sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Eu escrevo, tu escreves, ele escreve; eu não leio, tu não lês, ele não lê

Muita gente pensa que os viciados em Zap-Zap e Facebook, pelo fato de escreverem muito, também leem exageradamente. Ledo engano. Temos ótimos escritores, sensacionais comentaristas, mas pode ser que seja lido por uma meia dúzia de gatos pingados. Posso dizer isso de cadeira: fiz uma longa pesquisa e ficou esclarecido com a maior clareza que ninguém perde seu “precioso” tempo com o que pensa, de antemão, que nada irá lhe acrescentar. E me perguntam: “E você, também não lê?” Tenho a coragem de responder: só o que me interessa. Falta sempre tempo e o brasileiro é, por natureza, um semi-analfabeto declarado. Ouço as pessoas dizerem desde antigamente: “Não leio as notícias de jornais; prefiro passar os olhos nas manchetes.”

Mas o interlocutor insiste e quer saber mais: “Mesmo sabendo que ninguém o lê, ainda tem a coragem de escrever? Afinal, para que ou para quem você escreve?” Digo que escrever é um vício inevitável, é uma espécie de desabafo, um despejo de ideias que se estabelecem no nosso apartamento interior. Fico com pena de algumas pessoas, catedráticas, portadoras de conhecimento de causa, que praticamente todos os dias deixam um longo ou vários longos textos de graça para uma plateia imensa. Em vão. A minha pesquisa foi feita assim: comecei a postar no Zap-Zap e no Facebook chamadas de temas que pouco tinham a ver com o link anexado. Conclusão: os comentários fugiam radicalmente do assunto. Motivo: não era aberto o link relacionado.

Desde a Idade Média, ou mesmo antes dessa época longínqua, o ser humano gosta de falar, sempre falar, só falar. Nunca ouvir, ouvir, ouvir. As pessoas até são engraçadas mesmo. A gente passa por uma turma conversando nas ruas, avenidas, praças, ônibus, salões de beleza, velórios, botecos e esquinas, e observa. Normalmente, alguém está gesticulando. O interlocutor é obrigado a ouvir, se é que tem educação ou interesse no tema. Se o falador já ultrapassou a serra da boa esperança na vida, com certeza tem mais vontade de abrir o bico para contar causos. Isso é um impulso que nasce sempre na terceira idade.

Leio muito, desculpem-me dizer isso, se é que ofende. Os que detestam livros não gostam do assunto. Não sou um bom ouvinte, a não ser se encontrar um ambiente arejado, por causa de minha baixíssima audição. Quando entro num papo interessante, seja sobre história, geografia, política, polícia, esportes e humor, sou todo ouvinte e até aumento o volume de meu aparelho auditivo. Fico observando: alguém começa a contar um caso, chega uma terceira ou quarta pessoa e interrompe o bate-papo. O contador de causos é interrompido e, normalmente, ninguém volta ao assunto. Até porque ele percebe que tudo era apenas fingimento, ninguém queria mesmo ouvi-lo.

Exemplos de desprezo são dados por pessoas que não respondem sequer a mínima mensagem de um amigo. Julgam, às vezes, o assunto encerrado, quando o outro, do lado de lá, aguarda um sinal de que está na hora de parar ou de continuar. Alguns, quando não lhes interessa o tema (uma cobrança, algo que pede decisão etc.) os espertinhos simplesmente ignoram a mensagem. Só quero concluir assim: quando você me ouvir numa palestra, se ouvir, vai perceber que esse ato de desprezo precisa ser combatido. Falo muito a este respeito. Afinal de contas, a nossa felicidade não pode ficar nas mãos dos desleixados sem educação que só vivem para si e a sua vida particularmente egoísta.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A velha rixa Gambá x Cabrito

Gambá é São Sebastião do Rio Preto. Cabrito é Passabém. Os motivos são outra história. Esses bichos não eram mascotes, como existem hoje na maioria dos times de futebol profissional, mas apelidos mesmo e que geravam ódio mortal. Quem gritasse a ofensa no terreno do outro podia levar um tiro na cabeça. Nunca ninguém morreu por causa disso, é o que sei, mas já houve guerras. Certa vez os exércitos gambasenses e caprinos caminharam celeremente para protagonizar uma batalha épica no Alto do Veado, mas houve intervenção de um sacerdote, o Padre Manoel Madureira, que apaziguou os ânimos.

E me lembro de outra batalha marcada para acontecer. Aí presenciei, mesmo de calças curtas, as discussões para a batalha.. Todos os moradores do arraial de São Sebastião tinham armas de fogo, foices e machados. Como índios ferozes, afiaram as suas esquadras e, novamente, marcaram encontro no lendário Veado. Eita morro danado! Do outro lado, vinha Passabém, também empunhando parece que canhões. No meio do caminho a ameba, um verme que dá medo, pegou em cheio os dois exércitos, que recuaram para os seus quartéis.

Um de meus avós, Godofredo Cândido de Almeida, que nunca foi de correr nem atrás de baratas ou formigas,  levava a rixa bem a sério. Proibiu os filhos e netos de passarem dentro de São José do Passabém ou, se houvesse a imperiosidade da passagem, que fosse sem parada. Houve um tempo em que o ônibus de São Sebastião a Itabira, via Dona Rita e Florença, só transitava no centro de Passabém para buscar ou desembarcar passageiros. Então, os gambás viajantes ficavam parados no entroncamento aguardando a manobra na terra passabeense para o reembarque. Que tolice!

No meu tempo de adolescente, tínhamos em São Sebastião um quase imbatível time de futebol. Sabedores disso, os passabeenses não aceitavam jogar contra o nosso esquadrão. Certa vez, fomos ao campo de Passabém reforçar o time de Santo Antônio do Rio Abaixo. A equipe visitante se enxertaria de seis gambás na luta contra os cabritos. Mas na hora  do jogo houve o impasse discutido solenemente por prefeito e vereadores: “Gambá não pisa no nosso terreno”, bradaram de bom tom. Resultado: Santo Antônio jogou apenas com um dos fedorentos e esse cara era eu, o goleiro. Afinal, não era permitido jogar com a meta vazia.

Durante o jogo levei varadas antológicas nas duas pernas que até se sangraram. Eram as moças da terrinha anfitriã que queriam me ver engolir um frango. Acreditem quem quiser: ganhamos de 3 x 0 e há muitos amigos de lá como testemunhas, como Aristone e outros, todos de uma educação polida e invejável. Outros, infelizmente, não posso citar, pois não se encontram mais entre nós. No momento de ir embora, na porta da igreja, o ônibus esperava a caravana para o retorno. A torcida punha fogo no ambiente e gritava sem parar: “Gambazada, Gambazada, Gambazada!” Até que na saída, os visitantes reagiram, mas com o veículo em movimento: “Vamos pro Gambá comer Cabrito?” Aí a raiva de nós voltou a esquentar a praça.

Vejam hoje. Não houve, a meu ver, transmissão do terrível ódio mútuo de geração para geração. Ambas as cidades vivem em paz completa, graças a Deus!  Ou nem sabem das brigas passadas. Quando os mais velhos contam as passagens daquilo que chamo de Idade Média aos jovens atuais, esses até se assustam. É preciso entender que o ser humano não age sozinho, mas, sim, de acordo com os sentimentos, costumes e a própria ignorância de cada época globalmente. Um conjunto contra outro conjunto. Virgem Maria! Não tenho saudade dessa loucura!