terça-feira, 29 de abril de 2014

A VIDA

O mundo teria, segundo os afobados calculistas, 8 bilhões de habitantes. Se se sair por aí colhendo amostras de impressões digitais, mesmo havendo caras e corpos iguais, todas as marcas dos dedos são absolutamente desiguais. Aproveitando a “viagem”, se poderia colher amostras de pensamentos, ideias etc. E seria feita uma pergunta: o que você pensa da vida? Cada um daria uma resposta completamente diferentes da outra. Então, não adianta recorrer a dicionário algum, de Aurélio a Hauais e da antiga e superada Barsa à não menos obsoleta enciclopédia Mirador Internacional. Tudo dará o mesmo resultado, ou seja, cada um pensa diferente do outro, não há a mínima e escassa unanimidade.

Por que isso? Veremos à luz de minha conhecida ignorância e não menos tola simplicidade. Acabamos de nascer. Temos vida, assim como no útero. Mas não pensamos. Não conhecemos sequer a nossa mãe que nos criou no útero, nem tão pouco o pai, que despejou a primeira semente da vida naquele ambiente hermeticamente fechado .

Onde nascemos? Em berço esplêndido ou debaixo de um viaduto? Seremos para o mundo o retrato do ambiente em que fizermos a segunda parte da gestação já sob o brilho da luz do sol. Aprendemos a língua de nossos pais e da sociedade eventual. Seremos  nutridos ou subnutridos, analfabetos, semi-analfabetos ou letrados, de acordo com a sorte, ah, a sorte que nos aparou, ou o azar que veio violento e sem coração sobre nós.

Adquirimos uma consciência coletiva mais ou menos aos sete anos. Aí, dizem que entramos na idade da razão. Mas que razão? Exata maligna ou benigna pregada pelo entorno de nossa convivência emocional? Seremos burros ou “cabeças” em cada um dos ambientes? Tudo depende — eis uma resposta arriscada. E vamos tocando o bonde pela vida afora, é claro que sem saber que vida é esta, que mundo é este e que povo doido ou normal o que encontramos para com ele conviver. Aprendemos muito com a choradeira de quem nos cria ou seremos pacatos, proporcionalmente à paciência que nos for outorgada. Seremos otimistas ou pessimistas ou realistas na mesma medida dosada por nossos monitores, uma babá ou uma vizinha ao lado . São muitas as características que se apossam de nós, algumas nos atropelam ou nos agridem, outras nos adulam com a bondade de um santo.

E caímos na intempestividade das irrequietas transformações mundanas. No caminho da existência vamos lendo, ouvindo, vendo, apalpando, entendendo algumas máximas ou mínimas. Podemos ser religiosos ou ateus, agnósticos ou até politeístas, fanáticos ou mansinhos ,  mas  sempre nos é dado o direito ao romantismo ou à brutalidade, sem eira nem beira ou o contrário, todos controlados por forças que escolhemos para nos acompanhar. Ao chegarmos  à tal e temida terceira idade, seja aos 60, 70, 80, 90 ou 100, temos algumas opções pela frente: ou nos acalmamos ao começar a caduquice, ou vem o Alzheimer com força impiedosa. No processo de degradação, perdemos todo o chips da memória que construímos a partir da idade da razão. Ah, esquecemos as mais simples e enfadonhas lições captadas na escola ou no convívio da  sociedade. Aí, retornamos à ignorância do útero, mas muito pior, isto é, temos o direito de falar  e de fazer besteiras inenarráveis.

Infelizmente, qualquer pé-rapado ou lambedor de rapadura vai ter que chegar a uma  conclusão óbvia: uma outra vida depois da morte nada tem a ver com esta vida em termos de consciência ou avaliação. Se tivesse algo em comum, ao morrer estaríamos nós com qual consciência da vida? A do útero?  Ou  a vida  da razão? Se for da razão, qual delas se o mundo é eminentemente transformativo e cheio de fases?  E a vida da demência, essa não conta? E do Alzheimer? Aí se estabelece uma plena e completa confusão em toda a maneira de pensar de cada um. E passa a ser uma das mais fortes causas de tristeza, depressão, infelizmente tudo isso na rota do suicídio.

Não prometi chegar a esta declaração, mas vou arriscar, com pena de perder amigos e amigas: a vida é uma grata ou ingrata ilusão. Talvez tenhamos subtraído dela, tirado da prática de erros e acertos, alguma pitada de evolução. Essa, por sua vez, pode nos  abrir as portas de  um outro sentido. Tal sentido, não passa perto de visão, audição, paladar, tato e  olfato, os cinco muito conhecidos nossos, das aulas de ciências ou mesmo dos bate-papos de botecos, esquinas, velórios, salões de beleza e retretas. Da evolução das cinco faculdades imediatas e palpáveis chegaremos ao sexto sentido ou terceiro olho. E, creio eu, pode ser a nossa verdadeira salvação.


Aí pode começar a verdadeira vida, quem sabe! Fora disso não se vê saída alguma e nenhuma e não adianta sequer falar em certo, errado, bom, mau, bem, mal — tudo é mesmo uma ilusão, essa que vivemos nadando como  peixinhos dentro de uma piscina sem fundo e sem beirada.

domingo, 27 de abril de 2014

VIAGENS INESQUECÍVEIS (1) UM DIA NA GALILEIA PERDENDO A NOÇÃO DO TEMPO

Já escrevi sobre a nossa viagem à Terra Santa, mas hei sempre de repetir as eternas obsessões. Aquela expedição nunca sairá de minhas recordações. Digo nossa porque foi com Marlete e mais 66 pessoas. Agora, também para testar a memória, resolvo voltar ao assunto. Transcorreu essa peregrinação do final de setembro ao início de outubro de 2012. Éramos este número de pessoas: 68 exatíssimas, lideradas por dois padres que atuam em Itabira, Cléverson Pinheiro e Luciano Simões. A excursão deixou saudade em todos, pela união que se formou entre os viajantes e pelas surpresas e emoções vividas.

O que mais havia eram guias, prova da abundância de informações que nos foram transmitidas e da segurança que tivemos. A começar pelos dois sacerdotes, amigos de todos, os quais chamamos de guias espirituais; passando por dois rapazes brasileiros, que se responsabilizaram pelo cumprimento integral da programação; chegando a outras e outros especialistas em cada local, como em Portugal (Fátima e outras cidades da região), Roma (parte cristã e profana) e Terra Santa (Israel, Galileia, Nazaré, Jordânia, Jericó, Mar da Galileia, Mar Morto e outros locais).

Aqui e agora vou me deter num só dia ocorrido na Galileia. Saíamos sempre às 8 horas da manhã, horário religioso que teria de ser cumprido a qualquer custo. Naquele dia, Marlete e eu nos atrasamos por causa da procura e comunicação com funcionárias do hotel para lavar roupas. As mulheres falavam árabe e hebraico e Marlete o português mais simples de Itabira e região. Não entendiam patavina, nem vendo as roupas sujas. À procura da companheira e já preocupado com os ônibus que buzinavam, cheguei apressadamente à lavanderia e, graças a um período de inglês que fazia no Wizard, pude dizer e resolver a questão. Foi simples e bastou a frase: “Could you wash these clothes?” Mas foi uma gozação que durou o dia todo.

Chegamos ao ônibus (eram dois) de língua para fora de tão preocupados e cansados, quando recebemos uma salva de palmas, vaias e o “parabéns pra você”, cantado todos os dias para os retardatários. Tudo bem, tentando desviar o assunto, ajudado por dúvidas, quis saber “que dia era hoje”. Perguntei inicialmente ao amigo José Diniz e à sua esposa, Helena. Eles responderam um de cada vez: “Não sei”. Bastou a falta de resposta para me despertar e me fazer continuar com a  enquete até a obtenção de um resultado positivo. Corri, então, ao ônibus, poltrona por poltrona, fazendo a mesma pergunta aos companheiros de jornada. As respostas eram: “Terça-feira, quarta-feira, quinta-feira”. Até um dos guias afirmou taxativamente que “hoje é quarta”, mas o seu companheiro de atividade arriscou o seu palpite como se jogasse na sua loteria: “Hoje é quinta-feira!”

Estava quase pronta a pesquisa e, para concluí-la, me dirigi ao outro ônibus, o azul, já que me encontrava no vermelho. Surpreso, apurei as mesmas dúvidas: ninguém tinha a certeza de nossa localização no tempo e no espaço. Interessante, pensei. Retornei ao assento e me pus a pensar mais: ‘Que viagem fantástica!” - foi a minha extrema conclusão. Fantástica porque nela nos perdemos totalmente acerca do que não tinha o teor de relevância. Era a primeira vez que tal fenômeno ocorria em toda a minha vida. Outros confessaram que chagaram à  mesma conclusão. E podia ser há dois mil e doze anos atrás, a época exata de nossa viagem no tempo, algo gratificante em torno de nossos objetivos. O interessante foi que àquela altura o que nos interessava era conhecer a História Cristã da Humanidade.


Somente à noite, no retorno ao hotel, depois de um dia fantástico transcorrido em montes sagrados e históricos, incluindo o local em que ocorreu o Sermão da Montanha e a  Santa Ceia, é que pude consultar a internet e sentenciar: era sexta-feira, 1º de outubro de 2012. Ninguém acertou a data inesquecível. Viver é se perder no tempo, concluí, finalmente.





sexta-feira, 18 de abril de 2014

ONDE FOI QUE GRAHAM BELL E/OU ANTONIO MEUCCI ERRARAM?

Depois de milhões de anos de vida e de evolução tecnológica, o homem chega à conclusão, para mim inarredável e inquestionável, de que não valeu a pena inventar o telefone. Pensa que, talvez bastasse tudo o que houve de progresso na área da comunicação, menos o telefone. Dirá alguém que estou maluco, alienado, sendo o único e solitário no mundo que profere  tal “bobagem”. Mas vou provar aqui e agora uma tese que pretendo defender na Universidade da Vida, como diria um vereador colega dos meus tempos de política.

Inventado ou criado ou comprado pelo escocês Alexander Graham, o telefone chegou a uma negação de sua própria finalidade. Até o italiano Antônio Meucci, que teria sido o seu verdadeiro pai, um visionário que teria permitido que outro se apropriasse de sua patente, saiu fora das conseqüências que viriam anos depois. Os Estados Unidos da América, que mandam no inferno e também aqui neste mundo, reconheceram, em 2002, o erro histórico. Ou quem sabe, estariam apenas tirando a bomba das mãos de um de seus protegidos, um filho da Escócia?

Do tambor, que resolvia....

... ao telefone, que complicou: nada feito!
Reafirmo que, porque as transformações não param de se suceder, o telefone nos conduziu ao mundo da complicação. Primeiro, ele dominou o mundo, deixou todos aos seus pés. Não há lugar que a gente vá que o panorama não seja o seguinte: as multidões estão babando em cima do aparelho de telefonia celular: nas ruas, lá vêm uma mocinha falando com  alguém ou fingindo que se comunica com algum ser vivente; parada na esquina uma outra está digitando algo, mandando mensagem para outra pessoa, seja um amigo ou namorado ou colega; na roça, à beira da cerca de arame, o Cumpade Zé grita com o Cumpade Mané que o milho não foi ainda ensacado. Já contei o caso de namorados mandando SMS uma para o outro, em casa noturna, ambos assentados na mesma mesa: “Feliz Ano-Novo pra você” e a resposta: “Pra você também”.

O mais inacreditável de todos os fatos engraçados ocorreu comigo. Recentemente, fui ao encontro de um deputado estadual, em nome de uma preocupação com o campo de futebol de São Sebastião do Rio Preto, destruído pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e, finalmente, agora, depois de sete anos de um desleixo sem tamanho, ser  reformado por empresa mineradora que atua na região. E lá estava eu com o parlamentar, depois de marcar e desmarcar durante muito tempo, para uma audiência devidamente agendada. E, depois de aguardar e ser paparicado na sala de espera com água gelada e cafezinho, entrei no gabinete entusiasticamente iludido de que poderia, sim, desabafar em nome da juventude são-sebastianense prejudicada. Qual não foi a surpresa quando vi nada menos que dez - ah, estou exagerando! - mas me parecia que havia talvez meia dúzia de aparelhos celulares em cima da mesa. E tocavam todos, um de cada vez, e até três se davam ao luxo de tilintar ao mesmo tempo.

Ele, o ilustre político, atendia a alguns chamados. Noutras vezes, ignorava. Mais relegado ao abandono fiquei eu durante 45 minutos, sem poder falar três palavras seguidas. Era como um time de futebol muito ruim, que perdia a bola a cada dois toques. Com isso, não tive outra saída senão pedir desculpas e levantar-me, usando uma não muito comum elegância. Ora essa, tive que pedir desculpas e zarpar, mesmo com as primeiras discordâncias. Acho que o deputado pensou que estivesse  plenamente saciado do nada que ouvi e muito menos o que falou.

Queria e devo dizer que a maioria das ligações da excelência não prosperava. Uma das palavras que mais pronunciou era “a ligação caiu”. Tal é assim que hoje em dia ninguém que  vive no Brasil pode dizer, de sã consciência, que consegue iniciar, fazer e concluir uma conversa numa só ligação e sem ficar p... da vida. Como só vivemos de celulares, pouco se usa o fixo, a comunicação entre os seres humanos, pelo menos em nosso país, está suspensa até segunda ordem. Para complicar ainda mais, a operadora do fixo está levando um bom tempo para atender o chamado de uma instalação de rede, cerca de dois meses e este é um caso meu, particular.

Não é mais dúvida de que Alexander Graham Bell ou/e Antonio Meucci fracassaram. Somente as operadoras continuam faturando, ou melhor, deitando e rolando. Em virtude desse mau atendimento, a internet também não se firma neste nosso país maluco, porque dá lucro reduzido e, assim, não interessa tanto quanto o aparelho móvel. Hora de repensar o que ocorre e tomar uma decisão, que já apresentei em outro texto: vamos voltar ao tempo de Tarzan ou Búffalo Bill, quando os viventes comunicavam-se via tambor, em curtos e inteligentes toques. Os tambores inspiraram o telégrafo sem fio, baseados na lei da ressonância magnética e nunca deram sinal de ocupado nem de fora de área de serviço, sequer desligados.


Então, repetindo a minha sugestão, que  é a seguinte, para não dizerem que não falei de flores e vasos: vamos voltar aos tambores da pré-história. E agora com uma vantagem extra: temos mais recursos e podemos fazer melhores caixas de ressonância.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Três dias sem uma amante indesejável

Desde tempos imemoriais tenho uma amante. Não é segredo e todos sabem disso, inclusive toda a minha família. Tempos pré-históricos aos quais me refiro não estão assim tão distantes. Eles tiveram  início em 1966, coincidindo com a minha admissão na antiga estatal Companhia Vale do Rio Doce e instalação de minha residência em Itabira.

O tempo passou e nos desentendemos mais ou menos quando foi celebrado o meu casamento. Foi assim: chamei-a num canto e mantive uma conversa franca. Disse-lhe textualmente: “Me deixe em paz, preciso respirar, viver normalmente”. Ela concordou sem apresentar nenhuma queixa. Contudo, percebi que ela é uma senhora dona de cinismo total. Saiu sorrateiramente como se dissesse: “Pode deixar!” Os desentendimentos se repetiram periodicamente. Eu todo arrebentado de nariz assoando e vermelho e ela toda elegante com o manto indestrutível da hipocrisia.l

E vai embora. Ou melhor, faz de conta que vai. Consultei os melhores otorrinolaringologistas, ou melhor, profissionais sentimentais do tipo antigo de Ivone Borges Botelho. Lembram-se dela? Digo técnicos sentimentais porque o problema que me incomoda é a apegação da Sinusite a mim. Não acho que seja amor, se fosse ela não faria o maior descaramento que mais me irrita. Sabem o quê? Chama lá a sua irmã, a Rinite, e manda que fique comigo, durma comigo, e nem me deixe dormir. Já pensou? Segundo Nelson Rodrigues, o homem mais sem-vergonha do mundo se chama Palhares. O que esse Palhares faz para obter um título dão destacado? Ah... ele não respeita nem as cunhadas!

 Mas não é assim comigo. No meu caso é a Sinusite e a Rinite que me causam furor, antipatia e quase uma dispnéia pulmonar. A sem-vergonhice anda a tão poucos metros para o lado da indesejada amante que ela ainda tem outra irmã e, de vez em quando, chega sem pedir licença e se instala na minha casa, no meu quarto, nem respeitando a presença de uma mulher legítima, filhos e até netos. Sabem o nome dela? Expedita Bronquite da Silva. Esqueci-me de lhes passar o nome completo da outra, a segunda amante, Josefina Rinite da Silva. E fica aqui uma pergunta: alguém tem aí uma fórmula de cair fora desse harém respiratório ou família destruidora de pulmões?

Pois é. Tenho o velho costume de ficar numa praia, que me custa pouquíssimos trocados de reais. E vou confessar a quem me lê agora: estou na praia. Não vou dizer o nome da bendita, mas adianto que é no Espírito Santo. Aqui cheguei anteontem e vou-me embora ainda nesta semana. Meu carro veio cheio: Sinusite, Bronquite, Rinite e eu. No meio da viagem, as duas últimas, percebendo a direção do veículo (elas conhecem a estrada muito bem), pediram-me para parar e retornaram de Venda Nova do Imigrante. Não sei qual foi a condução de volta. Permaneceu ao meu lado a senhora dona Sinusite.

Sinusite se alojou comigo num apartamento à beira da praia. Sem convite, é lógico No primeiro dia, a mal-encarada deitou-se ao meu lado na cama de casal e ficou tentando ver se conseguia fazer qualquer coisa, ou seja, me incomodar. Nada. Resisti. Mesmo com ventilador e ar-condicionado ligados, que poderiam ajudar a ela, mas não teve jeito. No segundo dia, resolveu partir. Antes, porém,  fiquei sabendo que esteve atormentando a vida de outras pessoas aqui no litoral. Provavelmente se juntou a pelo menos um idiota igual a mim.


Ao acordar, hoje, estava feliz e bem disposto como um passarinho. E fiquei mais feliz ao deparar-me com um bilhete dizendo assim: “A tua indiferença me mata e eu não posso viver desprezada como tu queres. Volto de trem daqui a pouco para  Itabira e te espero lá. Não pretendo te abandonar nunca. Bjs. Sinusite”.