segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

FALECEU ERALDO, O MAIOR ATLETICANO DO MUNDO


Estamos vivendo a plena época, doida ocasião, em que para tudo usam uma hipérbole esquisita resumida em “melhor do mundo”, “maior do mundo”. Consultem a internet e lá está escrito num blog qualquer, num portal concorrido, as expressões: o melhor time de futebol do mundo, a mulher mais bonita do planeta, o jogador mais eficiente do globo terrestre. Nada de economia de palavras, nem de nenhum termo que anda defasado no contexto ortográfico e gramatical.

Então, chega o momento certo de mandar parar já, como Vanderléa naquele twist famoso “pare o casamento”. Digo eu agora e com ênfase: pare o casamento da mentira com a verdade, porque ambos,  evidentemente, jamais combinam, nunca se entendem. A verdade é radical inimiga da mentira e tem que ser assim eternamente.

Mas, como dizem por aí, toda regra tem exceção. E a regra do maior atleticano do mundo de  todos os tempos é uma variante e tem que favorecer o que vou dizer agora: em setembro/outubro de 2002, conheci pessoalmente o maior torcedor do Clube Atlético Mineiro que existia na face da Terra. Estive lá, com ele, na sua cidade, Santa Efigênia de Minas, localizada entre Guanhães e Governador Valadares. Conversamos, tenho testemunha, minha amiga, então funcionária da revista, Zelinha de Oliveira; ouvi as suas proezas, fotografei, rabisquei umas notas para a revista DeFato, de que era editor na época. Ele tinha presumíveis 63 anos de idade. Anotem o nome completo desta figura inigualável: Eraldo dos Santos Teixeira, dono de uma loja chamada “Puleiro do Galo”. A loja não tinha nem uma peça que não fosse do Galo. Na época eram 54 camisas do seu time do coração. E mais umas duas dúzias de times que derrotaram o Cruzeiro, seu inimigo preferido.

Eraldo faleceu neste fim de semana (21) em sua terra, cidade de menos de 5 mil habitantes. De acordo com informações, em peso Santa Efigênia chorou e chora a perda de um filho tão ilustre e diferente que, tranquilamente, poderia ser registrado no famoso livro dos recordes, o Guiness Book. No féretro, que pode ser visto num vídeo que vou postar nas redes sociais, percebe-se o movimento da cidade em seu sepultamento: centenas de pessoas vestidas com camisas do Galo, sua paixão eterna, que ele levou para além da vida e para além da morte, o aplaudiram num vale de lágrimas.

Este texto é um recado que transmito ao Clube Atlético Mineiro. Farei o possível para que chegue à diretoria. E peço a ajuda de amigos para que o façam também. É preciso que seja registrado um reconhecimento por algo que não pode ser contestado: Eraldo dos Santos Teixeira viveu a vida inteira, durante 24 horas por dia, sua paixão irrefreável e irresistível por um clube mineiro. Sua loja completou exatos 46 anos de nome e mercadorias exclusivas do time de seu coração, ou sua vida, numa pequena cidade. Já pensaram ser especialista com não tantos clientes? Ele pareceu surreal e agora, no entanto, tornou-se eterno.


Registro aqui a minha homenagem e o devido respeito a quem se notabilizou numa região distante da capital (aproximadamente 300 quilômetros) pela fidelidade a um clube esportivo. Um abraço ao povo de Santa Efigênia e os nossos sentimentos sinceros aos seus familiares. Que Deus o tenha recebido vestido de preto e branco como estava sua urna funerária, com certeza recomendada por ele próprio em vida.

José Sana

Em 23/12/2019

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

POR QUE SER GALO E POR QUE NÃO SER RAPOSA


Estamos em julho de 1951 e faz um frio de azedar as pontas dos beiços. Esta frase sempre era dita por caipiras de minha terra, São Sebastião do Rio Preto, e de seus arredores. Meu avô e padrinho, Seraphim Sanna, resolveu me agraciar com uma viagem a Ouro Preto, queria me apresentar, com o orgulho de sempre,  aos pais, como o seu primeiro neto. Na nossa comitiva estava também  Alina, minha tia, de quem ele dava a informação na ponta da língua: ela é a que mais parecia com suas irmãs, principalmente  Amandina.


Saímos de São Sebastião de jardineira, que pertencia aos Fernandes. O dono era o Souza. Ele riu de minha “esperteza”  na saída de manhã, quando meu pai me perguntou quanto de dinheiro eu iria precisar. Respondi na ponta da língua: “Um milhão!” Na verdade, por obrigação da época (havia uma ordem expressa dos pais e professores de que a criança só podia aprender as primeiras letras a partir de sete anos), eu era analfabeto, mas sabia que a moeda do momento era o Cruzeiro, dividido em centavos  Ele substituía a monárquica Mil-Réis, que tinha outra avaliação decrescente, o Tostão. Riram de mim, meu pai me deu alguns bons centavos com a desaprovação de meu avô, que repetiu: “As despesas de viagem são por minha conta!”


Até Belo Horizonte de jardineira, depois de reembarcar em Santa Maria de Itabira, chegamos na Capital à noite. Em BH,  permanecemos durante uma semana. Era tudo muito devagar. E num dia qualquer entramos num trem que fazia o trajeto para Ouro Preto. Lá chegamos à noitinha. Da estação ferroviária à Rua do Pilar, onde moravam meus bisavós Giovanni e Maria Antônia, cem por cento italianos, ele descendente de judeus, estamos indo a pé. A cidade dorme. Meu avô pega  uma pedra bem forte e bate pra valer na porta. Meus bisavós repousavam no terceiro andar do velho sobrado, número 24.


A porta se abre. É a minha Bisa, que me carregou e fez festa quando meu avô disse: “Este o primeiro neto”. “Eita ferro!” - respondeu ela.  Vou ao terceiro andar. Lá, o Bisa fuma cachimbo. As janelas do quarto todas fechadas e todos inalando fortes fumaças. Vejo em cima de sua mesa várias marcas de cigarros estampadas: Continental sem filtro, cigarros de palha, fumo por cortar, e picadinho, e outros de quais tipos não me recordo. Eu já tossia freneticamente, de olhos rútilos, quando minha Bisa abre um pouco da janela. O frio lá fora continuava apitando.


Quinze dias em Ouro Preto, visitamos seus museus e igrejas, ouvi histórias e estórias, de Aleijadinho e Tiradentes e até de Filipe dos Santos, que foi morto e decapitado, com o corpo dependurado nas árvores e postes pelas ruas de Vila Rica. E conheci o primeiro sorvete de minha vida, apesar de ser inverno bravo. 

E tive longos papos com o Bisa, autoritário mas calmo, que chamava cada um para ouvi-lo, assentado como manda o figurino. E ele me conta a sua história: que chegara ao Porto de Santos por volta de 1897; que tinha uma filha apenas, de nome Bonária, nascida na Sardenha; que Seraphim nascera em 1903, em Ouro Preto; que deixara grande riqueza no país de origem; que o fascismo foi o grande perseguidor que o obrigou a sair de Cagliari como um pobretão; que o fascismo se aliou ao nazismo, formando o nazifascismo e trouxe  mais rigidez para o objetivo antissemita de eliminar os judeus da face da terra, ordens expressas do italiano Benito Mussolini e do alemão Adolf Hitler.


Muito me interessou a narrativa sobre como tinha ido parar em Ouro Preto. Descera de  navio em Santos; de lá pegou uma embarcação para Belo Horizonte, onde se estabelecera inicialmente; exercia a profissão, na época muito rendosa, de sapateiro; certo dia, resolve procurar a Colônia Italiana radicada na Capital e lá pede informações. De posse de seus documentos, uma pessoa resolve alertá-lo para que não desse “muita sopa” por lá porque a Colônia tinha as ordens de matar os judeus. Vô Giovanni me contou, com lágrimas descendo na fronte, que tremeu em cima dos sapatos. Chegando à casa, cuidou-se de pegar a mulher e a filha e zarpar para Ouro Preto. Por sorte, deu certo porque era um exímio sapateiro, profissão em evidência

Imigração italiana em 1897, Santos: meus bisa-vós estavam aí nessa confusão



Mas, por volta de 1911, com o primogênito completando oito anos de idade, de repente ficara cego e precisou parar de  trabalhar, apesar de já ter conseguido comprar uma casa, aquele sobrado de três andares em que estamos. Com oito anos, Seraphim passa a fazer biscates nas ruas e a ajudar no sustento da família. Pouco mais de mais oito anos passados, Seraphim com 17 para 18 anos, a visão volta a funcionar, Giovanni deixara de ser cego para ganhar de presente de Deus, novamente, a vista perfeita e claríssima. Eu o visito em 1951 com 94 anos. Ele morre aos 97, acho que sim, em 1954.

Mas aí vem o xis da questão: Vô Giovanni (os brasileiros o chamavam de João) tinha pavor da Colônia Italiana. Sempre quando via ou ouvia falar dela, fugia do espaço, a síndrome havia lhe tomado de supetão uma vez para nunca mais acabar. Sabia ele que essa maldita colônia havia criado, em 1921, um clube de futebol chamado Palestra Itália, depois transformado em outros nomes (Palestra Mineiro, Piranguy do Sul, Yale, Ypiranga e Cruzeiro). Ele disse que demorou para  entender o porquê  das alterações feitas. A razão era que os governos nacionalistas brasileiros faziam sérias restrições às empresas e clubes estrangeiros. Deu para notar que a problemática vinha de longa data.

Não era mais necessário perguntar por que seu descendente e meu avô, Seraphim Sanna, torcia para o Clube Atlético Mineiro. E fez os filhos Líbio e Alfeu, seguirem essa preferência desportiva. Consistia apenas numa opção anti-Palestra, ou anti-Cruzeiro. E daí se explica o que ocorreu ontem, dia 8 de dezembro de 2019, quando grande parte da torcida cruzeirense fez por honrar a tradição fascista, ou melhor, nazifascista. E que Benito Mussolini, o grande precursor do fascismo, que queria espalhá-lo pelo mundo, foi o primeiro presidente simbólico do Palestra Itália E. C.

Se não falei, ainda tenho mais balas na agulha. Depois vou contar também por que a maioria Moura Morais é cruzeirense, um equívoco do tamanho da Toca da Raposa, que pegou o meu grande amigo e orientador na vida, Dr. João Rodrigues de Moura, avô de minha companheira, com quem vivo pela graça de Deus há 50 anos, de surpresa e o enganou enquanto viveu. Eu não estava presente para mostrar a ele a origem fascista do time cem por cento italiano.


José Sana
09/12/2019

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

FOFOCAS DE FIM DE ANO


Todo ano tem fofoca de sobra para dar, vender e emprestar neste país tupiniquim. As mais interessantes sempre foram previsões sem pé nem cabeça sobre o fim do mundo. Desde o ano 2001 o mundo está acabando na boca e na pena de muitos falsos profetas. Este planeta não acaba de um tapa, ele vai se minguando devagar. É a lei da natureza.  Em outras palavras, o Apocalipse não tem pressa, ele vem em câmara lenta. Tudo isso a maioria  dos habitantes deste globo não percebe. O que a vida sempre quis é nos fazer de bobos, já que não topamos encará-la como ela é.


Agora, neste entardecer  de 2019, o mundo  realmente terá fim e  imagino que seja o do futebol. No Brasil só existe uma equipe que pratica esse esporte, o Flamengo. Quando eu era criança, detestava o rubro-negro carioca, torcia para o Fluminense. Na minha terra natal sempre promovíamos o Fla x Flu com torcedores de ambas as equipes travando um “derby” esquentado. Todas as  partidas terminavam em patadas e não empatadas e com o risco de facadas e tiros de garrucha 44.


Mas o tempo passa e veio a fase de Atlético x Cruzeiro no advento do Mineirão, ano de 1965. A rivalidade aumentou porque ambas são equipes mineiras. E não só na minha cidade, mas em toda Minas Gerais o pau quebra entre os torcedores. Contudo, o ano de 2019 não foi bom para nenhum dos dois. Eles discutem agora quem é, como dizem nas esquinas os gozadores, “o mais pior”. Até este exato momento, a Raposa é “mais horrível” que o Galo porque este se livrou do rebaixamento à Série B, enquanto o time da Toca da Raposa corre sério risco de comer o pão amassado pelo diabo.



Faltam duas rodadas e o Cruzeiro disputa com o Ceará quem vai cair. Ambos têm jogos difíceis, mas o Cruzeiro se encontra em situação mais crítica. O Ceará tem dois pontos na frente e isso pode complicar um pouco para o time azul. Nessa altura do campeonato recebo uma centena de mensagens resumidas nas seguintes fofocas:


- Thiago Neves vai para o Corinthians emprestado sem custo se o Corinthians ganhar do Ceará (mala branca).

-  Rodriguinho vai para o Palmeiras se o Palmeiras "entregar” o jogo para o Cruzeiro(mala preta).

- Têm negociações com o Grêmio, que deve se apoderar de 50% da Toca da Raposa, caso se “entregue” para a Raposa (mala preta).

-  Tentaram comprar o Vasco, mas justificam agora que Luxemburgo não quis (mentira deslavada).

- E vai ter mala preta para que o Botafogo vença o Ceará na última rodada (mala branca).

- Estão dizendo que Renato Gaúcho deu entrevista, afirmando que vai facilitar  o jogo para o Cruzeiro nesta quinta-feira, em plena Arena do Grêmio (mentira deslavada).

- Concluindo, afirmam que haverá muita sujeira nessas duas últimas  rodadas (mente poluída).


Fim de papo: estamos  de olho em tudo, mas saibam desde já que desta vez a fofoca de fim de ano garante e anuncia, na verdade, o fim do futebol. Esse arremate, no entanto, não será como o do mundo, ou seja, não terá um fim lento, vai acabar de uma vez só. Não há paciência que aguente. FIM.



José Sana
03/12/2019