quarta-feira, 26 de junho de 2019

A BABOSEIRA DO PRECONCEITO


Gente, eu devo estar estupidamente errado se penso como penso. Se alguém me lê, aconselho que desista logo para não ter que me chamar de babaca, bobo alegre, jacu da corte, por aí. É claro que o preconceito existe. Existe porque está no dicionário. Mas pergunto: tem problema algum humano ter um conceito previamente formado? Tenho um conceito prévio de que o Planeta Terra é redondo. Faz mal? Também admito interiormente que todas as pessoas que carregam deficiências físicas são como as outras, ou seja, iguais. Talvez mereçam ser melhor tratadas. Como não merecem respeito algum, vamos à lei da compensação.

Todo cego é, automaticamente, portador de outros sentidos mais desenvolvidos. Por exemplo, têm mais tato, olfato e mais percepção. Tive uma colega na faculdade que é cega. Mas ela fazia coisas, subia escadas, pegava elevadores, encontrava a sua sala de aula, o banheiro, distinguia os prédios com enorme facilidade. No aprendizado, usando a linguagem própria, o alfabeto braile, se destacava entre seus colegas. E conhece ainda hoje as pessoas pelo cheiro à distância, pela voz e o som da respiração. Não é incrível?

Quem é cadeirante merece uma rampa para subir, a preferência em atendimentos em bancos e repartições públicas, mas não precisamos ter pena deles. A natureza os compensa com incríveis vantagens sobre os demais seres viventes e mortais. E vivem, quase sempre melhor que todos, principalmente se a condição deles seja de nascença.

Quanto a questões como "ideologia de gênero", esta é uma expressão usada pelos críticos da ideia de que os gêneros são, na realidade, construções sociais. Para os defensores desta "ideologia", não existe apenas o gênero masculino e feminino, mas um espectro que pode ser muito mais amplo do que a identificação somente com masculino e feminino. Discordo em gênero, número e grau, e trato o ser humano conforme ele se apresenta: se com roupas conhecidas masculinas, como menino, rapaz, homem; se vestido na moda feminina, como menina, moça, mulher. O resto que se dane! Outro dia vi numa repartição pública um funcionário fazer a ficha de um cidadão e perguntar a ele: “Você é homem ou mulher?” Pensei com meus botões e fechos-ecleres: se alguém me fizer um questionamento deste  digo “bom dia, boa tarde, boa noite” e desisto do tal cadastramento.


Homofobia, racismo e outros conceitos condenados por aí são questões de interferência da falta de inteligência artificial que massacra a inteligência natural. Fui criado com mulheres negras — babás, cozinheiras etc. — e da infância à juventude, passando pela adolescência, só fui sentir que não podia chamar alguém de “preto”, “branco”, “gay” etc quando já tinha esses meus cabelos brancos, ou seja, depois que o mundo me corrompeu. E como me degradou!  Antes eu era puro como uma água cristalina que cai degraus sobre degraus e pensava que todos sejam filhos de Deus e iguais em tudo. Até dos animais irracionais demorei a aceitar que eles tivessem diferenças dos chamados racionais. Agora, a sociedade quer mostrar o seu arrependimento e adula cães e gatos como se eles frequentassem igrejas, campos de futebol, voleibol, escolas, associações etc.

Escrevi tudo isso e o espaço me aperta para concluir. E ainda não cheguei ao objetivo deste texto. Vou ver se consigo resumir tudo para não ter que esquecer estes rabiscos no computador. É o seguinte: nasci surdo, quase sem ouvir. Não sei como aprendi a falar. Passei uma boa temporada entre o curso primário, o ginasial (fundamental), o segundo grau (médio) e o superior sendo não apenas discriminado, o que dói de verdade, mas achincalhado, pisoteado, tomando tapas nas orelhas, recebendo apelidos acintosos, humilhado. Foi duro! Mas sobrevivi. Quando inventaram o aparelho auditivo, reforçado pela avaliação da audiometria, achei que tinha alcançado o céu.

De verdade, alcancei, sim, o paraíso. Mas, por fora de tudo, a discriminação é que prevalece. E ela veio dura como uma rapadura. Não acredito que todos os surdos do mundo percebam o quanto são colocados de lado, às margens. Imagine: concluí cursos superiores, estudei idiomas, dei conta, trabalhei em empresas, montei empresas, atuei na imprensa, editei, editorei, tudo graças a próteses que, quase sempre, ficam ocultas. Mas a partir de quando comecei a usar os mais avançados aparelhos auditivos, esses ficam às vistas claras. Aí, veio uma palavra que não pode ainda, a meu ver, sair do Aurélio: segregação.

Não entendo por que os óculos são considerados objetos normais, estampados em rostos, e seus portadores não estejam no foco da marginalização. Talvez porque  óculos sejam mais comuns, cheguem a ser objetos de realce de belezas e seu uso vai para além dos  seres humanos que têm miopia ou hipermetropia ou astigmatismo. O sujeito chega no camelô e compra um sem nenhum esforço ou cerimônia e o mete na cara só com ajustes  e sai de sol a sol exibindo o charme.

Quando um ser da mesma raça humana que usa próteses auditivas segue para ser atendido, por conhecidos ou não, num lugar qualquer – consultório, loja, agência –  o dono da palavra, seja um médico (e principalmente um médico), ou gerente de banco, ou funcionário de alguma repartição, ou loja, esses vocês sabem o que fazem? Simplesmente, desviam a atenção dele e vão falar com o seu acompanhante, eleito ali como o interlocutor que merece atenção. Eis aí a verdadeira discriminação, jamais punida, sempre sentida pela vítima, e nunca reconhecida pelo seu praticante.


Por esta razão, e outras que ainda posso mostrar, é que digo: retirem do dicionário a expressão preconceito, esta sim, não cabe lá, já que o principal é desconhecido e ignorado.  Porque, maliciosamente ou não, as principais figuras que resolvem os nossos problemas — e até os que recebem pagamento para tal — adoram praticar esse tipo de ação que deveria tipificar o crime como bárbaro, hediondo, contra a humanidade ou pecado que abala o Céu, a Terra, o Purgatório e até o Inferno.

José Sana

Em 26/06/2019

sexta-feira, 14 de junho de 2019

EM 2020 SEREI CANDIDATO A PREFEITO. E AVISO QUE JÁ ESTOU EM CAMPANHA


Resolvo abrir o verbo, talvez desrespeitando as leis eleitorais, arruma pra lá, mas sou sincero e me declaro candidato a prefeito de Itabira para concorrer em outubro do ano que vem. Não volto atrás. Não desisto. Não abro. Repito: sou candidato a chefe do executivo itabirano para governar os 119 mil moradores do município a partir de 2021.

Sei que o leitor vai dizer: “Eu sabia que esse safado queria  mesmo tomar a prefeitura e tornar-se persona non grata”. Verdade. Quero ser isso mesmo para quem pensa que sou muito mais esperto que todo mundo. “Fica bobo aí” – esta é uma frase que aprendi em minha terra natal, São Sebastião do Rio Preto, e sigo na vida levando da teoria para a prática.

Sou candidato e lanço a minha  plataforma de governo. Anote quem quiser e me cobre caso eleito for:
- A partir da primeira semana de janeiro de 2021, demitirei todos os funcionários da prefeitura. Sei que o leitor ou eleitor vai dizer que não pode porque tem lei assim, assim, assado, mas eu digo que pode, sim, porque o que adianta ter funcionário e não ter dinheiro para pagar? Recorram à Justiça e, então, eu abrirei os cofres municipais para todos os juízes e desembargadores existentes no Planeta Terra. Que confiram lá a teia de aranha que nascerá dentro desses imaginários cofres.

- A partir da primeira semana de administração, terei apenas um setor de trabalho, a do “pega pra capar”. O chefe desta repartição, que se chamará Secretaria Castradora, tomará todas as providências para mandar emitir boletos de cobrança de impostos. Nesse setor teremos um advogado que fará cobrança judicial endereçada a todos os devedores municipais. Para pagar o trabalho do funcionário da SC faremos uma coleta diária de valores na praça, com chapéus de palha e balaios.

- A cidade não terá nem limpeza urbana nem coleta de lixo. E ficará super limpa porque quem ajudar a limpar o entorno de suas portas terá significativos descontos em seus impostos. Quem oferecer um caminhão para entregar o lixo no aterro sanitário e, além de limpar, entrar com um caminhão na coleta, será isento de impostos por quatro anos.



- O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) será privatizado. Será arrecadado um bom dinheiro que servirá para pagar eventuais dívidas mais que normais.

- A prefeitura atenderá a todos os pedidos de esmolas, como cestas básicas, ajuda para construção (pedras, tijolos, areia, cascalho, cimento etc.), mas o suplicante terá que prestar serviços para pagar o que leva. Será aberto pelo chefe da Secretaria Castradora encaminhamento de pessoas trabalhadoras. Nada de carteira assinada, nada de ajuda financeira: somente o registro de troca de serviço por contribuição de materiais de construção.

- Se até 2021 ainda existir o Hospital Municipal Carlos Chagas, será reprivatizado. Nada de incumbências impossíveis que não deixam nem a empregada doméstica do prefeito dormir.

- Se a prefeitura arrecadar algum dinheiro, este será para reservas de contingência, ou seja, ficará no banco de sobreaviso para cobrir as intempéries e os gastos obrigatórios que poderão surgir eventualmente.

- Eu, prefeito e o vice-prefeito (esse é claro, porque onde já se viu vice-prefeito receber para ficar à toa?) nada receberemos de remuneração. Quanto aos vereadores, problema deles:  se querem alguma contrapartida em dinheiro por seus valiosos serviços, tomem as suas providências particulares, mas no meu governo eles não receberão nem um centavo, a não ser que existam tostões disponíveis nos cofres públicos já que, como já disse, nos cofres somente teremos teias de aranha.

- Depois do primeiro ano de administração, a maioria dos locais de trabalho será vendida como bem imóvel.

Pronto. Sei que muitos vão exclamar aliviados: “Graças a Deus, você não será eleito!”. E eu respondo: “Sei disso, estou mais do que certo, pois, talvez, nem eu mesmo votarei em mim. Mas deixo bem claro que a única saída para Itabira, caso o andar da carruagem continue no mesmo trote, isto é, do nada fazer pelo que vem por aí, o prefeito que fizer o contrário não terá dinheiro nem para comprar papel higiênico.

Um abraço

José Sana
Em 14/06/2019

quarta-feira, 12 de junho de 2019

A “PROFISSÃO” DO MOMENTO

Gente, proponho focalizar um assunto que pode ser importante. Quando focalizamos o passado e tentamos analisar o presente o assunto é para adultos e idosos. Mas quando tentamos vislumbrar o futuro, convenço-me de que as crianças são "experts". Por isso tremi da cabeça aos pés ao presenciar um diálogo em sala de aula, de uma professora com seus alunos, esses na faixa de 11-12 anos.

PROFESSORA – Mariazinha, o que você quer ser quando crescer?

MARIAZINHA – Quero ser médica, fessora. Tenho um tio que é médico e ele ganha um bom dinheiro e ainda faz as pessoas felizes ao curar doenças. Ele vive feliz.

PROFESSORA – Muito bem. Espero que escolha uma boa especialidade...

MARIAZINHA – Eu vou ser pediatra, fessora. Quero ver o sorriso das criancinhas...




PROFESSORA – Parabéns, menina! E você, Pedro, o que quer ser quando crescer?

PEDRO – Eu vou ser igual o meu pai: vou ser engenheiro e construir muitos prédios. Quero encher cidades de arranha-céus. Meu pai fala arranha-céu, acho que é exagero. Mas quero ser engenheiro civil.

PROFESSORA – Boa escolha, Pedrinho. Mas e você, Gabriel, está pensando em qual profissão para o seu futuro?

GABRIEL – Vou ser advogado, se tudo der certo como meu pai e me mãe apoiam. Eles são advogados e têm uma boa clientela. Defendem a justiça e contribuem para um mundo de paz.

PROFESSORA – Está certo. Você, Adriana, já escolheu a sua profissão de quando estiver moça grande?

ADRIANA – Estou pensando em ser dentista. Temos muitos dentistas na família. Todos felizes, ganham dinheiro e ainda promovem sorrisos bonitos.

PROFESSORA – Que beleza de pensamento, Adrianinha! Mas agora quero saber do João:  Joãozinho, o que você pensa em ser daqui a uns anos que vêm aí?

JOÃOZINHO – Não penso não, professora. Já decidi. Quero ser um hacker em breve e já estou treinando no computador e no celular. Quero saber da vida de todo mundo, quero descobrir segredos das pessoas em troca de dinheiro, muito dinheiro.

PROFESSORA – Que é isso menino? Quem botou isso na sua cabeça? Está maluco?

JOÃOZINHO – Que maluco que nada! Eu sou um visionário, minha mãe diz isso pros vizinhos. Médico, dentista, advogado, engenheiro, já era, professora. Eu quero é viver a vida, trabalhar para políticos, empresários, gente rica. Eles querem fuçar a vida dos outros, saber de tudo, ter o mundo em minhas mãos.

PROFESSORA – Belo exemplo acaba de receber de gananciosos que querem tomar o poder, hein Joãozinho?  Olha, vamos ter uma conversa mais profunda. E quero, também falar com os seus pais.

JOÃOZINHO – Cuidado para eles não virarem a sua cabeça! A senhora deixará de dar aulas e será minha aluna ou minha sócia. Vamos faturar alto.  A senhora topa?

José Sana
Em 12/06/2019