quinta-feira, 29 de julho de 2021

SEM PALAVRAS PARA DONA NENÉM DE DONA MARICAS

SEM PALAVRAS, SEM PALAvras, SEM Palavras, SEM palavras, Sem palavras, sem palavras. E um pouco atrasado neste dia, o celular estava desligado. Uma notícia, diria histórica, fica travada dentro deste mínimo e máximo aparelho, que transmite as boas e também  não se esquece das tristes informações, infelizmente.

Sem palavras para quem se lembra dela, do encanto, beleza, simpatia, dentre  tantas virtudes indescritíveis que eram suas características. Estou me referindo à  querida Maria Lina Ferreira, ou Dona Neném, para quem, hoje, os nossos corações pulsam mais intensamente.



As lembranças que me veem à mente me conduzem ao tempo de criança, seis, sete anos. Não havia uma só criatura em nossa terra e em outros lugares que não a admirasse. Ela sempre liderando, seja como professora ou à frente de festividades na antiga Vila pertencente ao município de Conceição do Mato Dentro. E ainda na Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais.

Vamos a Guanhães, onde estudei durante dois anos. Estamos exatamente no dia 26 de outubro de 1958, na Igreja Matriz, cujo Padroeiro era São Miguel Y Almas. Dona Neném me pega pela mão e a encaminha à mão de Marlete. Ela 9 anos, eu 12. Dá-nos a função de levar as alianças dos noivos Vâni Carvalho Moura  e  Lúcio Rodrigues de Moura. “Vocês fazem um par bonito e os noivos merecem”, diz baixinho aos nossos ouvidos. Estamos bem arrumadinhos como exige a moda da época.

Saltemos um tempinho no tempo: 11 anos e dois meses depois casávamos e cumpríamos a profecia de Dona Neném de Dona Maricas do Sô Tão do Padre, como descrevia sua identidade as pessoas da época.

Quando eu cursava Jornalismo na Fafi-BH (hoje Uni-BH) e trabalhava na Vale, na capital, centenas de pessoas me enviavam pedidos para entregar à Neném, seja requerimento de nomeações para professora, seja transferência, seja  acerto de salários e “pro tempore”.

A Secretaria do Estado de Educação funcionava no Instituto de Educação, um prédio rosa e imponente na subida da Avenida Afonso Pena. Fiquei até manjado pelos porteiros e chamado de  “o rapaz que traz pedidos para Maria Lina”. Ela resolvia tudo, nunca reclamava; pelo contrário, atendia sempre com um  sorriso e nem encerrava o assunto, puxava-o elegantemente.

Outra passagem interessante ocorreu num dia de setembro de  2007, quando estava entrevistando moradores antigos de nossa região para duas finalidades: artigo de pós-graduação em História e, ao mesmo tempo, compor a  História de São Sebastião do Rio Preto.

Neném me esperou com um monte de papéis e fotos, e pão de queijo no ponto de assar. Assentamo-nos na sala e ela se  esqueceu da massa que queimava no forno, na cozinha. Sentimos o cheiro, ela correu, tudo tinha virado carvão. Mas não reclamou, jogou as cinzas no lixo e preparou outra fornada.

Entre todas essas considerações, devo destacar ainda familiares que cuidaram dela, quando  realmente necessitou: Lia do Emanuel Vitor, e minha amiga e prima Anna Paula Vitor. Esta última se transforma num verdadeiro grande exemplo para as atuais e futuras gerações. Nem sei como descrever os anos nos quais se identificava com a tia e madrinha como sustentáculo do sentido que tem o amor, eterno amor, que nunca acaba.

Finalmente, meus sentimentos  aos verdadeiros devotos de Dona Neném. Alguém pode isto dizer: “Ela viveu muito, mais de cem anos, tempo que é receita para todos nós”. Sem condições  de validar o mérito de quem alcança a longevidade centenária, vale destacar a certeza de que por este caminho se expandem as simples amostras que Deus nos oferece: Maria Lina teve uma vida de exemplos e os eternizou no grande castelo de oferendas dedicados a não sei quantos e quantos seres humanos.

Deus a recebeu. Nós a perdemos. Mas não será para sempre, porque quem se lembra destas palavras de Jesus Cristo, escritas na Bíblia, sabe bem considerá-las ao pé da letra: “Meu reino não é o deste mundo!” Neném está no reino verdadeiro e eternamente puro.

Contradição deste pobre escrevinhador, citei no início deste texto: “SEM PALAVRAS, SEM PALAvras, SEM Palavras, SEM palavras, Sem palavras, sem palavras”. Acabei escrevendo muito. Contudo, lembrem-se de que estas pobres expressões constituem apenas tentativas, embora sinceras.

Deixo aqui os sentimentos que me dominam com abraços a todos. Vamos cultivar as virtudes de Dona  Neném em nossos corações e continuar a nossa caminhada de aprendizes dela.

José Sana

29/07/2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

ERA UMA VEZ NO CENTRO-LESTE

Itabira, 31 de maio de 2045. Aos olhos de quem viveu a década de 2020, nada há de novo debaixo do sol itabirano. Mas aos observadores mais detidos, eis aí uma nova cidade, completamente diferente, ainda pagando o preço das mudanças irrequietas promovidas pela natureza, que requer ajustes perfeitos no decorrer do tempo.

A Lei das Transformações, de Antoine Laurent de Lavoisier (Paris, 26 de agosto de 1743 — Paris, 8 de maio de 1794) não falhou e não falha desde o início do mundo: “Na natureza  nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

Compatriota de Lavoisier, o designer e arquiteto Philippe-Patrick Starck, hoje com 72 anos de idade, tenta remendar o enunciado que se eternizou, desta forma: “Somos prisioneiros de uma sociedade ‘descartável’. A única maneira de escapar é criar um design sustentável”.


Detendo-nos no hoje propriamente dito, julho de 2021, vemos ainda a cidade de Carlos Drummond de Andrade na contramão do seu destino. A história de Itabira é “sui generis” e poucos veem. Fechada por uma neblina que vem de uma nuvem escura, seus  atuais e alguns anteriores governantes, incluindo do próprio país, estado e  município neste contexto, não raciocinam. E pensam com todas as evidências enganadoras do presente, encobertos pela riqueza temporária que se exaure já.

Afirmar que há uma briga ideológica sendo  travada neste instante não passa de desconhecimento  total da causa natural que nos envolve. Tal situação já abordamos em textos anteriores e podemos provar:  tinha que chegar e chegamos à hora fatal do tudo ou nada. Em outras palavras, somos viajantes das incertezas e as energias se esgotaram. Foi-nos determinada uma tarefa e a executamos  de forma atabalhoada. A hora é do acerto, não se pode mais errar.

A conclusão de hoje nos leva à seguinte constatação: chega de bater no peito e proclamar façanhas artificiais inventadas por vaidades mesquinhas! Chega de pegar uma bandeira verde-amarela ou vermelha, ou de qualquer cor, e sair por aí abanando como tolos, babacas, defendendo racismo, feminismo, machismo, direita, esquerda, o que for! O único caminho a seguir vem de nossa origem, de nossa determinada função nesta viagem que precisa ser desvendada.

Itabira é rica em filósofos, historiadores, articulistas, poetas, escritores e artistas, muito mais que o restante de minério de alto ou baixo teor ferrífero. Abriga os  seus estudiosos que a analisam detidamente, como os grandes acadêmicos de pesquisas científicas. Mas desperdiça tudo, chuta o balde, como diz-se popularmente, e ainda deixa transparecer uma cruel situação: a briga da vaidade política  contra a vaidade política. Insistem em repetir erros já definidos como perda total de tempo. Chega de errar!

De 2045 retrocedemos ao 2021. Estávamos chorando pelo leite derramado agora. Resta-nos, então e ainda, este trunfo: poder esticar a imaginação a  um futuro de que não participaremos aqui no globo terrestre, mas que estará castigando nossos filhos, netos, bisnetos, gerações inteiras. 

Era uma vez uma notável oportunidade de sermos  eficientes.

P.S.: O título deste texto é quase um plágio do filme clássico western “Era uma vez no Oeste”,  do lendário Sergio Leone, 1968, elenco de Henry Fonda, Charles Bronson e Frank Wollf. 

A ideia de utilizá-lo vem da ameaça, sempre presente na mente itabirana, de ter no futuro uma paisagem inóspita, tal como as cidades americanas do oeste, que só serviram para palcos de filmes faroeste.

José Sana

Em 27/07/2021

segunda-feira, 26 de julho de 2021

AI DA IMPRENSA SE NÃO FOSSE A NOTÍCIA RUIM

 Todo ser humano mostra-se assustado e inconformado quando lê em qualquer meio de comunicação — jornal, rádio, internet — a história de um criminoso cruel que estuprou e matou uma criancinha. Mas vibra, inconscientemente, no fundo da alma, ao encontrar uma notícia desse teor tenebroso. E dá murros na mesa de vontade de vingar aquele crime nefasto.



Do mesmo jeito sente o médico caso as fichas de pacientes não estejam recheadas de nomes de pacientes que dependem de seu trabalho para sobrevivência.

Assim também o advogado, o desembargador, o ministro de um supremo qualquer  ficariam todos  em situação de penúria  se o povo tomasse juízo e baixasse nele a mansidão da sonhada paz universal.

Certa vez encontrei-me com um policial especialista em desvendar sequestros. Ele tinha uma equipe de auxiliares que recebia altos salários. Um dos componentes do grupo me confidenciou que  havia um mês não ocorria um sequestro. “Que bom!” — me empolguei. E ele respondeu: “Que bom, uma ova! Se o meu departamento acabar não terei mais emprego!”

Sobre as estatísticas de crimes, uma delegada me disse, como repórter que eu era, o seguinte: “Os números de ocorrências não podem cair mais. Está bom assim! Senão ficaremos sem ter o que fazer!”

Ai do jornalista, ai do médico, ai do advogado, caso o mundo se tornasse cem por cento bonançoso.  Alguém já fez um levantamento mais ou menos assim: sem fome, livre da peste, ponto final em todas as doenças, não sobreviveríamos. Mais precisamente, criaríamos, por conta própria, o caos profundo e depressivo.

O ser humano não concebe, com a mente que desenvolveu, vislumbrar uma era de plena paz, total harmonia, um paraíso de seres bem-intencionados. 

As universidades, faculdades, colégios, escolas, grupos de oração, organizações mundiais para a paz, enfim, o mundo todo se embriagaria no tédio. Este é o real motivo pelo qual os mais inteligentes só arquitetam o desgaste da personalidade humana. Quer dizer que a sobrevivência de um depende da desgraça de outro, ou de outros.

Os críticos, esses seriam os primeiros desgastados, não teriam um fulano de tal pecador para malhar.  Quem passa a vida debochando da vida alheia comeria o pão que o diabo amassou.

Antes de afirmar que a paz é inatingível ou de alguém me cobrar que não falei de flores, propago uma frase do pintor e cineasta norte-americano, Andy Warhol, que muito chama a atenção de quem a lê: “O segredo da paz mundial é cada um cuidar da sua vida”.

Vamos, então, refletir, baseados num peça famosa, a do escritor e poeta italiano,  Dante Alighieri. Sua comédia aplaudida seria vaiada. E eu não teria assunto para abordar agora, ou seja, seria também um escrevinhador do nada, bobo e sem assunto.

José Sana

26/07/2021

domingo, 25 de julho de 2021

O MUNDO NUNCA MAIS SERÁ O MESMO

Olho admirado para as pessoas e vejo, infelizmente, um desconhecimento total do mundo, da vida, do caminho de cada um rumo a um destino. Olhos rútilos e semblante inseguro, as pessoas insistem que depois da pandemia tudo volta ao normal. Uma pena que não.

“Se o mundo é único e feito para nele vivermos, quem está por de trás desta extraordinária criação: nós ou nosso cérebro? Nosso cérebro não só interpreta o mundo, mas o cria. Tudo o que vemos, tocamos, saboreamos e cheiramos não seria aprendido sem o cérebro. Só que há um detalhe: quem manda nele somos nós. Daí a importância da criatividade”.

(Deepak Chopra).



Por extrema coincidência (acredite quem quiser) encontrei o título acima  em um texto na internet. Daqui para a frente, retorno à minha reflexão: o mundo será como nós queremos, mas não será como querem os que cruzam os braços e desligam o cérebro. A partir de agora, recriamos o nosso mundo, quem quiser acompanhar que o faça.

As leis artificiais podem não ser mudadas imediatamente, mas a verdade diz tudo, que devemos  retornar às normas naturais. Trata-se de um processo lento mas definido como “volta ao estado natural”. Não quer dizer que andaremos nus, nem que vamos comer frutas e produtos orgânicos sem agrotóxicos. Mas significa o seguinte: pensaremos de forma diferente, tentaremos reencontrar a primeira encruzilhada onde estávamos quando saímos da rota determinada.

Às primeiras perguntas saltamos nas respostas, adiamos essa análise. Elas se resumem  no simples questionário de quatro linhas apenas:

— Quem somos?

— De qual lugar viemos?

— Para aonde vamos?

— O que estamos fazendo aqui neste planeta estranho?

Pronto. Alguém se lembra de alguma prova na escola em que agarramos numa questão, pulamos para as seguintes, por ser naquela hora a mais difícil? Imaginamos o seguinte: “No fim do horário dou resposta a esta questão”. Ou até pensamos assim: “Quem sabe as proposições seguintes não nos darão uma luz?”

Então, é isto mesmo. Chegou o tempo das resposta firmes às  interrogações que nos parecem simples mas nunca foram resolvidas. Em outras palavras, algo que mudou nesta pandemia é ter chegado o instante fatal: ou temos pequenas soluções ou vamos sofrer sempre por incertezas cruéis e inimagináveis.

José Sana

25/07/2021

sexta-feira, 23 de julho de 2021

AS QUATRO LEIS DA ESPIRITUALIDADE ENSINADAS NA ÍNDIA

 Na Índia, são ensinadas Quatro Leis da Espiritualidade. São elas:

Primeira Lei — A pessoa que vem é sempre a pessoa certa. Ninguém entra em nossas vidas por acaso. Todas as pessoas ao nosso redor, interagindo conosco, têm algo para nos ensinar em cada situação.

Segunda Lei —  Aconteceu a única coisa que poderia ter acontecido. Nada, absolutamente nada do que acontece em nossas vidas poderia ter sido de outra forma. Mesmo o menor detalhe.

Não existe aquela coisa de “aah... mas se eu tivesse feito tal coisa…”. Não! Fizemos o melhor que podíamos ter feito com a consciência que tínhamos. O que aconteceu lá atrás foi tudo o que podia ter acontecido, fez parte do nosso aprendizado e devemos seguir em frente. Toda e qualquer situação que acontece em nossas vidas são perfeitas, pois todas elas visam o nosso crescimento e a nossa evolução.

Terceira Lei — Toda vez que iniciares algo é o momento certo. Tudo começa na hora certa, nem antes e nem depois. Quando estamos prontos para iniciar algo novo em nossas vidas, é que então as coisas começam a acontecer.

Quarta Lei diz — Quando algo termina, termina. Se algo acabou em nossas vidas é porque este ciclo chegou ao fim. Simples assim. Não se agarre ao passado. Faz parte do nosso  aprendizado deixarmos ir. Por isso vá em frente e se enriqueça com novas experiências.

Não é por acaso que você está lendo este texto hoje. Se ele veio até você é porque você já está pronto (a) para entender que nenhum floco de neve cai no lugar errado. Tudo está sempre certo. Tudo faz parte da sua evolução e do seu aprendizado.

José Sana

Com: Vilma Nöel

Em 23/07/2021

quarta-feira, 14 de julho de 2021

NO TEMPO DAS ASSOMBRAÇÕES E “O CAUSO M.B.N.”

Meu amigo J.F.S. me deu uma aula sobre as chamadas assombrações. Ele acredita nelas, sim, mas explica: “Não existem mais; eram almas perdidas e penadas que, com a evolução da natureza, subiram de plano no astral e não ficam por aí mais enchendo a paciência da gente”. Por extremo desconhecimento do assunto, ou melhor ignorância mesmo, aceitei a sua justificativa. Ele se baseou até em Machado de Assis, que aborda muito em suas obras, o virar do relógio à meia-noite, quando “as vozes tremulam no além”.

Ao abordar este tema, por influência de uma amiga — M.F.M.F.M — explico o porquê de não mencionar os nomes por extenso: considerando o que afirmou J.F.S., as assombrações chisparam, ou melhor, racharam fora do mapa. Evoluíram no contexto.

O causo que vou contar é dos  idos de 1954, vou  também citar os locais — cidade e nomes da zona rural — neste rápido histórico a que chamo de “O Causo M.B.N”. E lá vão barulho, luzes, quebradeiras e zoadas  esquisitas.

A história começa assim: o senhor M.B.N. morava na localidade da Barra do Rio Preto, para lá da confluência de outro local, a famosa Banqueta, onde residia o fazendeiro J.V.S. Também ele era fazendeiro. Nas horas vagas dava-se a jogatinas mais por distração. Assim, ao entardecer de todo sábado, arreava seu burro cor pelo de rato. Sendo inverno, usava uma capa marca “Ideal”  dobrada na sela e, para não dar chicotadas no animal, punha esporas afiadas no calcanhar da botina, ou bota.

Chegava na rua da Vila chamada São Sebastião do Rio Preto e manjava qual o melhor “cassino” lhe interessaria daquela vez, o mais animado: tinha T.G., P.J.F., L.G.A. e outros. Amarrou o burro encabrestado num toco próprio, instalado na praça central e bambeou a barrigueira para aliviar o fôlego do animal, coitado.

Nesta noite, escolheu L.G.A., tendo como seu destino numa cadeira no fundo da venda. A jogatina, que valia muitos poucos réis, infiltrou-se pela calada da noite até por volta de uma e pouco da madrugada. Já havia passado o horário de terror descrito por Machado de Assis, a famosa meia-noite de terror.

Os amigos de pôquer de M.B. — vamos simplificar um pouco o nome do fazendeiro jogador — estranhavam a saída do companheiro muito cedo, mas não insistiram muito. Como dizia meu avô, “quando o matuto coloca o instinto para funcionar, ele deve estar certo”. E lá se foi o M.B. montado no seu burro pelo de rato, assim ele o chamava, retornando à fazenda.

Quarenta minutos depois, de galopada, estava ele no alto da porteira da divisa de seu terreno. E, lá em baixo, avistava, assustado, sua casa, toda iluminada, como se tivesse luz elétrica, os focos piscando como em boates não avermelhadas, mas claras; apagavam, acendiam, incessantemente. M.B.se aproximava de lá, à medida que ia ouvindo barulhos e mais barulhos esquisitos, vasilhas sendo jogadas para cima, copos de vidro quebrados, gritos dos familiares, esses eram íntimos.



M.B. sempre dizia que assombração não existia. Pressentiu que a sua casa estivesse sendo assaltada, mas não conhecia nada semelhante a esse tipo de ação de bandidos naquele tempo. Uma multidão de pensamentos assaltava, sim, mas a mente, o coração ia acelerando à medida que foi apeando, amarrando o burro, vendo e ouvindo aquela arruaça acontecer  até na varanda.

Subiu as escadarias enquanto a mulher e os filhos vinham correndo ao seu encontro, pegavam-no, chorando, trêmulos, olhos rútilos, alguém segurando uma lamparina trêmula como as pernas de todos.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou M.B. aos berros.

— Assombração, assombração, alma do outro mundo, alma do — e a mulher se engasgou de vez, soluçando...

M.B. caminhou para a cozinha, onde parecia ocorrer a maior algazarra: quebradeiras, panelas caindo, frigideiras tilintando, colheres e garfos batendo no sótão, telhas sendo destruídas, copos e cristaleiras despedaçando-se. Todos agarrados ao chefe da casa, chegaram à cozinha, tudo no lugar certo, nada de objetos quebrados ou fora do lugar.

Naquele momento, a farra se transferiu para os quartos, as salas de jantar e de visitas, quadros pareciam quedarem-se ao chão, despedaçarem-se, tudo se agitando, até o burro, lá fora rinchando, arrebentou o cabresto, correu para o paiol.

O agora, já meio calmo fazendeiro, resolveu buscar o terço, todos na sala, tudo no lugar certo, começaram a rezar, puxados por ele, eram católicos, ou melhor, são católicos, a família o segue religiosamente até os dias atuais. Pediram a Deus por aquela “alma perdida”, M.B. já acreditava em coisas do além, estava convencido disso, plenamente bem informado por ser testemunha ocular e até com um acréscimo: sempre ouvira falar de assombração que aparecia para um só, agora era para a família inteira, não botar dúvida.

Quietos na sala, barulho na cozinha, os meninos dormiram no colo da mãe, M.B. tomou uma atitude e soltou uma frase fatal quando o dia começava a raiar:

— Pelo amor de Deus, diga o que você quer, sua alma sofrida, penada! Quer uma missa? Quer que mande celebrar uma missa para você descansar-se em paz?

Repetiu a frase várias vezes até que, finalmente, quando o dia clareava, uma voz sôfrega saiu pelos ares, soltando uma resposta bem compreendida assim:

— Clé... Clé... Clé... Clé...Clé... Clé... Clé... Clé... Clé...Clé...

M.B.N. entendeu claramente como “quero”... “quero”... “quero”... e não pensou duas vezes: montou de novo o burro pelo de rato e voltou para a Vila. Foi direto à casa do padre. Era domingo, o padre estava na igreja. Mas ele conseguiu falar com ele na sacristia e lá encomendou a missa que ocorreria naquele momento, 8 horas da manhã. Para sua paz, assistiu, de espora na botina e chicote na mão, o pedido  pela tal “alma penada” que assombrou a sua casa durante uma noite inteira.

Foi assim “O Causo M.B.N”. Esqueci-me de dizer que o padre se chamava R.M.

José Sana

Em 14/07/2021