segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A CASA DE DONA ZIZINHA

 Antes de escrever sobre a casa é preciso lembrar de Dona Zizinha. Seu nome continua sendo do presente (não era, do passado, como dizem os intelectuais e os iletrados)  Ana Juventino Ferreira. Sei de sua história narrada pelo seu marido, Clodomiro Duarte Lage, ou Somiro, de quem eu era confidente nos dois sentidos: eu dele e ele de mim. Pode isto? É claro que sim, a vida nos permite tal engenho.

Ele e eu éramos amantes incondicionais das noites de Lua cheia. Vez  por outra, apareciam os companheiros de madrugadas  José Reis (Teia), João Guadalupe (Kaki) e meu primo Zé Flávio. Saía a Lua e já sabia com quem bater um papo e onde: com Somiro, na porta da Igreja do Rosário. E as suas palavras sempre gerando zoações: “Os marcianos já estão nos esperando”. Marcianos seriam os filhos de Marte que liberam a Lua para nós.



Somiro e eu fazíamos gratas revelações. Disse-me ele que, quando se casaram —  ele e Dona Zizinha —  era um fazendeiro próspero e ela lecionava na Comunidade do Cauís. A casa de escola, como dizia o povo antigo, está lá, hoje com o nome de seu pai, Paulo Juventino Ferreira, também genitor de nossa colunista Flor de Maio Ferreira Muzzi, filha abençoada do segundo casamento.

Mas, de acordo com Somiro, Dona Zizinha é transferida para o Arraial de São Sebastião do Cemitério, antigo nome do povoado, na década de 1920 (tenho alguma dúvida sobre a data precisa) e Somiro, devido ao gênio manso, concordou e toparam o seguinte: encher a casa de filhos. São 16 descendentes e, para susto de qualquer leitor, sei o nome de todos. Mas esta é outra história que guardo no dom, modéstia à parte, de memorialista.

Fiz esta introdução para falar de Dona Zizinha, que me amava e me odiava. Vou dar um desconto: não me odiava no sentido profundo da palavra, mas era dura comigo. Antes de minha chegada à Escolas Reunidas Nossa Senhora das Graças, depois Grupo Escolar Odilon Behrens, ela, quando saía nas ruas, sempre passava na loja de meu pai e perguntava por mim. 

Na véspera de minha primeira aula no primeiro ano primário, falava: “Tãozinho, faltam tantos dias para o José Sana ter a primeira aula; ele será o aluno mais inteligente da escola”. Papai temia porque, sei lá, tinha alguma dúvida sobre a minha audição ou meu estado de letargia. Seria eu ou distraído ou mouco. Ou dono dos dois “defeitos”.

Começam as aulas e ela continua  me elevando aos céus. Diz  para quem quer  ouvir que aprendi a ler em uma semana. Certa vez entra na sala do primeiro ano e me pede que leia um parágrafo de um texto de Ivone Borges Botelho, publicado no jornal Estado de Minas. Comenta nas ruas isto: “O danadinho leu tudo, fluentemente, depois de uma semana de aula”. 

Mas, ainda na escola, certo dia, me flagra  urinando num canto do pátio. O intervalo havia acabado e quase todos os meninos praticam tal ato fisiológico, considerando que a privada das meninas estava entupida e elas foram transferidas, sob a vigilância de Xandoca, zeladora, para a privada masculina. E nós?

Ao nos perfilarmos para a entrada e a continuidade das aulas, Dona Zizinha faz sua pregação. Naquele momento, olhando para a multidão de cem alunos (mais ou menos) e depois para mim, diz de bom tom, eu colado a ela: “Imaginem e estou incrédula que apanhei o aluno José Sana urinando no pátio”. Viro uma peça de museu de cera, fragmento avermelhado. Fico realmente teso, inerte. Ao chegar à minha casa, levo algumas chicotadas antes de explicar o ocorrido e me livro de ficar de joelhos ao dizer: “A bexiga estourava!”

Já deveria ter entrado no tema de hoje, mas me perco totalmente ao recordar façanhas na escola. Ainda tenho mil causos engraçados, uns alegres, outros tristes, como do Biozinho, de quem quase lhe furei o olho direito com um vidro de leite. Já contei esta história.

Então, entro no tema de hoje. Será?  E começo assim: sou um pouco suspeito depois de ouvir, um dia, Dona Zizinha dizer-me: “Eu cobrava muito de você porque uma pessoa inteligente não pode errar”. 

Prova ao ser autora de duas façanhas de alto sentido. Tinha eu 16 anos e ela me convoca para fazer o censo escolar em todo o município, atividade que rende uma grana quase imensurável; com 22 anos me chama para substituir a prima Maria Geralda em sala de aula como professor de Português (ela sai de férias porque se casou e teve férias). Crédito consumado: dinheiro e confiança.

Ainda estou um pouco afastado do tema principal mas não posso deixar de referir-me à seguinte educadora, inigualável: Maria da Glória Lage. Trata-se da filha mais velha de Somiro e Dona Zizinha, a segunda depois do primeiro filho da fila que começa com Ivan. Ela e eu estudamos em Guanhães e moramos quase dois anos na mesma casa, do senhor João Moura e Sá Chica.

Glória sabe tudo: Geografia, História, Latim, Francês, Inglês, Ciências, Matemática, Desenho e Português. Nem a enciclopédia Barsa entra em qualquer casa, mas a enciclopédia Glória me deslumbra. Tudo o que lhe perguntamos ela responde sem pensar. Após a resposta, tomo eu a liberdade de agradecer-lhe assim:“ Glória e Deus nas Alturas!” Ela somente sorri.

Glória casou-se com José Gonçalves Mateus, de apelido Jojó, meio assim às escondidas porque era amor mesmo e, como escreveu Nelson Rodrigues, “o amor é eterno; se acaba não era amor”.  Nasce a primeira filha. Fico  sabendo que é uma menina  irrequieta, só isso. Mas concluo que inquietação é sinônimo de inteligência. Seu nome: Laira Vanessa Lage Gonçalves, que ultrapassa, às custas de ser uma nova Barsa digitalizada, várias travessias do governo federal, em cargos diversos, ascendentes, pelo lado da técnica e da honestidade. 

O próprio ex-marido, meu primo Humberto, diz-me: “Sumidade de inteligência”.  Assim também nasce Sophia, filha desse primeiro casamento, quem carreguei em Brasília, ainda novinha, já tem 22 anos, é quase engenheira civil. Já estaria velho eu se nisto acreditasse ou fosse apegado à matemática. Graças a Deus, sou analfabeto nisso.

Aff, agora sim: em 1933 chega a São Sebastião do Rio Preto meu Vô Seraphim Sanna com a sua comitiva vinda de Passabém. Desbravando estradas que não existiam. Num caminhão doido, estavam ele, Vó Maria, Tia Magda e Alfeu, este de poucos dias, no colo. Além do motorista, é claro. 

A residência inicial dessa turma, que deixara Itália, minha Mãe e Tio Líbio em Ouro Preto, foi na Rua São Geraldo. Pouco tempo depois, Seraphim comprava a casa do velho João Moura, onde está a  pintura em letras garrafais: “Pharmácia São José”, incluindo a casa ao lado, vendida para Clodomiro Duarte, o mesmo fazendeiro que havia saído da roça acompanhando a esposa Dona Zizinha. Esta é a casa do título deste texto.

Passa o tempo. Chega, completamente abalada pelos anos trôpegos vividos, a casa, colonial, semi-barroca, que esteve em outras mãos até chegar ao seu destino infalível: Laira Vanessa. Esta  de bravura indômita, e sentimental. Assume todas as onerações que lhe eram devidas e enfrenta até a pandemia da Covid-19, ao lado de companheiro. A casa quase prontinha, já com os sagrados moradores. Falta somente a varanda, mas dá para ver que será reimplantada pela cabeça super avançada da nova proprietária. Seria agora a  casa de Laira?

A partir do ano passado, como se fosse uma santa, faz o milagre que provoca uma festa no Céu: reúnem-se Somiro e Dona Zizinha, Glória e Jojó,  e todas as outras raízes ascendentes e descendentes para completarem a frase de que não abro mão: “Glória e Deus nas alturas, paz na Terra aos que entendem de paz e boa vontade!”

Amém.




José Sana

Em 29/08/2022

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

A SOLUÇÃO PARA O GALO É A MAIS SIMPLES QUE EXISTE. POR ISSO, NÃO A ENXERGAM

Estou meio perdido numa mata densa de milhares de opiniões que tentam explicar o que está ocorrendo na floresta do Clube Atlético Mineiro. Os mais inteligentes ficam confusos diante do seguinte quadro: a equipe conquistou quase todos os títulos disputados em 2021, somou mais dois no início de 2022, e caiu num apagão irrefreável logo a seguir.

O próprio considerado principal responsável pelo êxito durante todo o ano passado — o técnico Cuca — torna-se o grande vilão do momento. O Galo tem uma estatística com números baixíssimos, principalmente em casa, fato que deixa ainda mais sem palavras os “entendidos”, considerando que o elenco ainda é reforçado por renomados craques como Jêmerson (que nem estreou por enquanto), Pedrinho, Pavón e Alan Kardec.

Passo olhares sobre diversas opiniões ditas e escritas na mídia nacional e internacional e me embaralho todo diante da diversidade de explicações, umas esdrúxulas até demais e algumas na proximidade do acerto.

Passo à minha explicação que, imagino, ninguém dará crédito a ela. Contudo, gostaria que chegasse à comissão técnica do Galo, não para promovê-la como sendo eu o autor, não precisa disso, não vou registrá-la, até porque é uma simplória e intrusa afirmativa. Muito fácil de ser entendida a receita, por isso está ao pelo menos 200 milhões de treinadores de futebol no Brasil.

Vamos ao que está claro e seria, como diria Nélson Rodrigues, o “óbvio ululante”. E aí vamos focar a primeira condição que se apresenta: o Galo tem melhor desempenho fora de Belo Horizonte. Por quê? A explicação se chama “retranca”, destaco-a por ser evidentemente clara. 

E vou repeti-la usando outro termo: “ferrolho”. Os times visitantes vêm a Belo Horizonte com jogadas prontas, treinadas e o bote armado como de uma cobra jararaca: se empatar está bom, se vencer, super bom. Aí se explica o mau desempenho atleticano no Mineirão, mesmo com a torcida ajudando: só enfrenta ferrolhos.



E lá fora? Está também claro: os melhores, ou menos ruins, jogos do Atlético, no segundo turno do Brasileirão, ou em todo o campeonato, mostram o Galo como visitante.

Nada mais a afirmar: temos que enfrentar o fantasma chamado retranca. Aí começa a receita atleticana que, infelizmente, as equipes pouco sabem fazer. Para “furar” bloqueios, o time precisa jogar pelas pontas, jogadas abertas. Não somente isso, mas também ter dentro da área bons concluintes e ótimos cabeceadores. O Galo tem: o melhor cabeceador que se chama Réver, o maior zagueiro artilheiro do time, que fica no banco assentado, nunca entra em campo, pelo menos nos últimos jogos.

E tem, também, um excelente cabeceador e centroavante fixo, Alan Kardec, que é sempre escalado no apagar das luzes. Esnoba e intocável zagueiro lá atrás, que não entendo por que joga. Refiro-me a Nathan Silva, a quem denominam erradamente de “zagueiro rápido”, cuja rapidez nunca fez falta, a não ser para cometer faltas às vezes decisivas e desnecessárias, contra o Atlético. Um brucutu sem mais qualificação.

Resta dizer que em toda retranca existem as faltas de fora da área, para o chute direto. O Galo, neste caso, só tem o Hulk que vai voltar ao que é, claro. Para cobrar em cruzamento, conta com Arana e Nacho. E só.

Concluindo: falta ao time ser bem escalado, é a minha simples opinião. 

Assinado: José Sana/Itabira-MG   

220.000,000 º treinador de futebol brasileiro

Em 22 de agosto de 2022 

terça-feira, 16 de agosto de 2022

ITABIRA DOS BURACOS, TEUS PASSEIOS ATROPELAM IDOSOS!

QUE TEMA É ESTE?

Vamos conversar seriamente, sem firula e outra embromação? Convido você para uma conversa simples, franca, fácil de ser entendida e necessária. Ou para uma volta ao mundo nos moldes de Amyr Khan Klink, navegador e escritor brasileiro? Vamos abordar um assunto que pode fazer medo nas autoridades municipais de Itabira?

 

Vasculho a internet, abro todos os sites,  mesmos os que agridem a nossa língua portuguesa e até quem capricha em fake news. Pesquiso nos feitos e não feitos da Prefeitura. Mais ainda: confiro os pronunciamentos de vereadores, suas indicações, requerimentos e projetos. E nada vejo, sequer uma rara referência a buracos, crateras, montanhas de pedras em nossa cidade já geograficamente acidentada e de ruas estreitas e cheias de becos. Nem um parágrafo, nem uma linha, nada. Envergonho-me por 135 mil itabiranos.

UM IDOSO PASSA AQUI?


Sabe como é tratado o pedestre em Itabira? A empurrões, tropeções, tombos, quedas, quebra ossos. Exagero? Visitem os hospitais e as salas de espera de ortopedistas e de clínicas de exames Raios X, tomografias e ressonâncias magnéticas. Todas estão apinhadas de vítimas de trombadas, topadas, escorregadelas, além de acidentes domésticos e de trânsito.

 

Não deixem de ver os anais da Câmara Municipal. Lá encontrarão uma lei, cujo projeto é de minha autoria. Sim, fui vereador durante dez anos e subscrevi, em 1975, um projeto de lei, aprovado por unanimidade, sancionado pelo saudoso ex-prefeito Virgílio José Gazire. Só não foi regulamentado e não colocado em prática. Mas existe no meio do odor de papel mofado, de cor marrom de sujeira, caindo aos pedaços.


EM QUALQUER BAIRRO OU RUA

 

A lei número tal e tal (é só vasculhar as leis de 1975) prevê o seguinte: o governo municipal incentiva o cidadão a construir passeios em frente à sua casa ou edifício; o mesmo governo elabora um projeto físico a ser entregue ao proprietário do imóvel; esse projeto é padronizado (modelo, material etc.); cada proprietário do imóvel constrói e presta contas ao poder público; a prefeitura, que acompanha a construção com engenheiros civis e técnicos de seu quadro de funcionários, deduz o valor com descontos nos impostos municipais dos construtores e contribuintes. E a cidade muda de cara e passa a fazer bem a todos. Deixa de ser horrenda.

 

Pronto. Dá trabalho? O que é bom e não dá trabalho? Itabira ficaria mais bonita ou menos horrorosa (hoje faz vergonha ver os nossos passeios que enfeiam Itabira de ponta a ponta, até nos melhores bairros). A lei a que me refiro faz 47 anos que entrou “em vigor”. Esquecida. Ignorada. Passaram-se nada menos que dez ou onze prefeitos em nossa conta (talvez mais porque tivemos vices subindo ao terceiro andar do “palácio”).


   ATÉ NAS NOS BAIRROS CHIQUES

 

Ninguém sequer teve a ideia de que precisamos humanizar a nossa cidade. As autoridades só andam de carro, nem baque levam, apesar das crateras inimagináveis existentes nas avenidas, ruas e becos. As vias sempre são emendadas e remendadas, enquanto os passeios esquecidos. Hoje, proclamo-me o vigilante dos passeios. Porque me tornei deles mais um entre centenas, ou milhares de transeuntes, todo mundo de boca fechada e não se sabe o porquê.

 

Para complicar, vão se espalhando pela extensão de Itabira um “cercadinho” para lá de sem-vergonha e criminosa: inventaram um “curral” sem vacas e sem bezerros em frente aos botecos, que é ocupado por frequentadores fieis ou não, enquanto o caminhador das vias pode estar arriscando a vida no espaço de veículos dirigidos por motoristas nem sempre educados, que imprimem velocidade exagerada em seus carros.


CURRAIS SEM VACAS E BEZERROS



Como todo escrevinhador que ama o que faz, tenho esta obsessão: lutar para que os nossos ossos sejam preservados e parem as autoridades de ser hipócritas no tratamento à terceira idade. Até parece que somente os velhos se tornam idosos e os jovens permanecem  eternos.

 Chega de quebrar os nossos cotovelos, joelhos, tornozelos e até as cabeças. Acordem, autoridades!

 José Sana

16/08/2022

sábado, 13 de agosto de 2022

OBRIGADO, FADA DOS DOCES E DA CARIDADE PURA!

Este pequeno capítulo de minha vida pouco tem a ver com a minha vida. Na verdade traz o nome de quem passou imperceptivelmente para muitos pelo meu caminho, deixou uma marca de bondade e hoje partiu do convívio humano. Estou  me referindo a gente  diferente que deixa muita saudade: Maria da Piedade Pessoa Moreira. Na simplicidade, Fada dos Doces, e na intimidade, Dona Maria do Seu Ninico Motta. Ainda esmiuçando-se a identidade:  marido Antônio Motta Moreira e filho Antônio Celso Pessoa Gonçalves Moreira, ex-prfeito de São Sebastião do Rio Preto.


A historinha, valiosa para este escrevinhador, transcorre naquela sexta-feira, 21 de dezembro de 1962, dia chuvoso na região de São Sebastião até Belo Horizonte. Era meia-noite, hora em que Machado de Assis convocava as assombrações e fazia-os desfilar em incontáveis contos e romances. Arrancamo-nos assim da terra natal: um saco de roupa carregando enxoval  reduzido, um guarda-chuva, sapato na sacola, calças arregaçadas e um sanduíche de pernil com um litro de cachaça, além de um pet de guaraná Antárctica. Além de tudo, uns réis de miséria nos bolsos para exatamente pagar as passagens, cujo total perdemos inapelavelmente no percurso.


O fato inesperado atrasara a nossa caminhada até o local chamado Barra Dantas, encruzilhada do município de Passabém com o de Ferros. Discussão entre Zé Flávio e eu, meu eterno companheiro de ideias e de aventuras, inseparável, procura nos entender o que faremos sem dinheiro dentro do ônibus Irmãos Lessa, que faz  a linha Ferros à Capital. Só nos detemos no diálogo rompante, molhados por aquela garoa intermitente, quando chegamos à seguinte conclusão: seremos colocados para fora do busão e viraremos micos de um barraco inesquecível. Com absoluta certeza, nossos pais e nossas famílias saberão detalhes da expulsão e se corarão de vergonha pela vida afora. Do futuro de fome em BH nem cogitamos.


O “cata-jeca”, apelido que arrumaram para o ônibus que carrega  jecas-tatus, e éramos dois deles, parou e entramos de caradura como se fôssemos gente, e nos enfiamos até o fim da carruagem, assentamo-nos nas poltronas 24 e 25. Aí, Zé Flávio resmungou no meu ouvido numa altura acima do normal, diria aos gritos: “Vamos passar vergonha com a Dona Maria do Seu Ninico Motta, aquela senhora ali na frente”. E chega o trocador perguntando, de tabuleta em punho: “Pra onde vão?” Zé Flávio responde: “Pra BH, mas não temos dinheiro, perdemos tudo na estrada”.


O cobrador  para de rabiscar os seus arabescos e nos  olha com cara de porteiro de funerária: “O queeeeê”. E dá sinal de que vai nos pôr para fora do ônibus. Sai  em desabalada correria, atropelando balaios de galinhas e outros apetrechos. Mas é detido por Dona Maria que lhe pergunta: “Ouvi a conversa. Quanto é as passagens deles?” O trocador diz um valor assim que não ouvi e emite dois bilhetes, recebe o pagamento, dá o troco e se diz satisfeito. Imaginei que dissesse: “Salvou a molecada!”


Em seguida, acontece o seguinte: Dona Maria nos chama, dá-nos os bilhetes com as duas passagens e nos encurrala de perguntas, sob olhares de curiosos:

— Vocês são filhos de quem?

—  Estão fugindo de casa?

—  O que vão fazer em Belo Horizonte?

—  Quantos anos têm?

Não deu  folga para respondermos, mas depois aguardou que prestássemos  a devida conta: “Paguei  as passagens porque conheço suas famílias, mas não quero ajudar vocês a cometerem fugas de casa”.


A todas as perguntas respondemos, mas mentimos quando fugimos da fuga de casa. Na verdade, era isso mesmo, e Dona Maria adivinhou. Contudo,  essa escapadela completava a quarta que aprontamos e acho até que meus pais se acostumaram com a arte.


O tempo passou. Agora moro em Itabira. Sou casado e pai de muitos filhos. Dona Maria sai de um carro de luxo, não sei a marca, tem um motorista especial, entra no nosso comércio, Cantinho do Pão de Queijo, e  oferece uma belíssima goiabada, com um rótulo muito bonito e outras informações que atraem os consumidores. Deixa uma dúzia de barras de doces, embalados devidamente, promete retornar “na semana que vem”, sugere um preço. E só. Várias vezes tento abrir a boca e falar sobre o episódio de Barra Dantas, ocorrido há umas três décadas,  agradecer mais uma vez a gentileza das passagens pagas, mas ela parece desconfiar e evita que eu toque no assunto.

 

Levo uma barra de Goiabada de Dona Maria para casa, todos adoram e pedem bis. Torno-me amigo dela, ela sempre evitando falar da ocorrência da beirada de estrada. Ultimamente perco o contato, infelizmente. Só me recordo de quando falamo-nos numa festa em São Sebastião, quando José Aparecido de Oliveira está  lá, em 17 de fevereiro de 2001, fazendo aniversário,  leva o mundo cultural do Brasil à bela Fazenda de Ninico Motta para um almoço inesquecível. Antes, acompanhando aquele momento inesquecível em missa na Igreja Matriz, a cantora lírica Maria Lúcia Godoy entoa “Panis Angelicus”. Dona Maria emocionada tenta enxugar uma lágrima que cai fronte abaixo.


Hoje, 13 de agosto, Dona Maria nos deixa. Uma grande mulher. A Fada dos Doces. A secretária ativa do marido também ativo em todos os instantes nos quais  o acompanhou. Deus a recebe com cânticos dos anjos e uma Ave Maria de Gounod emocionante.  Nós a saudamos daqui da vida passageira terrestre e agradecemos por nos brindar com suas belezas interior e exterior durante 93 anos.


Não tenho a vergonha de repetir o fato que ela tentou esconder: obrigado, Dona Maria, pelas passagens que evitaram a nossa derrocada e pelos doces que revelam a doçura de uma alma também doce.

José Sana

Em 13/08/2022


terça-feira, 9 de agosto de 2022

Foi assim... É assim... Será assim...


Uma menininha de 8 anos e meio numa garupa de burro suado durante 12 horas de viagem estafante até um vilarejo chamado Goiaba. O dia exato é 5 de fevereiro de 1957. Eu montado no meu burrinho irrequieto e pra lá de doido de, segundo o pessoal, "voltar pra trás".

Ela suava com o burro, coitada, porque o baixeiro não cobria toda a anca do muar, nem parte de si mesma.



Sobe morro, desce morro, o burro tropeça, balança o arreio e ainda tem a beirada  da cela amarrada por uma barrigueira justa ou não. Coisas da roça que a gente aprende e não esquece. De vez em quando, bambeia, até a avó tem que descer para o comandante da romaria, Pirulito, arrumar tudo.

Do burro à estadia na casa de Aulísia e Tatão, depois ao busão que vem de BH numa verdadeira prova de fé de que a vida, deveras, é eterna.

Chega à terra de São Miguel Y Alma de Guanhães e durante dois anos tem de estudar tabuada com esse “professor de meia-tigela”. Entra gente bonita se casando, Vâni e Lúcio, e ela me dá a mão, dama de honra e pajem. Que luxo!



Como recompensa, vai lá na loja do Sô Benjamim pelo menos uma vez por semana buscar uns trocados, já que tenho vergonha de pedir dinheiro até para dono de banco. E Sá Chica me dá uma merenda extra e invejada por moças de fino trato. Tia Mercês, Luzia e Glória, as companheiras de alta confiança.

E o tempo passa. O avô dela, João Moura, mesmo gostando de mim, enfezado com as minhas noites cinéfilas, contribui para eu sair da liberdade quase total e ser confinado numa cadeia de um ginásio cheio de grades e nenhuma liberdade. Sou um bandido de alta periculosidade durante dois anos.

Paguei caro por pular janelas em São Miguel y Almas. Mas um dia veio a prima dela, Zélia de Assis, que me atiça a namorar com a minha ex-aluna de tabuadas e office-girl de loja. Eu com 16 e ela com 13, a maior irresponsabilidade de 1961, começamos a nos encontrar com a desaprovação do pai, Sô Niquito. Dona Zélia, não, já me adorava e me dava um remédio amargo chamado “Para tudo”.

Até que um dia o sogro, ele  mesmo, provoca-me na orfandade de avós da filha e pergunta: “Eu levo Marlete para São Sebastião ou deixo em Guanhães?” Era, praticamente uma oferta de casamento com uma prensa numa doce parede. Aí, aos 22 anos, topei a primeira opção.

Escolhi a pequeninha entre pelo menos umas 12 pacientes candidatas, nem todas bondosas. Naquele momento de meu aceite passei a ser o líder dos filhos, ou seja, uma mãe é tudo para todos nós, mas um pai que escolhe a mãe de cinco e recebe um prêmio composto por dez. E não é que tenho dez netos?

Finalizando, um alerta: que filho nenhum fique preocupado com a idade dos pais como me preocupei com o tempo vivido por meu pai e minha mãe. Quando a gente chega aos 70 uma luz é acesa e se  descortina no horizonte, mostrando-nos um mundo paz, amor e fraternidade. Podem ficar tranquilos, portanto, caros descendentes!

Como não estou preocupado com os tempos futuros, ela, a aniversariante de hoje, também não está, já que é a mais religiosa de todos.

FELIZ ANIVERSÁRIO, MARLETINHA!

E vamos bendizer Pirulito, Goiaba, Mercês, Luzia, Glória, Aulísia, Tatão, São Miguel, Tabuadas, Vâni, Lúcio, Sô Benjamim, Zélia do de Assis, Sô João, Sá Chica, Sô Niquito, Dona Zélia, Pai, Mãe e todas as criaturas do mundo.

AMÉM

 

José Sana

Em 09/08/2022


P.S.: Alguém, ou muitos alguéns, com certeza farão o seguinte questionamento:

Li tudo e observei que você não se lembrou dos desentendimentos, as famosas e conhecidas brigas de casais. Sei que vocês brigaram muito (rsrsrsrsrs).

 Verdade, faltou citar essas “proezas” que nunca faltam na vida imperfeita do ser humano neste Planeta. Vou explicar a quem se interessa por este tema. É o seguinte:

Antes de abril de 1944, fui chamado num tribunal fora da atmosfera terrestre e me feita a proposta que precisava analisar e  assinar. Foi-me dito o seguinte: “Você será gerado no Planeta Terra em 4 de abril.  A seguir, entrará para o rol dos vivos em 4 de janeiro de 1945, quando o conflito mundial estiver terminando. Sua família, seu vilarejo, todas as condições necessárias, serão escolhidos agora por você com a aprovação de Deus. Por consequência do clima e ambiente, na verdade viverá no meio de confusões, tumultos, violência, desentendimentos, guerrilhas, falsidades, terror”.

Em seguida, ouço e vejo que enfrentarei as circunstâncias necessárias a uma vida que precisa de reparação, ou seja, necessito evoluir, é a meta da vida. “Você será imperfeito como todos os seus pares. Sofrerá e praticará também injustiças. A maior trama que receberá nem pode lhe ser narrada agora. Então, prepare-se para ela porque não saberá antecipadamente. Será inacreditável para você, não para o mundo”.

E prossegue a explicação: “Mas aguente a barra porque terá plena proteção. Haverá muito ambiente de lutas em seu caminho. A maior bênção que receberá lhe será revelada neste momento: terá como companheira fiel e dedicada uma mulher predestinada que, depois de tantas tormentas, se destacará como sua especial consultora divina. Ela ajudará você a conquistar  a plena paz na vida. Com ela, filhos que reconhecerão a graça recebida e lhe darão, como cereja do bolo, netos admiráveis”.

J.S.

domingo, 7 de agosto de 2022

O "cara" da semana

De vez em quando gosto de eleger o meu personagem, seja do dia, da semana, do mês ou do ano. É uma mania de relevar façanhas importantes no meio em que vivemos. Hoje, domingo, 7 de agosto, sou arrastado pela lógica e patriotismo municipal a escolher alguém para fazer uma saudação simples e que mostre um lado sempre esquecido, o dos seres humanos que trabalham com raça e amor. Arrastado principalmente pela lógica, tal o destacado empenho desse herói, ele pegou um rabo de foguete inimaginável. E segue rompendo muralhas, transpondo obstáculos.



Pois é. Imagine um pobre receber de presente um grande castelo, muito valioso, mas em ruínas. Paredes trincadas, telhado vazando, instalações sanitárias entupidas, água não entra, eletricidade provocando curtos-circuitos, portas e janelas empenadas, pisos e tetos caindo aos pedaços, fechaduras estragadas, vazamentos nas paredes já mofadas, jardins destroçados, torneiras pingando sem parar, chuveiros com pouca água e ainda mais  gelada, contas a pagar de tudo, inclusive impostos, taxas. O coitadinho vai tomar posse de tudo e não pode vender, tem de consertar, reformar e morar. Imaginem.

 

O “cara” desta semana, na situação do falso dono de castelo,  para uns é doido, para outros corajoso, para a maioria entusiasta e, para ninguém, preguiçoso. Sabem o que fez? Aceitou restaurar o castelo mesmo com as mãos abanando e ainda mais, com dezenas de outras funções paralelas em execução.

 

Ele pega o alcácer arruinado,  todo podre – abandonado pela mãe, ou madrasta  —   e topa mexer em toda a estrutura por dentro e por fora. Arregaça as mangas, embora demonstre, ora sim, ora não, meio desanimado. Não perde totalmente a esperança. A ruína chama-se Valeriodoce Esporte Clube, é um clube quase octogenário, um idoso desconhecido pela sua própria criadora. Tantas vezes chamada a ajudar, a vilã tem um jeito de ser expresso na seguinte frase: “Nem te ligo!”

 

O nome completo, de cartório e pia batismal, do “cara” desta semana não é outro senão João Mário de Brito, advogado, operário, juiz de paz, conselheiro de uma série de coisas e mais dezenas de outras funções que, na verdade, não cabem nesta página. Desacreditado no início, resolveu planejar as ações. Incrível correria: burocracias da Federação Mineira de Futebol, dívidas que impediam e tentam impedir o clube de caminhar, grandes obstáculos que outros não conseguiram superar, sequer tentar, e uma disposição irrefreável, só comparável a um trator.

 

O Valério faz o primeiro jogo de seu triunfal retorno e ele se isola na arquibancada, como se na solidão de um estádio desértico pudesse receber o consolo em caso de derrota. Mas, quis Deus que caísse como uma bênção o primeiro prêmio para ir à frente. Venceu. Sai da solidão e vai para outros problemas. A expressão do rosto  é a mesma, não deixa transparecer nem o que ocorre num jogo de futebol: sai medo, camisa zero, e entra coragem, uniforme número dez.

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Se fosse eu uma autoridade dentro da velha Companhia Vale do Rio Doce, que mudou de dono e até de nome, chamaria João Mário de Brito, seu ex-funcionário, para lhe dar uma mão forte a guiá-lo daqui para a frente e sempre. O nosso herói de hoje fez o que a antiga CVRD nunca sequer tentou: colocar  o time do Valeriodoce  em campo e empenhar-se para que seja o  intocável Dragão autossustentável.

 

Nossa saudação humilde, mas sei que de muitos itabiranos também, ao “cara” desta semana, João Mário de Brito.

José Sana

07/08/2022