segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

REPORTAGENS QUE NUNCA FORAM ESCRITAS (1) Godofredo, o neto

Para início de conversa, devo antecipar que o meu primo Godofredo Cândido Duarte  é um de meus personagens desta vida em que vivemos juntos e separados. Se o mundo acabar hoje, ou daqui a cem anos, ou mil, ele será o mesmo, independentemente do que acontecer nos anos subsequentes, assim será.  Alguém me pergunta: "Você tem estreitas relações com o Godozinho, em Ferros, onde ele mora?" Respondo já e já numa só palavra: "Não tanto". Outro argui: "Ele puxa seu saco diariamente ou, pelo menos, uma vez por mês?" Vai imediatamente a resposta: "Não" (Aliás, o puxa-saquismo é a destruição de qualquer sentimento positivo). 

Há quem faça um questionamento: "Você já recebeu dinheiro emprestado ou dado por ele?" A resposta é contundente: "Não". Mas tem uma pergunta que ninguém faz e que entrego estampada na bandeja: "Vocês já viveram momentos de dificuldades na vida e compartilharam essa época?" Resposta sem titubear: "Sim, vivemos. Só que tudo passou despercebido".

Vamos falar dele, o que interessa. Começo assim: como gostaria de ter aprendido e apreendido todas as lições que ele ministrou de graça! Acho que por ter nascido com dom musical, tornou-se uma criatura mansa como um cordeiro. Primeiro, nasceu de família de músicos natos. Aos oito anos, porque somos dos Almeidas, estávamos na  Banda do Godó. Eu, por imposição da família e da vontade de me superar, mas brecado pela baixa audição, sem reclamar, é claro. A Banda do Godó vem da Banda do Zé Grande, que vem de outras bandas de música herdadas do país colonizador, Portugal.  Nasceram outros instrumentistas nos Almeidas, dentre os quais meu pai Tãozinho, meu tio Zezé, além de outro tio, o Godofredo Júnior,  e o super-patriota e patriarca Godofredo Cândido d'Almeida, o Seu Godó. 

Nasceu também o Dezinho, um ano mais velho que nós, que já foi alvo de uma série de textos meus. O que Dezinho fez é inédito no planeta Terra.  E o Fantástico não mostrou, hein? Mas eu mostrei. Vou contar outra vez, se não roubar a paciência de algum eventual leitor. Vai lá: faltam cinco minutos para o prefeito de São Sebastião do Rio Preto, meu tio Serafim Sana Filho, hastear a bandeira do Brasil, exatamente em  7 de setembro  de 1990, sem som, ou melhor, em silêncio. Dezinho, como sempre ligado no que ocorre ao redor, corre a um bambuzal  localizado do outro lado do Córrego das Posses, que banha a cidade; corta uma peça de bambu, faz dela, magica e rapidamente,  uma flauta, retorna para o local de hasteamento da bandeira, posta-se à frente de todos como num palanque,  e executa magistralmente o Hino Nacional Brasileiro. Se estivesse sintonizado em rede nacional de televisão, o país inteiro se colocaria em posição de "sentido" neste momento.

Voltando ao Godó, ou Godoi, ou Godô, ou Godofredo, da Banda do Godó  ele começa a dedilhar, sem mestre e sem livretos,  um violão enferrujado. Paralelamente, os mais sensíveis, não eu, obviamente, de baixa audição, descobrem também que a sua voz mais parece o entoar de um canto de orquestra sinfônica do que propriamente o ressoar de algo que passa pelos pulmões, pregas vocais dentro da laringe e os articuladores - lábios, língua, dentes, palato duro e mandíbula. 

Os nossos encontros na vida continuaram e continuam: já escrevi que fui treinador dele e tentei aprender o ofício colocando-o frente a frente com mais um primo, Marcos Sana, inadaptado ao futebol para tristeza do meu tio, padrinho e compadre Líbio Sana. Marcos, no entanto, é uma peça inigualável. Ainda chego nele.  Em seguida, nos encontramos em campos de futebol, sempre como companheiros de equipe Só mesmo um exímio comentarista desse esporte diria que ele foi uma virtuose da chamada arte que Armando Nogueira tanto soube dignificar. Vamos reviver apenas um momento para saber o que Godó fazia de carinho, amor e amizade com a bola. 

Estamos em Santo Antônio do Rio Abaixo; jogam os times da cidade e o da vizinha  São Sebastião do Rio Preto; o jogo vai começar e, pela expectativa da torcida, a equipe local vai golear; Godó, do SSFC, estreia fora de sua posição, que seria o meio de campo ou o ataque; atua na zaga, por falta de um jogador que foi requisitado pelo outro lado, Nitinho, por sinal meu tio; o time de Santo Antônio tem um enxerto nacional chamado Zandona; a torcida vibra e Zandona vai tocar na bola. 

Abro um parênteses só para mostrar como  Zandona hipnotizou a cidade. Na caminhada para o campo, entregaram-lhe a tal pelota, em frente a igreja, nas ruas íngremes de Santo Antônio do Rio Abaixo; ele conduziu-a em mirabolantes embaixadas até o campo, ultrapassando buracos, pedras, paralepípedos e bloquetes. Gritos de "viva" e de "hoje vamos massacrar o Gambá" eram urrados na via sacra do Zandona pela descida nos morros. Odilon, um dos craques de nosso time, muito gozador por sinal, apenas soltou uma de suas risadas características, entre palavras: "Quero ver se faz isso dentro do campo!" 

Fecho o parênteses. O lance capital e fatal vai acontecer neste momento; todos os santantonienses, vivos e mortos, estão presentes, vibram e esperam o show de Zandona, jogador profissional do Bangu do Rio de Janeiro. Para se ter uma ideia, até o pároco local, Padre Argel Dias de Azevedo, com a sua lendária batina preta, está presente no campo. O momento futebolístico se desenrola na lateral-direita, rente ao ângulo de escanteio. Zandona chama Godó num gesto grotesco e "sassarica" diante dele, balançando as pernas como um Garrincha da alegria do povo. 

A torcida quase invade o gramado, num ato de euforia desesperada; Godó, único de nosso lado tranquilo de verdade, apenas espera pacientemente a sua vez; perto dali, eu como goleiro, tremo em cima das chuteiras, juro que sim; a torcida continua urrando ensurdecedoramente no aguardo de um drible humilhante. Aí o jogo muda, de repente, de água para vinho; depois de muita expectativa, Godó toma a bola de Zandona, que não é mais Zandona, pois se torna um marcador, um ex-Zandona; a bola é do Godó, toda dele, imperdível, que começa a fazer o seu show particular, enfiando-a debaixo das pernas do craque carioca do Bairro Moça Bonita do Rio de Janeiro;  o lance demora uns cinco minutos e Godofredo faz o que quer de Zandona, que sai não apenas humilhado pela sua própria audácia anterior, mas derrotado com o time; seu erro fundamental foi cutucar marimbondo com vara curta, disse Anão, um de nossos craques do melhor time que o Gambá teve. 

Fim de  jogo. Inacreditavelmente, eis o resultado: São Sebastião 7 x Santo Antônio 0. Para não dizer que tenho falsa modéstia, depois do Godó e do mano Carlos (depois dessa farra ele foi contratado pelo Nhô do Tanito, prefeito, para morar na cidade), fui apontado como o melhor em campo. Mesmo com um placar dilatado, peguei até penalidades incríveis e chutes pavorosos desse ex-Zandona. Silenciosa a torcida local, restou um torcedor do SSFC chamado José Longuinho, que não tinha um dos braços, mas uma garganta portentosa.  Zé Longinho resolveu azucrinar o ambiente no fim com gritos ao goleiro adversário, que levou sete nas redes: "Oh, goleiro, pode pegar que a bola é pintada, mas não é onça!" (Naquele jogo, houve a estreia de uma bola diferente das marrons, usadas até então).

Fica para outra ocasião mais considerações sobre Godofredo Cândido Duarte. Sua história é longa, bela e fantástica. Apenas acrescento: nunca fez nenhuma graça para ninguém rir, ou, talvez, somente para a sua namorada, a bela Heide, com quem se casou, de cuja união nasceram duas lindas criaturas: Laís e Leandro. 

Para encerrar, voltam a me perguntar: "Se Godó não ama você, por que você ama o Godó?" E respondo com desenvoltura: ele gosta tanto de mim que nunca disse isso a ninguém. É um segredo desde os tempos de criança.. E eu nem procurei, nem quis ouvir.  Sabe por sabedoria e conhecimento que afinidade não é paparicar, exibir, aparecer, estampar. Apenas poderia resumir em uma só palavra o significado universal do que é, ou seja,  AMAR É AMAR.

domingo, 21 de janeiro de 2018

De cães, gatos e castra móvel

Uai, cadê a Sociedade Protetora dos Animais? Andei procurando sinais de ativistas, mesmo relaxados, para denunciar os costumeiros absurdos, mas não os encontrei. O que vi pelas ruas movimentadas de Itabira, agora quase sem  cães, foi o tal Castra Móvel correndo atrás das presas, o cão e o gato. O que faz a equipe castradora? Pega o animalzinho, impiedosamente, sem pedir licença, e creu... Fiquei sabendo, todavia, que a tal sociedade protetora (ou seria incomplacente?) é favorável à capação dos povoadores de nossas ruas, praças, becos e avenidas. Não parece contraditório? Juntando-se a um monte de entidades e praticamente todo mundo, chegando a vereadores, prefeitos, deputados, não ouvi uma só voz em defesa da raça canina. Que injustiça! Precisamos eleger representantes dos animais que os ajudem a viver!

Neste momento estou numa reunião comunitária  de um bairro bem badalado de Itabira como velho repórter, portanto, neutro, que entra mudo e sai calado. Um frequentador assíduo do ambiente, a quem chamo de Senhor M, levanta a  voz a plenos decibéis para anunciar o seguinte: “Como não aparece alguém aqui para latir em defesa dos animais, eu me apresento e passo a ser o advogado dos conhecidos erroneamente como irracionais, e quero agora miar, ganir e rosnar enquanto tiver garganta”. O presidente da associação esbraveja do fundo da sala, esmurra a mesa e  grita com força: “Aguarde o momento de tocarmos no assunto cães e gatos, por favor! O tema está na pauta de hoje, infelizmente.” O infelizmente fere a autoestima dos cidadãos que se apresentam como procuradores da gataria e das matilhas desvairadas a esta altura.

Chega, afinal, o instante mais aguardado pelos dois únicos cidadãos legítimos que se posicionam em favor das vítimas. Aí o assunto passa a ser Castra Móvel, o terror criado e patrocinado por políticos, de origem meio desacreditada no momento: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Abro um parênteses para registrar um comentário que ouvi na sala de espera de um hospital: “Que falta do que fazer!” Fecho o parênteses e retorno à reunião comunitária.

“Que luxo! — ironiza o Senhor M, levantando-se de seu assento — agora os parlamentares mineiros estão capando os quatro patas, se é que já não começaram também a capar os duas patas, nós.” Constato que o Senhor M, que está acompanhado pelo seu amigo, ou irmão, Senhor N, arrasta a cadeira, atropela mesas e põe a boca no trombone: “Um absurdo está acontecendo nestes dias em nossa cidade!” Engole uma saliva seca, raspa a garganta, só não cospe porque o tempo das escarradeiras já se foi, e prossegue: “Estão perseguindo os nossos animaizinhos indefesos, pegando-os à força, amarrando-os e fazendo a mais violenta castração. Para completar, sem anestesia!”

À exceção dos senhores M e N, todos os presentes na reunião parecem desaprovar o que acaba de ser dito. Corrigindo: tem uma senhora que até alimenta matilhas na porta de sua casa. Diante da maioria absoluta contrária, o Senhor M resolve aumentar o tom de voz e cuspir marimbondos por todas as ventas: “Meus senhores e minhas senhoras! — agora já virou comício — pergunto a vossas senhorias ou excelências: que prazer de viver tem um cão e um gato?” Ensaia, em pose bem destacada, uma pausa, bebe água e dispara: “Respondam-me, por favor: eles vão à praia, chupam picolé ou sorvete, frequentam cinemas, aparecem em festas, botecos, casamentos, batizados, ou bebem cerveja ou uísque ou cachaça? Entram em estabelecimentos bancários para sacar dinheiro? A nada disso têm direito, são simplesmente pobres-coitados, excluídos, sofredores, humildes e humilhados, exceto os adestrados, que gozam de mordomias, tratados como reizinhos a pão e leite. Só há daqui para a frente um escasso prazer para os maiores amigos do homem: estabelecerem-se de plantão na porta de algum generoso açougue, muito raro por sinal, aguardando uma incerta muxiba. Perambular atrás das fêmeas de cio é coisa do passado. A castração retira esse item principal da vida deles.” Em tempo: as fêmeas sofrem o processo de esterilização. Aí, viu? Piora para os machos.

Cala-se o auditório. Uma nuvem cinza percorre os olhares das pessoas junto de uma ducha imaginária de água gelada. Nem uns dois ou três cachorros, que normalmente apareciam para abocanhar sobras de pão de queijo na hora do lanche, estão presentes para agradecer ou bater palmas. Os gatos também sumiram. Os  contentes, neste caso, são os ratos, que vão aumentar ainda mais sua população, principalmente nos sótãos de velhos casarões tombados ou não tombados pelo patrimônio histórico. Dizia meu avô que gato capado não liga nem para ratazanas prenhes.

O excelentíssimo senhor presidente, meio abatido e gaguejante, considerando as lições de moral engolidas à força, encerra a reunião, justifica que não é o responsável pelas limitações dos irracionais, e anuncia: “Nada há a fazer porque o que foi capado foi capado e não volta mais a descapar (sic)”. E fez um gesto de que este assunto vai para o lixo, colocando nele a tal  pá de cal. “Em nome de Deus e das normas estatutárias vigentes, declaro encerrada esta primeira reunião do ano.”

domingo, 14 de janeiro de 2018

Por que todo mundo pensa diferente?

A vida é engraçada e nos pega sempre de surpresa. Quem duvida disso? Dia destes resolvo descer ruas vizinhas à clássica e movimentada Avenida João Pinheiro, quando me encontro com um dos poucos cidadãos que me leem. E não era uma incentivadora que mora no Bairro do Pará, aqui em Itabira. Esse, que prezo muito também, arrasta-me pelo braço, nem pergunta se posso interromper a  caminhada (estava de roupa de academia) e me leva a um banco de assentar da Estação Rodoviária Genaro Mafra. Antes de criticar o ambiente, que precisa de outra rodoviária de há muito e “os políticos nem se lembram disso sequer nas eleições”, busca um guaraná para ele e  água mineral para abastecer a garrafinha que me acompanha a tiracolo. Reitero que não tenho nem um centavo no bolso. Ele diz que vai pagar. Mas contra-argumento que não posso parar a caminhada. Ele desconversa e se lembra de que nas velhas eras nossas na Vale, quando labutávamos nas alturas do Pico Cauê, eu não impunha condições para uma boa conversa, e me diz que agora um bom papo  seria importante para ele. Se é  importante, concordo, cancelo a caminhada e passo a ouvi-lo.

Um passo à frente, reclama de novo, agora que no mundo não há mais ouvintes. E diz que todo mundo quer é só falar e postar ideias no facebook (“Os pseudo-donos do mundo nunca curtem o que a gente escreve”). Em seguida, queixa-se dos que chama de doutores dos pontos de vista diferentes. Ilustra que as pessoas brigam demais para expor suas opiniões como se fossem intocáveis. Esclarece que as ideias discutidas em todas as partes — praças, esquinas, velórios, bancos e lotéricas — são quase sempre sobre política, o que diz detestar, mas abre um parênteses para criticar o governo. Futebol é debatido nos botecos. Nas academias, os jovens falam do último e do próximo show musical. Nos salões de beleza triunfa quase sempre a fofoca, segundo ele. Sobre crianças, alerta que estão alheias ao mundo e se entregam a jogos eletrônicos enquanto comem pipocas ou sanduíches. “As pessoas  que discutem têm sempre argumentos que são mostrados como imbatíveis e inalienáveis”, acrescenta. Meu amigo ainda proclama: “Imagine que cada pessoa no mundo aprende a pensar sempre guiada pela mídia. No Brasil, ou em muitos países, a Rede Globo pensa para o povo. Mesmo assim, a consciência crítica do cidadão garante estar com a razão. Ele é o dono da verdade que ainda procede de origem duvidosa”.

Pergunta-me o que penso de tudo isso, não espera a resposta e dá sequência à sua aula particular: “O pior é que o debate agora é via whatsapp ou msn, sms, istagram, snapchat, pouco pelo telefone e quase nada pessoalmente”. Para quebrar a sisudez, ornamenta a fala com um fato hilário: “Pelo tal zap se tornou muito complicado discutir. Às vezes sai uma expressão que não queríamos digitar; por outro caminho, aparece um corretor ortográfico que nunca pensa por nós, apenas ‘deduz’ artificialmente. Certa vez receitei água de coco para um amigo. Quando fui conferir estava escrito ‘água de cocô’. Aí começamos a travar uma briga sem fim sobre falta de respeito”.

Então, resolve ministrar outra aula: “O pensamento é inimigo do ser humano”, anuncia olhando para todas as pessoas que estão ao nosso redor, inclusive uma senhora patusca que come pastel e deixa a gordura pingar sobre os fartos seios. Uai, será mesmo? — pensei eu, e ele explica me antecipando a reflexão: “Existem várias vertentes para provar isso, mas vou me concentrar em apenas uma. Quem faz um curso de meditação transcendental (e acrescenta que fez e faz) entende que a técnica ensina o contrário, ou seja,  a não pensar. Ou, por outra, a solução é desviar a mente do pensamento. Por isso há o mantra, que é uma repetição preparada para evitar que bulhufas brotem em nossas cabeças”. A duras penas, entro no seu raciocínio simplório: “Quer dizer que pensar não é nada bom porque o que chove torrencialmente sobre nós não pertence a nós?” — questiono com humildade e ele se aquiesce sem parar de falar.

Começou a enfiar as palavras no tema política, mesmo odiando-a, como dissera. Citou vários nomes e concluiu o que para todos parece que há sentimentos inexplicáveis. “Por exemplo, gostar de fulano, cicrano e beltrano para uns pode parecer algo incompreensível. Há quem desfia defeitos estarrecedores inerentes a determinados homens públicos. Na verdade, o que há chama-se utilização do pensamento sem sustentáculo. Se há alguém que começa a pensar na vida, pensa durante um longo período (por exemplo, de sete a setenta anos), a partir daí percebe-se que está decadente” — disse tudo isso fazendo uma pose como estivesse fazendo uma palestra para 500 pessoas e citando dois termos aplicados corriqueiramente: demência e Mal de Alzheimer. E concluiu assim: “Gostou da minha explanação?”

Fico grato pelas suas aulas, disse-lhe, e preparo uma despedida, mas ele quer falar mais. Agora está conclamando que o  pensamento não parece conflitante entre o dele e o meu, ou seja, que pensamos iguais. Assusto-me por um minuto e bebo uma boa quantidade de água para não me engasgar. Em seguida, ele alega o seguinte: “Por trás do pensamento vem outra situação indesejável chamada preocupação”. Mais uma vez concordo, porém, passando a minha receita, aproveito o espaço para um anúncio: “A Vida é Bela”. Neste instante, há um sobressalto de meu amigo, o bastante  para me detonar: “Vi uma palestra sua em vídeo e concordei apenas que você estava fazendo festa para agradar o freguês”. Como? — questionei. Aí, meu caro e crítico amigo explica: “Aqui neste mundo não tem saída. Nascemos para sofrer, padecer e depois morrer. Fora isso é pagar, pagar, pagar”. Imediatamente, paga a pequena despesa no bar à frente e diz que precisa ir embora para  pagar o IPVA de seus carros. E repete: “Meus carros”, enchendo o peito, como se todo mundo tivesse carros com toda essa clara pluralidade. Vai embora e me deixa a ver navios, e provando, a seu modo, ser mais um que não acredita na beleza da vida.

Apesar de tudo, entendi terem sido proveitosas as aulas que recebi de graça. Tiro várias conclusões e a seguinte destaco em sintonia com o meu eventual professor: pensar não é mesmo uma boa ideia. Meu amigo é “o cara” e está repleto de razões. Gente, vale a pena tentar um outra forma ou mania de encarar a chuva de juízos que recebemos seguidamente, dos quais desconhecemos até a origem!

Pronto, falei...

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

PERSONAGENS DE TODOS OS TEMPOS E INESQUECÍVEIS

Ali nasci. A minha única contrariedade foi que na terra natal não tem mar. Mas se queria que o evento ocorresse em Minas Gerais, não haveria outra alternativa. Cresci no arraial, São Sebastião do Rio Preto, até completar 12 janeiros. Apesar da ausência no tempo a seguir, estou sempre na terrinha, quando não física, espiritualmente. Algumas vozes estranhas e mal-entendidas  costumam dizer que não amo meu torrão. Problema delas, não meu.

Como todo humano, sem exceção, tem os seus personagens na vida, promovo os meus e os cultivo com carinho. Em cada cidade que me detenho, guardo de todas  nomes interessantes, a maioria componente do folclore local. As imagens são, portanto, para sempre, nunca saem de minha memória. Transformam-se, na verdade, em entes especiais.

Abro um rápido parênteses para dizer que em Itabira há uma numerosidade imensurável por ser a cidade em que mais vivi e vivo, claro. Destaco Pedro Rapadura, Mané Gato, a Loira do Campestre, a Loira do Parente, o Pé de Pato, Zé Inácio do Botafogo, Abílio do Cinema (Abdala que está muito bem entre nós). Dentre centenas, destaco a intelectualidade cultural: Drummond, Cornélio Pena, João Camilo Torres e Pena, Paulo Camilo (inventor do royalty do minério de ferro), Luís Camilo, Clovis Alvim, José de Grisolia, Ninico Amâncio, Alfredo Duval, Trajano Procópio, Arp Procópio, Antônio Meia-Noite, Zé Rita Barbosa, Padre Joaquim, Emílio Zacarias, Tenente Cândido Eliziário, Virgilino Quintão, Mauro de Alvarenga, Tenente Agostinho, Arp Procópio, Ari Castilho, Custódio Martins da Costa, Caio Martins da Costa, José Machado Rosa, Tonico Português, Eurico Camilo, Virgílio Gazire, Sanalda, José Braz Torres Lage, José dos Santos Cruz, Luiz Menezes, Juquita Dias, Abrahim Gazires, Cristina Gazire, Juca Rosa, Alfredo Sampaio, Antonina Moreira, Eleonora Nunes Pereira, Aprígio, Renato Campos, Alexandre Drumond, Sizenando de Barros, Altivo Drummond de Andrade, João Paulo Pinheiro, Doutor Robinson, José Geraldo Vieira, Emídio Alves Ferreira, Jorge De Caux, Jason Bragança, Maricas Magalhães, Monsenhor José Lopes dos Santos, Monsenhor José Lopes Magalhães, Dom Mário Gurgel, Dom Lélis Lara, Suzinha de Sá Martins, Waldemar de Alvarenga Lage, Acrysio de Alvarenga, Osório Sampaio, Trajano Procópio, Zoraida, Totoque, Batistinha, Cornélio Pena, Coronel José Batista, Antônio Linhares Guerra, Madre Maria de Jesus, Diogo Bethônico, Marília Comunian, Jairo Magalhães Alves, Todos empilhados e mais os políticos e históricos, representados por Tutu Caramujo, dariam uma enciclopédia.

Em Guanhães, onde passei um bom tempo da pré-adolescência, destaco Seu Nabuco, maestro da Banda de Música em cuja corporação empunhei um bombardino; os incríveis pés de jabuticaba visitados cotidianamente, além das laranjas e mexericas;  o Seu Fonseca, português letrado e regente exigente do Ginásio; o Porteiro do Cinema, que me dava entrada franca de domingo a domingo; Stael, que se tornou a mestre-cuca da melhor empada do mundo, feita de macarrão e caldo de massa de tomate com uma pimentinha despistada; Seu Benjamim, da loja que me abastecia até de uns trocados; professores Chaves, Heitor, Vicente Guabiroba, donas Lúcia e Antonieta Prado. E até o doce de leite Virgínia entra para o meu grupo de personagens.

Conceição do Mato Dentro consta também de minhas anotações: Frei Isaías da Piedade (que quase me arrancou o couro cabeludo de coques), Frei Manuel, o capelão do Ginásio São Francisco, Frei Agatângelo; Seu Albertino (barbeiro do Ginásio, que viveu 114 anos e vendia pé de moleque), Joaquim Bento, José Pires, Jorge Safe, Doutor Duarte, Professores Vidigal, Zé Abrantes, Oscarino, Aristides, José Pedro, João Lima (da Escola de Comércio); médico Juvêncio Guimarães, historiador Joaquim Ribeiro Costa, Luiz Duarte, Bruno Pires Carneiro, Daniel de Carvalho, Geraldo Dutra de Morais, Dona Ubaldina,.

E até de Capelinha guardo inesquecíveis lembranças: da Convertida, uma cadela do padre da matriz, que ia para todos os cantos em que havia movimento, como festas de aniversários, casamentos, o que fosse que juntasse gente, principalmente, velórios; Tico Neves, Família Pimenta, José Wayne da Banca Tio Patinhas, Tadeu do Coral; a barulhada dos alto-falantes em veículos também me deram inspiração. Fecho o parêntes.
Agora estamos em São Sebastião do Rio Preto. É difícil apontar gente e fatos sem se cometer injustiças, mas vamos lá assim mesmo: Zé Vaqueiro, goleiro do Iris F. C., depois São Sebastião Futebol Club (por quem nutria uma inigualável e inarredável admiração). Outro, inesquecível, João Ferreira Neto,nome próprio, de cartório e pia batismal, conhecido como João Lagoa ( Quando saía de um boteco e ia para outro boteco, bradava de bom tom e som: “Se perguntar por João Ferreira Neto, João Ferreira Neto tá pra trás acertando negócio!” E repetia inúmeras vezes, de pescoço envergado, a ênfase que dava às últimas palavras. Enfim, dava de graça ao povo a sua incomparável filosofia de simplicidade e jeito de ser).

Outros personagens continuo tentando citá-los precariamente.  Prometo voltar a cada um com detalhes em outra ocasião. Por enquanto, são estes os nomes que afloram à minha memória, citados sem ordem alguma (sequer alfabética): Joaquim Sete Léguas, Jabutirica, Zé Loriano, Godozinho (o inventor do palavrão), Estrogildo, Antônio Adolfo, Todinho da Rosa, Raimundo Garangui, Joaquim da Loló, Zé Adolfo, Levi Seleiro, Lulu Garcia, Seu Godó, Padre Quinzinho, Padre Manuel Madureira, Padre Ponciano, , Padre Argel (que afastou meio arraial da igreja por falar só de política e relegar a vida eterna), Padre Raul,  Serafim Sana, Seu Godó, Seu Dé da Banqueta, Liberato, Zé Virgulino, GeraldoVirgulino, Manuel Bispo, João Paulo, Raimundo do Tó, Ziquinha, Paulo Ziquinha, Geraldo Ziquinha, Zé Ziquinha, Raimundo Ziquinha, Bastião Paulo, Tião Batista, Alvim, José Leopoldino, Zé Petronilha, Godó Amaro, Zé Melo, José Vitório, Vitório Júlio, Mingola, Chico do Padre, Zé Vargas, Somiro, João do Olímpio, Antônio Duarte, Elói (“Põe ele no moinho e ele mói), Domiro, Zezé da Alice, Sebastião Calixto, Zé Alves, Pedro Nico, Caetano Nico, Manoel Fernandes, Joãozinho Fernandes, Niquito, Zé do Juca, João do Juca, Juca Coelho, Generino Augusto, Agenor do Cume, Ninico Motta, Zé Augusto da Barra, Euzébio da Banqueta, Joãozinho Augusto, Artur Moura, Zé Catumbi, Seu Ovídio, Geraldo Vital, Benedito Buty, Antônio Soares, Teia do Roque, Seu Nhanhá, Euclides Arruda, João Pereira, Joaquim de Almeida, Zé Bonifácio, Olímpio Melo, Júlio da Sete, Orlando Juventino, Job Juventino, Paulo Juventino, Joaquim Godó, Nego da Olinda, Tatão Cidreira, Marciano Moura, Seu Alexandre (carpinteiro, pedreiro, pintor, músico), Otávio Alfaiate, Luiz de Almeida, Tó (sacristão do Padre Quinzinho), Zé Miguel do Chico Lopes, Duca, Tãozinho do Godó, Ari Moura (inventor da expressão “apertou lá”, bem mais elegante que “foda-se”), Ari Zé Vitório, Zezé do Godó, Noé do Cartório, Sótão do Padre, João Moura, Urbano Moura, Raimundo Moura, Sebastião da Maricas, Roque do Zé Mingo, Lucinho Moura, Zé Nico, Adão Barbeiro, Raimundo Praúna, João Martins, Chico Bejo, Levi Quinjorje, Dr. Madureira, Casito (“o homem que pode mais que Deus”), Mundinho Elpídio, Zé Pirulito, Nonô Foiçada, Zé Matosinhos, Ziziu, Nedino, Nonô do Aciu, Tomaz Malta, Raimundo Malta, Quinzinho da Malacacheta, Zé do Quinzinho, Zé Petronilha, Zé Benedito, Manuel do Orozimbo, Torino, Bio do Zé Petronilha, Paíba, Dedé Serrador, Joãozinho Pão de Queijo (que fez 80 anos em dezembro passado).

E para não deixar um vácuo em nomes femininos, eis uma pequena lista: Dona Zizinha, Salinda, Dona Ninita, Sinhá do Godó, Dona Naguita, Ricardina Bomba, Dona Maricas do Sotão do Padre, Neném da Maricas, Sonel do João Paulo, Bernadete do Padre Basílio, Dona Isaura Garcia, Lilica do Roque, Dona Luzia (grande incentivadora do folclore), Izolina, Rosa do Melquíades, Dona Leni, Nega do Palamato, Chica do Godó , Sá Inês, Nica Barroso, Maria Rita, Dona Didina, Maria Baiana, Maria Bárbara (minha babá eterna), Rosa do Melquíades, Maria do Tião, Jandira do Otávio, Sinhá da Olinda, Sá Josilia (parteira do povo com recorde de partos na região), Dona Maria do Joaquim da Quinquina, Maria Santa, Cotinha do Zé Nico, Dona Clotilde, Maria Jacintha, Tereza Buty, Marieta do Euclides, Marieta do Elpídio, Lalá do Mundinho, Concebida do Maestro, Dona Ilsa.     

De cada personagem, uma recordação especial com meu intrometido conhecimento de cada um, um desafio a fazer. Recordar é tudo ou nada mais existe, pois é “o mió que tá teno”, como diz a Dona Maria Faxineira. Homenagem sincera à minha quase justa memória. Enfim, encontro uma qualidade em mim: memorialista, mesmo meia-boca.
                     
E como sofre um memorialista... de saudade!

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Que 2018 que nada! Feliz minuto ou até segundo que vem aí

Tenho o costume de rever  páginas que escrevi pela vida afora, apesar de detestar esse passado de rabiscos. Detesto tudo o que foi publicado. Por isso, quando aparece alguém me elogiando, boto um pé na frente e outro atrás, feliz mas desconfiado. Percebo que  tudo está desatualizado. O tempo corre mais depressa que meus toques no teclado do computador. Juro sem receio: o passado recente me parece distante, talvez uma idade média, ou antes  disso, uma pré-história. Repito: o que era meu pensamento recente, exceto quando enalteci a vida de alguém merecedor, parece-me mais antigo que a invenção de Gutenberg, a imprensa. Daqui a pouco estarei odiando esta página. Fazer o quê,  se produzir textos é o que aprendi na vida mais ou menos? E amo rabiscar coisas e coisas desde criança.

Ao chegar um novo ano, então, é que o bicho pega. Tudo a mesma coisa: 1999 para 2000, 2004 para os anos seguintes e do ano passado para este ano: “Meus sinceros votos de felicidades” — eis uma frase repetidíssima nas produções surradas. Chega agora 2018 e, daqui a pouco, vem março, passadas as festas iniciais e comuns da temporada de verão-outono — virada do ano, Carnaval, Semana Santa — o que era da moda cai em desuso.  Em abril estará quase na hora de as lojas começarem a mostrar o mesmo papai noel,  barrigudo e baranga, vestido de vermelho, que ornamenta o comércio até o fim de dezembro. Está na hora do quase mito Roberto Carlos.

Como escrever um texto sobre o ano novo? Lembro-me de um amigo que labutou comigo no velho, inesquecível e extinto Diário de Minas, quando acabava de completar 18 anos. Éramos repórteres. O redator-chefe do jornal da Praça Raul Soares, em Belo Horizonte, pediu-lhe  que escrevesse uma matéria  sobre Jesus Cristo. Estávamos quase na Semana Santa. Em uma réplica, fulminou o editor com a pergunta: “Contra ou a favor?” Fiquei chocado e paralítico naquele momento. Como? Será que alguém ousa avaliar o Rei dos Reis, além dos malvados que o condenaram à cruz?

Meu Deus! — voltei a exclamar. Num dado momento de folga, numa lanchonete próxima ao jornal, resolvi fazer-lhe a pergunta sequente e normal: “Você vai escrever contra quem morreu na cruz para nos salvar?” Ele respondeu: “Ia escrever a favor, mas o chefe me pediu neutralidade.” Entendi. Jornalismo é isso aí, sem lado e sem paixões, imparcialidade acima de tudo. Só que ainda continuei perplexo e levei para o travesseiro a seguinte reflexão: num mundo todo destemperado, repleto de ideias diferentes e complicadas, será que alguém consegue ser imparcial?

Neste 2018 entrante, a humanidade se depara com uma pilha de problemas aparentemente insolúveis: terrorismo, desigualdade social, fanatismo, preconceitos, violência, criminalidade, corrupção, uso de drogas, alcoolismo, desentendimentos familiares, ganância, egoísmo, falsidade, hipocrisia. No meio de tantas questões, elaborei uma nova reflexão: haverá quem seja dono de uma receita para que a vida se torne realmente bela como eu próprio ando propagando em palestras? A conclusão  deixo para o leitor, livremente. Na verdade, a vida dá respostas diferentes para inteligentes ou tapados. Todos pensam à sua maneira e  cada um carrega a cruz própria. O importante é que existam satisfeitos com arguições e respostas particulares, e vivam em paz.

No início do ano, este escriba, igual aos demais mortais, também troca de idade. Sim, a expressão é esta: permutar o número que valeu por um ano e seguir com outro imediatamente acima, ostentando a idade como se fosse um cartaz imaginário pregado na testa. A pergunta muito frequente que as pessoas fazem é a seguinte: “Quantos anos você tem?” A resposta, cuja metade dela aprendi com Mário Quintana, tornou-se agora uma tréplica:: “Não tenho anos, os anos me tiveram. O que possuo é o tempo que vem  a seguir” ... e que me concede mais uma oportunidade para cumprir a minha missão neste planeta.

Então, assim será 2018 para todos nós: uma oportunidade por dia, hora, minuto, ou segundo, pelo tempo correspondente que devemos agradecer a Deus diariamente. Que na concessão de permanência neste globo terrestre façamos não apenas o que queremos e desejamos, mas o que está traçado no nosso contrato formulado com o Dono do Mundo.

Existe, sim, um Grande Projeto para que todos os seres humanos, indefinida e indiscriminadamente, executem. Eis aí o caminho da vitória numa vida em que muitos supõem seja sem sentido e que dela sairemos derrotados: ter o que fazer de sublime. Descubram logo o segredo  porque é a chave da realização humana. Não tenho dúvidas. O alerta é para sempre. Sem tempo de errar, sequer de duvidar.