terça-feira, 12 de junho de 2018

UM ABRAÇO, QUERIDA ZICA!

Sempre escrevo sobre alguma coisa. Gente que nasceu, gente que foi batizada, gente que se casou, gente que aniversariou e, para me contrariar, gente que se foi. Fazer o que se fui catequizado assim?


Éramos pequenos, nem os primos da casa de Tio Líbio e Didi tinham nascido. Se já rastejavam pela casa dos correios, eram somente Marcos, talvez Míriam.  Diante desta verdade incontestável, declaro-me pioneiro perante dez primos que a chamavam irreverente e amorosamente “Dindinha”.

Ela, na verdade, foi uma de nossas mães. Vivia cuidando também de minha mãe. Viajava com a gente como se fosse da família. Belo Horizonte, Santa Maria, Itabira, Conceição do Mato Dentro. Era a catequista da meninada, dividida entre Lúcia e Conceição Maia. Só não me ensinaram a chamá-la de Tia nem de Dindinha. Mas era a nossa tia e a nossa madrinha, já que era possível ter dez afilhados numa casa só.

Lembro-me de uma viagem à Fazenda das Botas, pra lá de Passabém, a uns 15 quilômetros de São Sebastião. Íamos, incluindo filhos de Tio Zezé e Tia Ninita, uns oito 




por aí, a pé, dedos no chão, sem reclamar. Parecia uma festa. Tinha eu meus 6 anos e estava bem aos seus cuidados. O dono da fazenda, Seu Guilherme, da família dos Duarte. Duarte brabo e cheio de opiniões próprias desde quando nasce.

Na primeira noite me baixou uma dor de dente bem ao estilo de antigamente, quando os dentistas nem existiam. Doía sem dó nem piedade e conserto: começou na viagem. Não havia remédio. A única solução era álcool ou cachaça para bochechos. Mas nem sempre resolviam. Fui dormir chorando como um bebê desmamado na raça. Gritava tanto que a voz atravessava o casarão e ia incomodar as galinhas e os patos, no quintal. Disseram-me que foram dormir cedo porque tirei o prazer deles.

A nossa Dindinha, religiosa ao extremo, catequista de primeira, sussurrou em meu ouvido que a Madrinha dela, mãe de Seu Guilherme, uma velhinha que padecia na cama (acho que tinha mais de 100 anos), rezaria por mim e em poucos minutos eu estaria bom. Fui ao quarto, meio desconfiado, ela depositou as mãos em minha cabeça e sentenciou infalivelmente: “Vai dormir sem dor, menino”! – encerrou assim a sua “Ave-Maria”.

O milagre aconteceu. A dor, muito forte, que me azucrinava sem pausa, desapareceu de uma vez só. Dormi como um anjo – e vejo hoje que sim – porque não me estarreci, senti a sua fé como natural, normal, que sentimento puro!. Ficamos mais uma semana na fazenda, bebendo leite direto dos peitos das vacas, correndo atrás de cabras e carneiros, galinhas e patos, pegando coelhos para brincar e soltar. Nem ao dentista precisei ir depois da reza da Dindinha da Dindinha.

Tenho muitas histórias  gravadas na memória. Sinto-me, por horas, um computador de HD de altíssimo poder e resolução. Certa vez no Parque Municipal de Belo Horizonte – mesmo local da foto em que aparecem meu pai, minha mãe, Honorinho (filho de Tia Zulmira), ela, Carlos e eu -  me soltou montado num carneiro, sozinho, pelo parque adentro. E ria de minhas perícias porque vinha da roça e me delirava com brinquedos da roça. Na verdade, fato redundante.

O tempo passou, ela se casou com o super-ser humano chamado José Ferreira Lage, Zé Somiro para seus conterrâneos, de humor elevado ao cubo, teve filhos, netos. Mas vivemos um tanto quando distantes, como o destino nos impõe sempre por suas regras indecifráveis.

Neste domingo, dia 10 de junho de 2018, curtindo repouso absoluto e forçado, eu,  por uma coisinha sem importância a que chamam de pneumonia, recebo uma mensagem de minha prima  Cleyd: “Notícia triste, primo: Dindinha Zica faleceu”. Era uma mensagem no Whatsapp, mas parecia uma flechada no peito. Sem poder sair gritando, chorando, chamando por ela, apenas deixei que minha memória vagasse no passado para chegar às aulas de catecismo em São Sebastião do Rio Preto: “Estamos no mundo porque Deus nos quer aqui; guardem essa lição para sempre e serão felizes” – suas autênticas palavras viajaram durante anos e fio. O meu sistema eletrônico natural guardou para sempre.

Maria Antônia Lage (era o nome dela), ou melhor Zica, assim carinhosamente tratada! Obrigado por ter curado a incurável dor de dente e outras dores de tudo, além de incômodos significativos de minha vida. Deus escolheu que vivêssemos, disse você. Porque Ele é o “espírito perfeitíssimo” e quis agora levar você. Contrariá-Lo? Ninguém jamais teve, tem e terá esse poder. Mas isto você pode fazer: peça a Ele para ser a Dindinha de nossas dores todas e da descrença do mundo. Amém.

 Um abraço, querida Zica!