sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

José Vieira Reis: quem não conheceu o Teia do Roque?

Ele foi o rapaz mais engraçado que existiu na face da terrinha chamada São Sebastião do Rio Preto. Meu amigo incondicional dos tempos de solteirice, sempre requeria a presença dele para ouvir velhos causos, principalmente dos antepassados que conheceu ou teve notícias. E não apenas eu, mas também José Flávio Almeida Dias e o João Guadalupe de Almeida compunham o grupo. Lembro-me muito bem quando íamos a Ferros e lá nunca arranjamos uma namorada, até porque existiam moças demais e todas impediam a conversa a dois. Mas não me esqueço de uma carta que veio pelo correio, uma espécie de abaixo-assinado por algumas donzelas subescrita com os seguintes dizeres no envelope: José Sana, Joãozinho, Zé Flávio e Zé Reis.

Como primeiro destinatário, abri o envelope. Lá dentro nada havia senão uma saudação que nos deixou sem nenhuma vaidade e até mesmo perplexos: “Aos quatro rapazes elegantes: Cobra, Onça, Jacaré e Elefante”. Contei esta passagem de nossas vidas apenas para lembrar que tudo começou nesse tempo, meados da década de 1960. Outro detalhe: o Teia nunca bebeu algo que contivesse álcool. Ele, normalmente, entrava na rodada, mas jogava a sua cota fora quando todos estávamos distraídos. E pagava a conta — isso era um fato religiosamente cumprido. Se alguém me fala que ele passou a gostar de álcool mais tarde, tenho a honra de dizer que bebíamos por ele e para ele. E só.

O que narrar da vida desse amigo inseparável? Em primeira mão, todos os nascidos e criados em São Sebastião do Rio Preto o conheceram muito bem. E para falar dele, notadamente sobre ele, acho que um livro seria pouco. Digo um livro das passagens que são do meu domínio total. Vou resumir apenas algumas palavras: casou-se com Marlene Ferreira, com quem teve filhas, somente filhas. Resolveram todos morar em Itabira depois de algum tempo na terra natal. Ocupou o sobrado em que nasci, que o seu sobrinho Hémerson e Guiomar reformaram mais tarde. Por ironia do destino, depois de Sobrado do Tãozinho, a casa passou a ser chamada de Sobrado do Teia e, hoje, do Hémerson, que o reformou ou reconstruiu por gentileza tal e qual o velho casarão antigo existiu. Digo gentileza porque o Hérmerson me procurou e deu a devida explicação por adotar uma construção semelhante à antiga.

Agora, passo a apenas um causo verídico que ocorreu com ele, envolvida na pequena história, também, a sua esposa Marlene. Estamos neste instante nas férias de julho da década de 1970. Sebastião Geraldo de Almeida, outra notoriedade, o maior contador de anedotas do mundo (que me desculpem Ari Toledo e outras feras) sabe perfeitamente como se deu o fato. Sebastião da Naguita, como é conhecido, residente em Belo Horizonte, bancário (acho que banqueiro, mas arruma pra lá) levou quatro casais que passaram uma semana na cidadezinha. O programa do dia não foi voltado para o Rio Preto, considerando o inverno severo daqueles saudosos tempos. Mas à noite sempre havia um programa diferente. E aí sobrou uma noitada no Bar do Teia para uma data especial.

Devidamente agendados, aportaram  e foram gentilmente recebidos pelo Zé Reis, nosso personagem, verdadeiro gentleman, que os acomodou nas devidas cadeiras. Eram dez pessoas, ou cinco casais e requerem bebidas várias, entre elas o refrigerante, com predominância para a cerveja e, na abertura de cada rodada, aquela cachacinha que em São Sebastião nunca pôde faltar, até porque o segundo nome da cidade é Gambá. Gambá é um animal com 40 a 50 centímetros de comprimento, que aprecia a cachaça mais que qualquer outro alimento. O leitor já deve ter percebido o porquê do nome.

Voltando à  turma de BH assentada comodamente em bancos e cadeiras, começou a festa. Faltavam comestíveis e Dona Marlene cuidou deles com afinco. A cada 15 minutos, descia ela a escada com uma bandeja dos deliciosos quitutes, com pendência para pasteis de queijo e carne, a estas alturas adorados pelos ilustres visitantes. Um desses, quando percebeu que não eram anotadas as cervejas abertas e nem as bandejas de salgados que desciam as escadas no princípio às pressas, depois mais devagar, resolveu assumir o lugar do garçom e passou a fazer anotações para, no final, facilitar o pagamento da despesa.
De repente, ele, o apontador de dados, precisou ir ao banheiro e isso acontece, ninguém é de ferro.

Lá demora um pouco mais que o normal. Retorna e aí é que se mostra palidamente atônito e preocupado. A mesa tinha sido ampliada, chegaram outros amigos do Sebastião, garrafas de cerveja tinham sido abertas, outras, vazias, guardadas e Dona Marlene descera não se sabe mais quantas vezes escada abaixo com agora os já escolhidos pasteis de carne e de queijo. Aí, o anotador, resolve conversar com o Teia para externar o problema detectado:

 — Seu Zé Reis, por favor, venha aqui. Olha, eu estava anotando tudo aqui neste papel desde o início. Refrigerantes, cervejas, salgados, cigarros, tudo, tudo, tudo. Mas tive que sair, ir ao banheiro, e agora perdi tudo, ocorreram mais despesas e não sei mais como iremos acertar, no final, as contas com o senhor.
O nosso amigo José Vieira Reis não pensou um segundo para dar a sua resposta em cima da pinta, depois de um pigarro, outro pigarro, uma pequena ida ao banheiro para cuspir logo e retornar:
— Oh, moço, como você se chama? — e nem esperou a resposta e completou: olha, não esquente não, rapaz! Depois a gente calcula assim por alto e pronto. Vai comer e beber mais!


E voltou ao banheiro para outro pigarro e outra cusparada. (A estas alturas, quem estiver por perto da Marlene vai perguntar a ela o seguinte: “É isso verdade?” Aguardo a resposta com a consciência tranquila do dever cumprido de contar um dos mil causos inesquecíveis da vida do meu amigo José Vieira Reis.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Vou assinar meu autoatestado: sou idiota e não se discute



Vou sair para uma viagem daqui a pouco e só devo retornar na quinta-feira. Acredito que vou ficar fora deste espaço obrigatório, portanto, por dois dias. Os meus equipamentos de deslocar  estão meio emperrados: notebook  trocando teclado e tablet meio doido.

Quando retornar, devo redigir um manifesto a mim mesmo, me declarando um idiota. Assinarei e, provavelmente, o levarei ao cartório para registrar. Estava esperando terminar a leitura de O MÍNIMO QUE VOCÊ PRECISA SABER PARA NÃO SER UM IDIOTA, de Olavo de Carvalho, mas não será preciso, sou um idiota por antecipação.

E só tem um motivo por enquanto. Talvez tenha mais, mas no momento, não me lembro. Ontem disse a um amigo do face, petista roxo, que dorme enrolado com uma  bandeira vermelha, que não mais discutirei política. Há vários dias venho tentando entender o que se passa na cabeça da tal presidenta, candidata à reeleição, senhora Dilma Rousseff somente por um fato: seus insistentes investimentos no exterior, especialmente em Cuba, onde está erguendo monumentais obras com o vil metal que ninguém conta.

Hoje, 28 de janeiro, os jornais abrem manchetes colossais sobre o Porto Cubano, construído com dinheiro do Brasil e mostra outros investimentos, superiores a  um bilhão de dólares que são “aplicados” (será isso mesmo?) no país, cujo proprietário ainda é Fidel Castro, com gerência do irmão, Raúl. Tudo o que se pode pensar favoravelmente às intenções petistas se esbarra, com otimismo, em dúvidas  atrozes.

É o comunismo que vem aí? Que o diga o meu amigo Armando Bello. É compromisso ainda não saldado, o famoso dinheiro da cueca e de malas pretas das eleições? Somente a Justiça pode esclarecer e sentenciar.  O eleitor cubano elegerá Dilma? Só quem entende de eletrônica digital pode mostrar  o mistério das urnas. Empresários brasileiros reclamam de falta de investimentos em portos brasileiros. Será que algum país de fora não vem socorrer o Brasil?

Olha, o negócio é o seguinte, para pensar mais domesticamente: Zé da Égua  mora na Cidade de Deus e vende banana para os moradores de Serra do Capeta, que estão quebrados, mas é um arraial distante. Aí o vendedor de bananas resolve chamar o Zé do Burro, seu irmão, pega o dinheiro dele e constrói roças no lugar vizinho. Assim os moradores da Serra do Demônio somariam  poder aquisitivo e poderiam continuar comprando as bananas. Mas quem mora na Cidade de Deus tem que esperar até que o processo se agigante e o dinheiro retorne, ou pode nem retornar. Enquanto não retorna, as mortes de fome são inevitáveis nas rodas da Cidade Divina.

Desisto de continuar tentando explicar a matemática da Dilma. Paro no meio do caminho e me conformo: sou um idiota porque não entendi nada. Alguém poderia me explicar, mas peço que não percam  tempo comigo. Idiota, idiota, idiota. Vou redigir a minha autoconfissão e levo ainda nesta semana no Cartório de Registro de Títulos e Documentos para registrar.

Afinal, meu nome é Zé do Burro, que arrumou o dinheiro para o Zé da Égua.

Até lá e me desculpem pelas idiotices...

sábado, 25 de janeiro de 2014

O Sapo da Minha Terra Natal



Vou contar a história como se fosse um conto infantil, daqueles que nos faziam dormir quando criança ou mais precisamente, às vezes, nos tiravam o sono quando continham uma dose de terror. Era uma vez um sapo. Ah, não, a história começa assim: era uma vez um arraial do interior. Nada tinha de novidade senão a sua vida pacata com alguns empinados de burros depois da algazarra, ou mais precisamente, entro numa contradição incrível, pois, verdadeiramente, todos viviam uma vida feliz. Se havia algo que poderia ser preocupante era a poluição daquele córrego, o quase Rio das Posses, que atravessa o povoado. Mas havia tanta água descendo que, hoje concluo, o regato não passava de um inofensivo quadro de ameaça à saúde. Havia no lugarzinho - vou revelar logo o seu nome - antes de tudo havia a chamada verminose como única doença pública, uma ameba,  esquistosomose e outras ameaças de vermes ou bactérias menos votadas. O arraial, ou vila, ou povoado, ou cidade agora, se chama São Sebastião do Rio Preto.

Como eu ia dizendo, havia um sapo. E o sapo morava na vila. Daqui para a frente chamo esse  cururu apenas  de Sapo da Minha Terra Natal, com iniciais maiúsculas. Para mim era o único e deslumrante, aquele que ao anoitecer começava a deixar escapar o som de suas entranhas, “roncando” mansamente em nossos ouvidos. Imaginava aquele bichinho, solitário, debaixo da ponte de madeira e terra, em frente ao sobrado em que morava e perto de dezenas de outras construções antigas, coloniais ou semi-coloniais. Chegava as 18 horas,  o sino da Igreja Matriz batia solenemente a Hora do Angelus, todos se levantavam de onde estivessem: se arreando um animal, paravam e rezavam;  se assentado, levantavam-se; se tinham um chapéu na cabeça, tiravam-no com orgulho;  enfim, cada um alterava o seu jeito de ser  naquele momento enfático da vida do arraial. Enquanto o sino batia, o sapo também batia a sua lata, imaginava  na minha ignorância infantil. Depois a minha tia Ninita, a professora do lugar, que era o nosso dicionário, a nossa gramática, a nossa ortografia e a nossa enciclopédia, nos explicava que o sapo coaxava, assim como coaxavam a rã e uma tal perereca, todos da mesma família dos anfíbios mais comuns que existem na fauna brasileira. 

A rotina se repetia tanto que parecíamos todos profetas, sabíamos a hora de tudo, o momento das reverências a Deus. Uma hora depois começaria a “reza do terço”, se não com o padre presente, uma catequista para puxar as ave-marias e os pai-nossos, seja quem fosse, ou Dona Lucinha, Dona Conceição Maia, Zica, Maria Tereza e outras. Foi assim durante anos e anos, quebrando-se os costumes aos domingos, com as missas e o povo da roça chegando. E nas festas, que tinham a Banda de Música do Godó animando, sem contar as marujadas do Cauís, Banqueta e Engenho, ah, na frente desta o quase legendário Raimundo Garangui, nome tradicional que lembrava muito seus ancestrais africanos e as comunidades quilombolas que sobraram e hoje estão espalhadas em General Carneiro, distrito de Sabará e Belo Horizonte.

O tempo passou. Eu indo e vindo. Indo para Guanhães ou Conceição do Mato Dentro ou Belo Horizonte para estudar, sempre presente nas férias e me identificando plenamente, a cada permanência na pequena vila, com o coaxar do Sapo. Imaginava esse bichinho sempre  o mesmo, que parecia bater sem parar, todo dia, sua lata particular, ao anoitecer, ou nos tirava o sono, ou  ninava-nos, crianças inocentes. Junto do sapo, fui virando adulto, depois comecei o meu período de entender  plenamente as ordens de Deus, ou da Natureza, e formar a minha família também. Nessas mudanças, afastado da vila, que virou cidade, livrando-se do jugo não tanto lucrativo dos mandos vindos da “metrópole”, Conceição. Sim, éramos colônia do reinado, nada recebíamos de melhoramentos, tudo tinha a nossa nota fiscal de aquisição, luz, água, banda de música, coral da igreja, marujos e até caboclos, escolas em que as professoras recebiam pagamentos semestrais como se ninguém comesse, vestisse e fizesse festas.
                                                
Até que um dia, sem querer, eu já havia perdido o contato auditivo com o invisível Sapo, batedor de latas. Como se fosse um desencanto sintomático, fui percebendo que aqueles intermitentes coaxares não existiam mais, ou se existiam estavam escondidos, completamente imperceptíveis, sons sem destaque, tapados por barulhos ensurdecedores de intrusos que chegaram ao lugar praticamente sem pedir licença e pensando que estivessem agradando.  
                            
O asfalto tinha se aportado no lugar como um milagre, com muita luta, mas, chegara, sim. Arrancando muita  vibração e, ao mesmo tempo, esperanças e, principalmente, durante sete longos  anos, o quase único lazer da criançada, da garotada e até dos adultos praticantes, o campo de futebol. Tirara também a tranquilidade dos lares, crianças não podem mais brincar nas ruas e nem têm onde brincar, se as quadras que construíram para o esporte em pouco tempo viraram garagens de equipamentos de guerra?  E o conhecido Estádio Dr. João Rodrigues de Moura tinha se transformado num pasto para burros, bestas, mulas, cavalos éguas, vacas, bois, bezerros e, sempre que chovia, num pantanal por onde deveriam estar também os sapos, as pererecas, as rãs. Contudo, o Sapo da Minha Terra Natal deveria continuar lá debaixo da ponte, agora de cimento armado, em frente aos inexistentes sobrados, exceto um ou outro, especialmente o da Família de meus primos, do Marcos à Maria Antônia, passando pela afilhada Marinês e pela Afra, sem esquecer o saudoso Jairo.

O que era mais desagradável ainda não mencionei.  É aquele momento que fez não somente o coaxar do Sapo da Minha Terra Natal ficar ofuscado no meio de sons estridentes. Não, caminhões de não sei quantas toneladas,  sempre carregados e sempre transgredindo as normas do peso, vigiados, acreditem, por um fiscal da própria multinacional, apelidado a estas alturas de “Raposa que toma conta do Galinheiro”. Eles chegam, às vezes perfilados um atrás do outro, roncando como equipamentos de guerra, balançando as casas como num miniterremoto, tremulando a até agora resistente Igreja Matriz de São Sebastião. Com isso, fazem com que homens e mulheres de olhos esbugalhados compareçam a reuniões da mineradora. Aí, ocorrem os momentos de  consolo, quando falam quase sempre e somente os técnicos treinados, que parecem subir de entusiasmo nas paredes como lagartixas profissionais, com as suas palavras praticamente decoradas, que enchem de esperança aquela “gente piedosa numa oração ardorosa” bem definida no hino, ou na valsa de José Afonso de Vasconcelos, letra de Mozart Bicalho. 

Mas que oração é essa? Para que as casas, construídas sem o menor  zelo, de estrutura do tempo em que os cavaleiros  vinham das roças para as festividades, as missas das 11 horas, e nem havia  calçamentos para tilintar, agora as casas trincas irreparáveis? Ah, os trustes treinados dizem: “Estamos aí para reparar todo e qualquer estrago”. E é verdade isso? Parece que sim, dizem os moradores , coitados, porque “arrumaram a casa de uma mulher humilde depois que uma carreta-monstro destruiu quase toda a sua fachada, entrando pelos quartos, sala e cozinha”. Mas ainda nem sequer, complementa a informação, quiseram  ver  a casa do Zé Buty, aquele que vai virar uma lenda na cidade por seus feitos engraçadíssimos. “A casa dele desce morro abaixo toda vez que passam aqueles brutais roncadores e a qualquer hora chega lá embaixo, no Córrego do Alexandre”.

Não há mais o que dizer. Só preciso me recorrer ao Sapo da Minha Terra Natal que, quem sabe,  estaria ainda coaxando debaixo da ponte, cujo coaxar não é mais ouvido por ninguém graças aos sons  inescrupulosos, estridentes  e penetras das carretas monstruosas que arrasam uma cidade ex-pacata, outrora de paz.  E fui lá debaixo da ponte ao entardecer e aguardar o “roncado do sapo” como dizem na terrinha, e esperei. Veio a noite incontida, veio a friagem da relva molhada, ouvia os canhões da Anglo American e de suas empreiteiras afundarem a tranquilidade no horrendo desfile pelas ruas tortuosas. Mas o Sapo nada, não estava ali, era uma abominável ausência.

E me perdoe, meu povo conterrâneo e amigo e piedoso da valsa do Zé Afonso, o Sapo humilde, percebendo que não havia mais espaço para viver e nem dispondo de algum instrumento para protestar, xingar, gritar, fechar as vias, tomou vergonha na cara e saiu para procurar outra ponte, outro córrego, outro regato para fazer nele o seu inofensivo coaxar, sinônimo de sua vida. 

E com pena de todos os que nem conheceram a vida pacata perdida por pura omissão, mesmo assim, nesse cenário tristonho,  que “o Padroeiro abençoe esse mimoso rincão”, segundo o otimismo incorrigível de Mozart Bicalho.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Uma humilde análise sobre o porquê das drogas



É comum o quadro que vivi na rua  num dia da semana passada. Um amigo, desses que merecem nome de personagem, me grita do lado de lá, agredindo os ouvidos dos populares que  atravessavam  fora da faixa de pedestres a avenida João Pinheiro: “Oi, Zé do Burro, escreve sobre as mortes em Itabira!” — ordenou, assim, com cara de preocupado e sem os  cumprimentos de praxe. Dei-lhe um sinal de positivo, mas ele não se conteve, foi gritando cada vez mais alto, superando os decibéis dos ensurdecedores  carros de som comuns naquela atabalhoada avenida. Sem jeito, explicando que não escrevo mais em site nem em revista, quanto menos em jornais, ele citou o Blog Zé do Burro e Vice-Versa, e ainda disse que esse não tinha muitos seguidores, fato que todos sabemos, e que ele desconfia que é o único leitor.
 
Mesmo assim — pra quê escrever,  se não há quem leia? —, o personagem da rua, daqueles que não existem mais (tinha um leitor infalível e que perdi, o inesquecível  Barbosinha), cujos assuntos do seu dia a dia não interessariam a um só e escasso transeunte, queria que eu escrevesse alguma coisa. — Mas escrever sobre o quê? — questionei. Foi quando ele tocou no assunto  dos autoextermínios muito comuns em Itabira:  “Olha, um amigo meu se foi anteontem e hoje outro amigo. Duas pessoas queridas em uma semana, cara!”. E berrou nos meus já depauperados ouvidos: — “Duas pessoas, duas pessoas amigas numa só semana, cara!”

Ontem, 21 de janeiro, um navegador de internet, mais precisamente do Facebook, resolveu dar uns ataques meio sem rumo em um simples e inofensivo comentário meu a respeito de drogas. Ele acha que não devo meter a colher, acusou-me de ter a mente infértil (até gostei dessa hipótese porque ser estéril neste caso é mais seguro) e só não me chamou de Zé do Burro, o que seria uma intocável verdade. Mais burro ainda do que deveria ser, continuamos debatendo, eu me defendendo e ele jurando que nem tocou o meu nome, mesmo só havendo um Zé no assunto, e ele dando  mais tiros para todos os lados como um John Wayne quando encontra o bandido do filme.                                                                                                                                                                                            
 Diante de duas propostas, uma direta e outra desafiadora, resolvo agora  rabiscar algumas linhas, só que me veio um tema aparentemente diferente: drogas. Diria qualquer um que é a mesma coisa e concordo. Por que os seres humanos se suicidam? Por que usam drogas? Por que a depressão está na moda? Não me atrevo a entrar tecnicamente no assunto porque não tenho nem doutorado, nem mestrado, nem pós-graduação no tema, nem a mente fértil para imaginar uma lenda das mil e uma noites. Tenho, sim, a gaveta cheia de dissertações elaboradas por amigos e conhecidos que me confiaram, como editor de revista, seus trabalhos sobre tudo isso, páginas e mais páginas molhadas de suor, lágrimas e às vezes até com sangue.  Nesses belos  trabalhos acadêmicos, vemos de tudo, sempre se destacando aqueles embasados em vários autores de uma bibliografia extensa e rica e que sempre terminam o texto assim:  “Afinal, por quê? Por que esses problemas agora, agora, quando a vida já deveria ter os seus mistérios desvendados?” Ficam, portanto, arguiições e não soluções.

 É claro que não vou dar respostas, pois não as tenho.  Não sou o tal, não pretendo ser e sei lá, acho que me sobra  apenas o direito de rabiscar o que quero  como um Zé do Burro ou Zé Ninguém. O certo, quem me conhece sabe, que escrevo para o povão. Não me interessa o povinho. Abro um parênteses e explico que povão é a multidão que pensa; povinho são os que dizem (ou será que rugem, mugem, uivam?) que este está errado, aquele não sabe o que diz?  Fecho o parênteses e digo que prefiro, então, a chamada boca pequena (mas é grande demais)  que, se não entende do assunto, não mete a colher. E não importa que se adote o senso comum, mas se diga pelo menos algo que pode ser analisado à luz da razão e da lógica. Contradição? Acho que não.

O que é a razão? Será um sanduíche de mussarela com pão de forma, ou uma banana prata ou caturra crua ou cozida? Para mim basta este conceito: razão é o que tem fundamentos, exala um cheiro de verdade. Para saber o porquê de tudo, temos que saber as origens, isto principalmente: o que somos? De que somos feitos? Por que somos feitos dessa forma? De onde viemos? Para aonde vamos? Resumindo: a nossa identidade segura, correta, verdadeira, sem talvez, pode ser, acho, acredito e outras dúvidas menos cruéis.

Este mundo não é o nosso definitivo mundo. Se fosse nada passaria e nem seríamos o que somos: descartáveis, mutáveis, mutantes. As afirmações da razão, ou da lógica, podem ser buscadas nos próprios seres mais inteligentes. Por exemplo, Lavoisier, químico francês, criou uma lei incontestável: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Não vou buscar em qual livro está essa norma intocável, aqui não se trata de um trabalho técnico, ou um artigo de pós-graduação, ou uma dissertação de mestrado ou doutorado.

Se este mundo é mutável, transformativo, é certo que ele era apenas uma pitada de energia no início e vai se encaminhando para uma nova mudança no decorrer do tempo. É ou não é uma lógica? Quer dizer , então, que o nosso planeta foi feito para evoluir, crescer, melhorar, transformar, seja passando ou não por caminhos tortuosos. Ao se sentir fora de seu estado natural, o ser humano não se contenta. Nem tudo é compatível com a sua aspiração.  Se tem uma oportunidade, faz o que a sua mente lhe requer: muita exigência mental, suicida-se; tem uma predisposição de encontrar uma saída, usa drogas porque elas levam o ser ao clima cósmico; não vê saída e se mergulha em si mesmo, sem iniciativa, então, deprime-se. E há os acomodados que se instalam em religiões, seitas, doutrinas, ciências, ou se divertem com a procura tenaz e cada vez mais inquietante. 

Não é definitiva a minha análise e nem é uma lei como as outras leis — de  Isaac Newton, Antoine Lavoisier, Arthur Schopenhauer , George Bernard Shaw, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade com ciência, filosofia e poesia etc. e tal — mas ela tem amparo em muitas outras teses e, ainda mais, conta com o apoio das religiões, principalmente evangelhos cristãos. As religiões, por mais que sejam condenadas, têm seus quês de verdade e até o ateísmo tem lá as suas filosofias intrigantes. 

Por enquanto, prefiro ficar por aí. Como diria um oficial de cartório, ou um juiz de direito, “salvo melhor juízo”. E que ninguém pense que procuro seguidores. Tão pouco quero saber de me consideram de mente infértil.

Obrigado.