seu segredo, tentei, em vão, descobrir e só pude ver, realmente, os resultados. Agora, que se desponta a conclusão significativa de um trabalho muito demorado e cheio de emoções — o título de Patrimônio da Humanidade para o Museu do Tropeiro e/ou o Tropeirismo Mineiro — eis que ela se afasta com sua total saúde física, moral, intelectual e com o verdadeiro idealismo à flor da pele.

Compreendo perfeitamente o que seja o rodízio de trabalho dentro do regime democrático. A alternância do poder garante esse momento áureo da liberdade e busca de justiça social em todos os segmentos. Só faço uma ou outras concessões: para demitir Eleni do Museu do Tropeiro — e ela não era apenas Museu, mas Ipoema, Região e Estrada Real como um todo — era preciso pedir licença a tantos que acreditaram naquilo que realmente foi feito e que deu resultados concretos diante de muitos e muitos fracassos, infelizmente, em regiões ora dominadas pela mineração, ou nas fronteiras de São Paulo e Rio de Janeiro, as quais, ainda, não deram o braço a torcer à grande rota.

Para demitir Eleni, alguém teria que chamá-la bem num cantinho e prestar-lhe várias homenagens e, também, pedir-lhe que concedesse um estágio ao seu substituto. Não sei se é possível transmitir conhecimento em um, dois, três meses de trabalho. Só sei que não se pode perder o que essa profissional fez de coração e de técnica em matéria de transformar um distrito de essencialmente político e cansado de perder batalhas em infinitamente confiante e seguro, com a cabeça erguida para a frente.

Só quero desejar felicidades ao sucessor que foi indicado para o seu lugar. Porque Ipoema continua sendo ícone de minha admiração no conceito de história, um distrito que mais deu certo na Estrada Real. Dou fé a este atestado que assino com convicção. E levo minha humilde firma para ser reconhecida em algum cartório de esperança. E que me perdoe a incompetência.

P.S.: Quero pedir desculpas a Eleni Cássia Vieira por tomar a liberdade de falar dela com tanta sinceridade e usando meus pequenos conhecimentos. Tudo isso sem consultá-la ou sem submeter a ela um texto que considero simplesmente o retrato de minha visão durante 46 anos de convivência com Ipoema.