terça-feira, 29 de março de 2022

VIOLÊNCIA DAS TORCIDAS: NADA A VER COM FUTEBOL

Se você for um esportista e procurar na internet alguma referência ao futebol, vai constatar, com absoluta certeza, algo como alertas para brigas entre as torcidas. É sempre assim em toda parte, o mesmo no Rio de Janeiro em Fla x Flu, em São Paulo em Corinthians x Palmeiras, e em outras capitais que têm times rivais disputando torneios. Parece que não vai mudar.


Ou a imprensa não quer mexer nesse queijo, porque ele é dos ratos, ou são mesmo uns tapados, tolos, surdos, mudos e cegos de olhos abertos. Quem torce para quem quer que seja não briga, nunca perde a esportiva, a não ser os malucos de pedra. Torcedores apenas brincam, discutem, defendem suas equipes, menosprezam ou valorizam o adversário. Matar ou morrer é um filme de terror.

 

 

Aparece um voador e faz a quase imbecil pergunta: por que, então, esses confrontos de facções que costumam resultar em mortes, principalmente em torcidas organizadas? Ontem mesmo, dia 28, escrevi sobre o oportunismo dos políticos que aproveitam o período eleitoral e ficam apontando para o adversário o dedo da acusação referente ao seu nada fazer. Tudo se resume em enrolação porque quem abre a boca para mostrar a cara de supostos culpados está em busca de votos. Escolhem, em cada momento, um chamado bode expiatório que consideram necessário no momento de sua eloquência rompante. São os “caçadores de recompensa” muito comuns no cinemascope que eram feitos no Oeste Americano.

 

Um grande jogo, um clássico entre equipes rivais não passa de oportunidade para os traficantes e consumidores de droga externarem seu ódio contra o rival, que tem seu grupo de traficantes e de consumidores de  ingredientes ilegais. Apenas isto e não adianta separar atleticano de cruzeirense, flamenguista de tricolor, corintiano de são paulino. Na semana da disputa começa a besteira de textos bonitos em faixas que levantam hipóteses e fazem apelos pela paz (que, na verdade, não desejam). Enquanto isso, os grupos das drogas, “amigavelmente” combinam locais e momentos de enfrentamento, que acontecem e assustam.

 

Com certeza, vão perguntar em que lugar, em que fonte busquei estas informações e digo que dentro dos próprios sinalizadores e nos jornais disponíveis. Só um cego não sabe disso. Então, neste momento, fico receoso de que seja tudo combinado. É como o casal que briga todo dia e numa hora qualquer um vai para um lado e outra vai para o seu canto. Ao se despedirem apenas dizem:

 

— Fica, portanto, combinado: eu não lhe telefono e você não me telefona.

Como na véspera do carnaval:

— “Até quarta-feira!”

 

Os traficantes e consumidores dizem para a torcida e os cartolas tolos: “Um sábado ou domingo de muito sangue para você!” E ninguém interpreta ou entende o recado.

 

Acordem, dorminhocos porque a droga já tomou conta do mundo. Até os ditos bem-comportados estão fumando e cheirando. Mas os traficantes continuarão sendo marginais.

José Sana

Em 29/03/2022

sexta-feira, 25 de março de 2022

PROCURA-SE UM OUVINTE OU UM LEITOR (Leia se quiser)

Quando eu tinha 11 anos — minha idade de reflexão e quase  total nada fazer — fiz uma descoberta que nunca mais caiu do galho: só Deus e o psicanalista nos ouvem e nos leem. Alguém pode alfinetar-me por causa disto: “Se ninguém é ouvido ou ninguém tem leitor, por que você escreve?” Esclareço: escrevo muito mais para o futuro, já disse isso. E por causa de um outro motivo que direi já.



Se tivesse eu 18 anos decidiria hoje estudar Psicologia e Psicanálise. É a forma mais segura e capaz de ser bem-sucedido. Sei também que um profissional precisa aprender a construir um depósito de queixas e reclamações à parte para não assumir o lixo alheio.  Enquanto isso, é bom estar atento em detalhes quase sempre acusativos. Cada um tem os seus bodes expiatórios. Podem observar que o filho de Deus no mundo todo só fala e só escreve; pouco ouve e quase nem lê.  Existem, em bilhões de seres humanos espalhados pelo globo terrestre, 99%  de  tagarelas. Conheço milhares de linguareiros que falam, fazem perguntas e, também, simultaneamente, dão suas respostas.


Quanto aos escreventes, esses são outra anedota pronta. Quando um mais esperto percebe que ninguém o lê, começa a colocar títulos ou chamadas aberrantes. Na internet já usam um estratagema: contam o caso repleto de reticência, não revelam a mágica  nem o nome do santo, deixando para o internauta a tarefa de procurar o caminho da solução ou do milagre. Aí obriga o inocente a perder horas e horas de seu precioso tempo.


Quando eu era editor de revista, sempre atarefado, recebia, de vez em quando, ou até muito frequentemente, uma funcionária que só entrava na  sala, depois de bater na porta, anunciando o fim do mundo da seguinte maneira: “Acaba de acontecer uma tragédia!” No princípio me amarelava e tremia. Com o tempo  passando me acostumei e sabia o sinônimo que ela usava para a sua catástrofe: tempestade em copo d’água para chamar a atenção.


Na  área da  imprensa  chefiam a fila os sensacionalistas, os  ditos autodenominados e  bem-informados, ou metidos  a dar opinião, supostos donos da verdade. Na análise dos fatos não deixam de usar suas armadilhas cercadas de vulgaridade e convencida sabedoria. Alguns mandam textos quilométricos para  as redes sociais e têm a cara de pau de usar no título a seguinte frase desculpando-se: “O texto é longo, mas vale a pena ser lido”; ou “Não deixe de ler até o fim”. Enquanto isso, o máximo que alguém faz é uma leitura dinâmica. Ou nada.


O falatório de fulano e sicrano é o  que mais nos chateia na vida, mas nada temos com isso. Eu, neste caso, posso liderar um exército deles. Sei que  falo muito, sou um locutor  sem plateia, tento me frear. Fracasso e me desculpo: todo surdo,  praticamente ,  é um papagaio loquaz,  porque assim não precisa esforçar-se para ouvir.  Ao mesmo tempo, assumindo  ser o rei do blá-blá-blá, tenho o pudor de usar aparelhos auditivos, os quais aliviam bem o ambiente. Eu mesmo pergunto e eu mesmo respondo (como o falador): usar próteses auditivas para quê? Resposta: é uma tentativa de falar menos, ser mais simpático, só escutando. Difícil  mesmo é deixar a utopia de ter sempre um ouvinte.


Chegamos ao psicanalista  que  tem como método principal a conversação. Isto é, o paciente é estimulado a falar tudo o que quiser. A partir daí, o profissional interpreta e avalia o diálogo para identificar a origem inconsciente daquilo que impede a resolução dos seus problemas. Todos  adoram aqueles momentos porque sabem que quem nos ouvia  era somente Deus. Agora tem mais um amigo, ou amiga, o (a) psicanalista.


Os idosos merecem um comentário rápido e curto: eles nunca foram ao banco da pracinha, nem à farmácia ou padaria, sequer à lotérica para executar funções determinadas como comprar algo. Saem de casa de olho em pelo menos dois ouvidos atentos. Se pega um no agrado, ninguém vai tomar o medicamento que foi buscar ou comer seu pão de cada dia. O coitado já realizou seu sonho de ser ouvido, mesmo que o acusem, indevidamente, de portador do Mal de Alzheimer. Tenho um amigo que passou dos 80, chamam-no de “Juízo Final”. Está sempre  à procura de uma fonte escutatória e, quando encontra, seu papo é somente sobre o fim do mundo, “que está próximo”, diz ele.


Conclusão: ninguém ouve ninguém, exceto essa figura simpática chamada psicanalista. E Deus, repito, quando o cidadão tem fé. Então, não basta que seja um médico, mas que tenha um santo  escondido no seu interior.  Anote, então, por minha conta: espero que me ouçam ou me leiam no futuro. Continuarei tentando ludibriar com a técnica inventada. Com dez anos, na quarta série primária, chamado pela professora, de falador, nasceu em mim uma ideia e cumpri: fiquei 30 dias sem pronunciar uma só palavra. Incomodei um arraial inteiro, fui maltratado pelos colegas, advertido pelos pais, mas pelo menos passaram a levar-me a um pouco sério. Diminuíram até os ataques ao surdo de natureza e DNA.


Para ninguém dizer que não falei de flores, fica a reflexão: Deus, por meio da natureza, nos dá dois ouvidos e uma boca ou uma só língua. Quer dizer que precisamos mais ouvir do que falar. Mas não entendemos e saímos em sentido equivocado. E de contramão em contramão caminhamos sempre em rumos tortos. Proponho agora: vamos sair desta nova encruzilhada? 

José Sana

Em 25/03/2022

sábado, 19 de março de 2022

O AMANHÃ COMEÇA ONTEM

Esta é a conclusão a que chegará o homem atual, chamado de inteligente e sábio, que não passa de um animal racional em busca da evolução: o amanhã começa ontem. Parece ser um título de filme comandado por este quase irracional que fracassou  bisonhamente e por ele estou sendo arrastado. O mundo corre a mil por hora, mas não chegou, obviamente, a lugar algum. Descobertas fantásticas, tecnológicas, avanços incríveis na área das grandes projetos. Uma amiga do facebook comenta que um  celular no fundo do mar, fotografando e gravando imagens é o cúmulo das conquistas tecnológicas. Mas eu pergunto: para quê? A que chegamos? Qual  é, realmente, o grande avanço?


 

Nada resolvido. O que interessa ao homem é o seguinte: — A morte é ou não é o fim do ser humano? — Ou a  morte é o princípio de tudo? — Ou  o que somos não passa de uma grande ilusão? — Ou a verdade é apenas uma miragem? — Ou precisamos desenvolver outra faculdade, quem sabe o sexto sentido, para desvendarmos os mistérios desta vida? Qualquer que seja a verdade descoberta algum dia, temos que concluir que a vida não passa de um desafiante quebra-cabeças.

 

Que culpa tenho eu? — questiona o poeta e cantor Altemar Dutra, quando se declara totalmente afastado do contexto das decisões. Nada fiz, mudando o rumo do poema, por que será que vim parar aqui neste mundo? Eu poderia ser João ou Mané, Joaquim ou Maria, Sebastiana  ou Firmino, Geraldina ou Antonieta, mas sou José. E não sei o porquê. Qualquer que fosse a conclusão, estaria no mesmo estágio de questionamento. A importante vida nunca, jamais, poderia ser uma ocorrência por acaso. Se foi assim, sem sentido, então o seu mérito foi  exterminado no meio  do caminho.

 

A vida não tem  importância e nada vale. Qualquer ser humano gostaria de dizer isso mas tem medo. Veja  só: acredito que muitos suicidas procuram saber o que há depois da morte. É uma excêntrica aventura para que saiba a verdade. Mas, acredito que ao chegar ao outro mundo, simplesmente  não se aporta a lugar algum. Permanece perdido ou inconsciente até lhe ser dada a oportunidade da regeneração. Não tem lógica alguma  o medo do ser humano, de morrer, de padecer, de aparecer em outra vida com milhares de problemas ou dívidas pendentes. Repetiria a frase: que culpa tenho eu?

 

No meu Juízo Final, que escrevi  aos 11 anos, cheguei ao tribunal e desafiei as suas normas. Não tenho culpa por estar vivendo. Não sei por que  me colocaram neste mundo. Não me deram uma função para executar. Estou mais perdido que cego em tiroteio. Por  que não me disseram: você tem que lutar pelo Cristianismo, ou pelo Budismo,  ou pelo ideal Muçulmano? Mas me deixaram à deriva num navio trôpego e sem bússola. O  que pude fazer foi, simplesmente, seguir o intuito, os instintos, os conselhos, sem, absolutamente,  nenhuma orientação segura.

 

Agora aqui estou e pergunto: o amanhã começa agora, ou começou ontem, ou será que amanhã ocorrerá a sua partida? Mas algo me diz  que estamos atrasados, o  amanhã começa (e não começou) ontem. Temos  que tomar consciência do agora, do já, é preciso fazer e entender que ou vamos à frente ou seremos definitivamente destruídos.

José Sana

(Texto escrito e publicado em 2 de fevereiro de 2014. Reeditado em 19/03/2022 por um motivo qualquer)

quinta-feira, 17 de março de 2022

ABRAÇO FORTE, ZÉ QUINTÃO!


Tinha eu 16, 17 anos. Zé Quintão, meu colega de igreja, bagunças e galinhadas, a mesma idade. Afinal, somos de época idêntica, diferença de poucos meses, e nos encontrávamos nas férias ou intervalos de aulas em São Sebastião do Rio Preto.


E ocorreu uma noite inusitada. Às 20 horas, quando saí de casa num instante qualquer,  meu pai me avisou: “Se você chegar hoje depois de dez horas vai ficar na rua.” Não dei bola para aquela advertência. Entrei no meio da turma e daí esquecemos as horas, depois de galinhadas e seresta. Deu 3 horas da madrugada, veio o sono pegar a turma, menos os dois Zés. Contei pro meu amigo: “Olha, se a porta de minha casa estiver fechada, vou sumir do mapa”. A resposta do Quintão veio em cima do que imaginava: “Vou com você!”



Porta fechada, partimos Rio Preto acima, depois de arrumar as trouxas. Biscoitos, bolos, pães, panela, caçarola, sal, gordura, arroz, carne, um litro de cachaça, uma capa e um cobertor. Pegamos a beira do rio nas proximidades da Praia da Conquista. Marchamos. No corpo, uma roupa só. O dia de amanhã não interessava. Caminhamos, pedras sobre pedras, com uma lanterna, tudo produto da casa do Zé.  De repente, chegamos defronte a uma cidade, já cansados. — Uma cidade? — era a nossa arguição. Ao  olhar e manjar, constatamos que aquela seria o povoado do Porto, localizado a três quilômetros da Vila de São Sebastião.


Dormimos a primeira madrugada, depois de uns tragos e um bom sanduíche, quando o dia ameaçava raiar. Como dormimos: no chão, nas folhas, cobertos pelos cobertores. E o dia raiou. Frio, era junho. Nem uma escassa alma passava por lá. Zé Quintão resolveu tomar uma decisão lá para as oito: foi à rua, como dizíamos, fazer uma feira. E de lá trouxe algumas frutas e um reforço para o almoço, com garfos e facas, dois pratos e anzóis. Passava eu o dia sozinho, foragido, quieto, pronto para viver naquele ambiente delicioso, as cachoeiras fazendo barulho, o rio  caudaloso, eu nem aí, pensando no para sempre. Cobras, soins e lagartos não nos preocupavam. Essa solidão transcorria durante o dia, até que aconteceu, lá pela sexta noite, Zé Quintão não voltou. E venci a madrugada na solidão completa que parecia dos cem anos de Gabriel García Márquez.


E foi assim até o 15º dia. Pescando, lendo, bebendo cachaça, também com limão, fritando peixes e vivendo como indígenas ou eremitas. Nem queríamos saber o que pensavam de nós e daquela loucura juvenil.  Até hoje não sei e nem procurei me inteirar das fofocas. “O que pensam de mim não é da minha conta”, era uma frase que construí desde cedo. Meio mês só com água e cachaça, sentimos falta do café. Então, o amigo Quintão foi novamente à rua e trouxe apetrechos para o moca: pó, açúcar, vasilhame, tudo parecia certo. Mas na hora de virar a água no pó, cadê o coador? Não tinha. O que havia, sim, era a minha cueca branca, tipo samba-canção, que tirei para lavar. Zé Quintão, muito zeloso, deu a ela mais limpeza ainda e, usando sabão de barra, a esfregou com esmero e vontade.


Depois de lavadinha, a esticou no vasilhame todo de metal. Virou a água fervilhando no pó, sob o reino da fumaça, que cheirou no lado oposto  do rio, nos disseram depois quem passava por aquelas bandas. Estava limpo o novo modelo de coador, ninguém viu, ninguém comentou e guardamos o segredo durante mais de quarenta anos. Em comum acordo com José Quintão de Almeida elegemos aquele café o melhor de toda a nossa vida. Afinal, fazia 15 dias não tínhamos contato com a civilização, nem com café fraco ou forte.  Aquele era fortíssimo.


Devido à insistência e os recados que recebi, voltei para  casa, depois de meu pai implorar, e daí para a frente nunca mais fechar a porta da casa. Consegui, então, o passaporte para a liberdade nas noitadas de minha terra. Essas passaram a ser notáveis, brilhantes, inesquecíveis mais ainda, vividas sem nenhuma maldade, apenas vontade de viver numa vila sem mais nada para fazer.


Graças ao Zé Quintão! A quem dedico agora uma frase de Mário Quintana: A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo… Quando se vê, passaram 70 anos! Há tempo para viver, Zé!


(Esta crônica foi escrita em 17/03/2000. Zé Quintão fazia aniversário. Hoje, 17/03/2022, vinte e dois anos depois, a reescrevo ou republico em homenagem a ele, que me alcança na idade. Não vou dizer quanto anos temos, pois não temos anos porque quem nos têm são os anos. Ele é casado com Merandulina Caldas de Almeida; tem três filhas: Cristhianne, Carina e Carolina; três netos: Gabriela, Camille e João Vitor; mora na Bahia e é empresário. FELIZ ANIVERSÁRIO E UM FORTE ABRAÇO, QUINTÃO).

 

Foto: No flagrante, de Geraldo Quintão: Zé Quintão, em atividade social, com duas netinhas.