quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O MUNDO É UM GRANDE FERRO-VELHO



Assusta-me por demais a ignorância humana. Recebemos de Deus um mundo para consertar e só o atrapalhamos. Passo algum é dado no caminho do desmanche desse ferro-velho de questões que se tornaram e se tornam praticamente insolúveis. Há sempre esperança de que tudo melhore, mas ninguém vislumbra luz no fim do túnel. Nostradamus previu que viveremos mil anos de paz. Contudo, somente depois de uma hecatombe terrível. E eu pergunto: quem topa enfrentar uma carnificina mundial?

É lei de há muito escrita em nossos compêndios de cultura e inteligência que todo efeito tem causa. Mas o ser humano nunca topa buscar a causa do mundo. Seria muito mais que necessário saber o porquê de tudo. Indispensável. Todos nós, governantes e governados, só buscamos assentar a poeira, puxar o tapete e nos estender numa sombra de sossego. Um aviso para quem quer buscar a origem do mundo: basta ter coragem e humildade. Com dispensa de diploma de cientista.

Impressionante como cada um de nós aplica sentenças em cima de ideias balofas. Queremos resolver tudo na base do “pros cocos” ou “bumba-meu-boi”. Nenhuma paciência na busca de origens. Para entender isto, basta nos recorrer ao exemplo que a medicina nos fornece. Quando vamos ao médico e queixamos algum mal que nos aflige, ele quer, inicialmente, buscar a causa da desarmonia. Para alívio geral de dores ele receita remédios que são remendos, mas solicita imediatamente exames. Por meio dos resultados, emitidos por laboratórios pode ele saber como eliminar o problema que levou esse paciente à procura de um consultório médico.

Com este exemplo escancarado às suas vistas, o ser humano, seja um cidadão comum ou um detentor de poder, insiste em ingerir analgésicos. E sequer pensa que tal medicação não passa de engambelo. Acaba o problema momentaneamente, mas não corta o mal pela raiz. Assim caminha a humanidade. Assim chegamos a um topo de pacotes de questões. E sequer topamos parar para pensar. Assim só vamos nos afundando, enquanto o ferro-velho cresce como uma barragem da Vale. Um dia vai estourar, um dia vai nos arrebentar.

Dia deste um amigo me disse que o mundo é uma ratoeira cheia de ratos. Só crescendo. A reprodução, segundo ele, ocorre com ratazanas cheias de vontades de se multiplicarem e sequer sem saber que Malthus (1766-1834) morreu mas deixou as suas ideias, apenas colocadas de lado, mas que sempre voltam à tona: disparidade entre o crescimento demográfico e a produção de alimentos no mundo. Mas não somente a fome nos ameaça. O grito fatal se chama ignorância, preguiça e medo e inabilidade para respeitar a natureza. Será que Nostradamus tinha razão sobre  primeiro horror depois a paz?. E quem vai sobrar para contar como foi a catástrofe?

José Sana

Em 28/02/2019

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

NÃO SOMOS MESMO UM POVO SÉRIO

A palavra carnaval é originária do latim, “carnis levale”, cujo significado é retirar a carne e está relacionada com o jejum que deveria ser realizado durante a quaresma e também com o controle dos prazeres mundanos. Isso demonstra uma tentativa da Igreja Católica de enquadrar os festejos de muita libertinagem como uma festa pagã. Nos tempos atuais, começam distribuindo preservativos, o que quer dizer “façam à vontade”.


Seja como queiram interpretar, carnaval é mesmo algo ligado a orgias, perversão, comemorações por motivos diversos, fantasias, irrealidade. Tais festas sempre foram tidas como pagãs pelo cristianismo. Nessa concepção, havia a crítica da inversão de valores e das posições sociais, pois, para a Igreja, ao inverter os papéis de cada um na sociedade, mudava-se em 360 graus também a relação entre Deus e o demônio.

Não vou entrar nesse pormenor, mas apenas reafirmar que se trata de festa de júbilo, comemoração, alegria, busca da irrealidade. Vou apenas lembrar o tanto que foi repetida uma frase, atribuída a Charles De Gaulle, presidente da França, na década de 1960, referente ao Brasil, encaixada entre dois episódios. Um, de um quase enfrentamento entre Brasil e França devido a uma crise diplomática por causa de pesca da lagosta no litoral do Nordeste brasileiro; o outro episódio foi encaixado nos dias e até meses em que o ser (des) humano se mergulha em festas carnavalescas. De Gaulle teria proferido esta frase: “Le Brésil ne pas un pays sérieux” (O Brasil não é um país sério).




Quem se aventura em elevar esta frase ao patamar dos sentidos humanos sou eu e mais uma meia dúzia de seres humanos. Acreditamos que não deveria se realizar o carnaval, pelo menos em Minas Gerais, neste conturbado ano de 2019. Neste caso não me refiro ao carnaval custeado por dinheiro público, que nunca deveria mesmo se realizar. Trato neste momento da tragédia que atingiu, em cheio, o coração dos mineiros: o estouro da barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale em Brumadinho, fato mundialmente chamado de  maior desastre ecológico e humano do Brasil em todos os tempos.

Quantas vidas se sucumbiram ao desastre? Não se sabe. Dizem que foram mais de 350, entre mortos e desaparecidos. Conversando com cidadãos que estiveram na região da tragédia nos últimos dias, comentários são frequentes de que entre 700 a um mil pessoas estão sumidas. Considero uma grande falta de inspiração não ter sido realizada ainda, de preferência sob o patrocínio da Prefeitura de Brumadinho, uma espécie de senso demográfico para se apurar, com segurança, quantas almas partiram para o além nessa tragédia incomum. E, enquanto isso não ocorre, teria que ser cancelado, como medidas de total respeito aos mártires que deram a vida há  um mês para que os possamos debruçar na realidade, refletir e decidir o futuro da mineração em Minas Gerais.

Podem me crucificar por escrever isto. Sei que a maioria não aprova tal ideia. Quanto mais opiniões contrárias surgirem, mais claro fica que carnaval é para momentos que merecem aplausos, comemorações, surrealismos. Está na hora, sim, de continuarmos com o choro pelas vítimas indefesas e tentarmos, pelo menos, tocar a sensibilidade dos que preferem dizer que a vida continua. Vão me pregar numa cruz simbólica quem me lê agora. Eu mesmo busco madeira, pregos, arame farpado, martelo e alicate. Vamos adiante. Mas engulam o que vou repetir: este, além de não ser um país sério, chega a sugerir que estamos  numa terra de animais desumanos e ferozes, que nem precisam viver uma quaresma para que se intitule bicho-homem. Completo e vergonhoso.

José Sana
25/02/2019

sábado, 23 de fevereiro de 2019

CABRITO VIRA CONSULTOR E AZUCRINA MINERADORAS

Até que enfim o Cabrito teve vez e encontrou uma colocação que pudesse lhe pagar na sua moeda corrente, fechos verdes de capim.  Faz mais de 50 anos que ele não consegue um emprego nem de contínuo de ajudante de serviços gerais. Agora se assusta com um convite inusitado: torna-se consultor para direcionar as iniciativas certas e incertas de mineradoras.

Quem o convida - e ele aceitou logo, logo, logo -  foi a conhecida empresa Companhia Rio do Vale Amargo (CRVA) que  havia detonado Mariana como ensaio de preparação. Então, resolve abrir as comportas de Brumadinho em ato solene e inesquecível. No primeiro evento, comandado diretamente de Bento Rodrigues, passagem da Estrada Real, houve um controle de situações: morrem somente 19 pessoas, mas milhões de peixes são punidos dentro da lei chamada “o justo paga pelos pecadores”, além de outros componentes da fauna e  toda  flora, até o oxigênio do então rico Rio Doce que se torna agora e oficialmente Rio Amargo. 

Porquanto, tudo desanda: sabe-se que padecem para sempre 176 humanos e praticamente o mesmo tanto desaparece no meio daquela lama insondável e infinita. Para a justiça dos seres humanos, o restante sumido não vive, mas também não morre, ou seja, encontra-se em lugar incerto e não sabido, no vale do muito antes pelo contrário ensinado pela classe política.

No seu primeiro dia de trabalho, reunido com os senhores proprietários de ideias malucas, o Cabrito deu a dica: vamos começar assim, assim, assim, assado, assado, frito, falado e dito. As  ideias nascem  de sua cabeça cheia de chifres, como os chifres de veados galheios, apontando em várias direções. Baseado no seguinte pensamento: a CRVA adota a sua estratégia, que se resume no anúncio de “O Capeta não existe, mas ele pode aparecer para você”. 

Pressionado pelos demais malucos das reuniões a explicar a sua máxima para detonar o mundo ele explica: “As barragens da CRVA são seguras mas elas podem estourar”. Complementando, o Mestre Capra ou Mestre Bode ordena  que todas as barragens ou juntados de água e lama sejam montadas com sinais de pavor. E explica: tudo ao mesmo tempo em Ouro Preto, Nova Lima, Rio Acima, Itabira, Araxá, entre outras cidades, para que todos saibam que a CRVA cuida de tudo.





Estado de emergência é o nome mais bonito sugerido pelo Cabrito, imediatamente aceito pela CRVA. Depois da invenção da sirene, inspirada na trombeta do apocalipse, a determinação seguinte é criar agentes de treinamento para o povaréu seguir. Serão adquiridas bolsas voadoras, muletas motorizadas e coletes à prova de lama, além de tapa ouvido de aço e dentaduras elétricas.

Os ares mineiros estão sendo saturados de áudios que comunicam o pavor: a partir de agora todos os seres humanos, habitantes próximos ou mesmo distantes das áreas de barragens, ou auto-salvamento, terão que aprender técnicas de fuga, nadar na lama, correr como Usain Bolt, driblar pedras e barrancos como Pelé e Garrincha faziam no futebol. As recomendações incluem idosos de todas as classes, de 60 a 100 anos; portadores de necessidades especiais; aleijados, perrengues e doentes de toda natureza, cegos de um olho ou dos dois, que correrão de bengalas, e surdos que serão cutucados por espetos de assar churrasco dos compridões.

Por enquanto, fica assim: vamos aguardar novas ideias do Cabrito, sabendo-se que ele não deixará um só local sem implantar pavor, terror, alarde, alarme, aflição, preocupação, medo, intimidação, agitação, turbulência e grupos de oração e súplicas religiosas. Assim vai funcionar a técnica de mostrar que a CRVA está trabalhando lado a lado com você e espera que todos esqueçam as desgraças havidas e vividas em Brumadinho. 

A ideia de Brumadinho esquecida lembra a filosofia de Nelson Rodrigues em uma das peças de “A vida como ela é”: “A viúva vela o marido de manhã; à tarde está na porta de sua casa chupando chica-bom”. O Cabrito ensina amnésia em todos os idiomas e cumpre o seu dever.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

EU QUERO UM CANTINHO NA ARCA DE NOÉ

A mineradora agora começa outra fase de dominação. Nossas historiadoras catedráticas já revelaram detalhes delas, incluindo invasão e segregação. A antiga CVRD  trata agora de anunciar, em áudios parecidos com o que vimos naquele filme “Fuga de Alcatraz”, que você e eu estamos debaixo de barragens inevitáveis e podemos ser levados na lama e tragados por ela, para aonde não se sabe.

O Comunicado Vale é uma nota de terror. Avisa, em voz de comandante de batalhão de guerra, que a partir da próxima semana, no mês de março, a população de Itabira será visitada por um grupo de... peraí... agentes da empresa em conjunto com, sabem quem? ... peraí... Defesa Civil de Itabira, ou melhor, a imaginária Defesa Civil. Ambos, agentes da Vale e Defesa Civil, vão salvar as nossas vidas, enquanto estivermos num trajeto de dez quilômetros da região denominada “Auto-salvamento”. Aprenderemos, entre outras utilidades, as técnicas de fuga.

Vamos aprender a fugir. Tomara que não nos ensinem a fazer atos deploráveis e, em seguida, sair em desabalada correria. Tomara que bandidos não se aproveitem disso e não façam doutorado e mestrado nessa especialidade imoral da escapadela. Se você tem mais de 60 anos, como é o meu caso, restar-lhe-á (desculpem-me a fora de moda mesóclise), ou a nós, entregar a rapadura, como dizem na minha terra. O Comunicado Vale, repito, é uma nota de horror. Só faltou a assinatura de um terrorista do EI.

Por que será que a Vale resolveu fazer isso agora com a gente? O primeiro terror era que o minério ia acabar, o tal recado de nome próprio “Itabira 2025”. Não acabou o pandemônio, mas veio o aviso de que o mercado não estava nada bom para o Sistema Sul e que ela, a nossa conterrânea Vale, nascida aqui e já foi chamada de mãe e até de madrasta, vai nos deixar, pesarosa e chorosa, em 2028. Agora ela manda essa nota que, juro, me fez tremer da cabeça aos pés.

Devo ser eu um despreparado para isso. Um babaca qualquer. Medroso! Que vergonha! Nessa idade toda e com medo de morrer sufocado... Sempre tive medo de ir à guerra, confesso. Nunca me alistei em exércitos. Aliás, quando fiz 18 anos, fui ao 11º Regimento de Infantaria, localizado na Rua dos Tamoios, em BH, perto do Colégio em que estudei, o Anchieta, hoje Newton Paiva.

Empurrado por emburrados cabos e sargentos para o pátio do dito 11º RI, exigiram que marchasse como um soldadinho de chumbo. Precisava de um documento de dispensa, por isso me sujeitei a essa humilhação cidadã. Os taróis tocaram e marchamos. Tentei não rir, mas, segurar como? Depois berraram o “Alto”, “Sentido”, e gritaram um “Direita Volvei”, em seguida “Esquerda Volvei”. Finalmente, “Descansar”. Em tal ocasião, precisei marchar errado, o que sabia fazer certo, para ganhar a dispensa chamada “Certificado de Reservista”, sem o qual papel, assinado e carimbado, empresa nenhuma me aceitaria como funcionário.

Foi um terror e agora outro terror se apodera de meus nervos. Naquele tempo temia ir para o Exército. Agora estão me convocando de novo. Quem diria! O medo não acaba. Alguém vai me acalmar, além dos agentes imaginários e inadmissíveis? Podem confirmar se a Arca de Noé, que salvou parte da humanidade nos tempos bíblicos, será de novo acionada? A Vale vai montar essa grande barca para salvar tantas e tantas milhares de vias? Será que tem lugar para todos nós? Quanto somos? Eu prefiro essa arca a ficar exposto a ordens de suspeitos e destreinados agentes.



Charge de Duke do Jornal O Tempo de 22/02/2019

Agora me vem um secretário do governo mineiro e diz que a operação “área de auto-salvamento” da Vale é um teatro para tirar o foco de Brumadinho arrasada, onde o número de mortos confirmados é mais ou menos a metade dos que se estima terem desaparecido, ou seja, cento e bordoadas. E vêm ainda os agentes da mineradora para nos ensinar a ouvir sirene (adianto que tenho problema de audição), ou será mesmo a trombeta do apocalipse que soará na calada da noite? Que noite é essa? E correr (ainda bem que minha perna sarou da dor no joelho). Subir em árvores ( já treinei muito esses dias). A solução é cair fora, vazar, como diz o mineiro. Não avisei que tinha coisa pior que exaustão mineral?

Não tem ironia neste texto. É tudo pura verdade o que rabisco de mãos trêmulas. Estou mesmo é com medo, volto a dizer. Seja o que Deus quiser. Espero que Ele prepare um destino mais agradável para todos nós, incluindo você que nem sei o que pensa.
 Amém!!!

JOSÉ SANA
22/02/2019

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

ARGUMENTOS DE UM DEFENSOR DA VALE E RESPOSTAS

Um longo texto circulou nas redes sociais nos últimos dias. Seu título: “UM DEPOIMENTO A FAVOR DA VALE  E DOS EMPREGADOS PRESOS”. Como se vê, esta sequência  da CATEGORIA DOCUMENTÁRIO teve que ser alterada em função de ocorrências que não estavam em nossos cálculos, relativas à vulnerabilidade das barragens, tendo como destaque o tema que abalou Minas Gerais, o Brasil e o mundo: o rompimento da Barragem de Brumadinho (MG).

O texto é abordado neste capítulo, considerando a sua repercussão e a necessidade de explicações. Vamos aos pormenores, deixando claro que a abordagem continuará no próximo capítulo.

UM LADO — Por que tanto ódio contra a atividade de mineração por parte do Ministério Público, da justiça, da imprensa, das ONGs e até da comunidade de uma forma geral?

OUTRO LADO  — Se existe o ódio deve ter sido provocado pela gravidade do problema: ceifou centenas de vidas, destruiu a natureza em muitos e muitos quilômetros e nem se sabe, por enquanto, a dimensão dos estragos. Há uma comoção pública pelo que aconteceu.

UM LADO — Por que reações como essas posteriores aos acidentes de Mariana e Brumadinho não ocorrem quando acontecem acidentes aéreos, por exemplo, ainda que com muitas mortes e até mesmo com a contribuição de falhas humanas? Talvez porque a sociedade entenda que a aviação é uma atividade necessária e que traz benefícios à todos, mesmo com riscos de acidentes ocorrerem? Assim, mesmo após um acidente aéreo de grandes proporções, praticamente nada acontece contra a indústria aérea e todos continuam viajando normalmente como se nada tivesse acontecido. E as empresas aéreas, mesmo que tenham contribuído de alguma forma para o acidente, acabam não sendo punidas.

OUTRO LADO  — Quando nascemos, recebemos na natureza uma sentença de morte. Ninguém a leva em consideração. A luta pela vida começa exatamente no instante em que somos gerados, crescendo sempre mais depois do nascimento. Viver é perigoso. Há um risco maior naquilo que podemos evitar, ou seja, que o que é chamado a atenção por prejudicar a saúde. Exemplos: ingerir bebidas alcoólicas, fumar, usar drogas,  consumir alimentos perigosos etc. Ao virarmos a Serra da Boa Esperança precisamos ficar atentos. As especialidades médicas que confirmem esta verdade. A aviação é um risco como a vida, como andar de carro é arriscado, como montar um cavalo idem. A mineração tem uma série de riscos que crescem como uma doença no seio da sociedade. Por agredir claramente a natureza, desequilibrar o meio ambiente, ela deveria e deve chamar mais a atenção. No caminhar do tempo ela se agrava. Daí a revolta dos que esperam maior desvelo das autoridades e das mineradoras.

UM LADO — Os danos ambientais causados por estes recentes acidentes são inegavelmente imensos, mas possíveis de serem minimizados e controlados, basta ver a situação atual da região afetada pelo desastre de Mariana.  Se compararmos com o agronegócio, os danos ambientais causados por ele  são muito maiores do que aqueles causados pela mineração. Um exemplo é o que acontece com o crescente e descontrolado desmatamento na região amazônica. No entanto, o agronegócio é festejado pela imprensa com mensagens como “agro é pop, agro é tech, agro é tudo”.

OUTRO LADO  — Vou recorrer a uma mensagem vinda de morador de Mariana que retratou a situação que essa pessoa vê... Leiam: “As comunidades ribeirinhas estão abandonadas. O povo padece. Muitos ficaram cegos, houve suicídios, número altíssimo de depressão, doenças de pele e outras, sem nenhum tratamento ou medicação. Sem ter o que comer e até como sobreviver. Pior. No início foi uma febre. Todos querendo ajudar. Depois caíram no esquecimento. Algumas igrejas evangélicas é que fazem um trabalho de missões junto aos totalmente esquecidos. Não pode ver somente a área central e as não atingidas como referência. O importante é acompanhar as atingidas. Essas, sim, estão em estado degradante. Nem prefeitura, nem Vale, nem governo, ninguém. Só mesmo Deus”.Narrada uma visão de Mariana. E o Rio Doce? Não é mais doce. E com ele degradou-se a biodiversidade à volta de todo o ecossistema.

UM LADO — Quanto às mortes causadas pelo rompimento dessas duas barragens, os números são absurdamente altos e definitivamente tudo que for preciso terá que ser feito para que outras mortes não aconteçam por motivo semelhante. A Vale tem por obrigação arcar com todos os custos decorrentes dos acidentes e a indústria da mineração como um todo não terá outra chance de errar. Devemos nos lembrar, porém, que uma grande quantidade de mortes, muito maior do que aquelas ocorridas em Mariana e Brumadinho,  ocorrem por descaso do poder público. Não é preciso ir muito longe apenas para citar o que acontece nas BRs 381 e 040 perto de Belo Horizonte, mas nem por isso o MP interdita as estradas ou manda prender os responsáveis, pois os seus membros entendem que estradas são necessárias, ainda que em condições precárias, e por isso aceitam correr riscos.

OUTRO LADO — O autor do texto se mostra com razão quando se refere à violência nas rodovias. Mas não pode culpar senão ao que ele não citou e cometeu tal erro: os políticos. São eles os verdadeiros culpados. Vê-se o quanto a corrupção vem se alastrando por este Brasil afora. Sabe-se que muitos milhões de dólares serviram até para grandes obras em outros países da América Latina. E somos nós, brasileiros, obrigados a engolir a explicação da falta de dinheiro, verbas, recursos. É bom que ele faça uma revisão no seu texto e inclua: presidente da República, ministros, senadores, deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos e vereadores. Só não se explica — porque o erro, como o crime, não se justifica. As mortes prematuras são irreversíveis e só servem como exposição de mártires.

UM LADO — Por que então esse mesmo comportamento não se aplica à mineração? Será  porque pensam que ela não é tão útil para a sociedade como a aviação, o agronegócio ou o transporte  público? Será que os promotores  não se lembram de que o aço dos seus carros ou o tijolo das paredes de suas casas têm a sua origem na atividade de  mineração?

OUTRO LADO — Acredito que a resposta a esta questão foi dada no item anterior.

UM  LADO — Talvez nem todos saibam, mas não é possível mudar a localização de uma jazida ou mina e, por isso, nem sempre elas estão nos lugares ideais. Em muitos casos, como na cidade de Itabira, por exemplo, a mineração chegou primeiro e as cidades cresceram ao seu redor, sem que o poder público tomasse qualquer providência no sentido de garantir a segurança dos moradores.
OUTRO  LADO — “Itabira, na década dos 30, era uma cidade amável e pacata. A sua topografia acidentada dava-lhe um aspecto de presépio. Ruas tortuosas, calçadas de ferro, grimpavam a serra, com seus velhos sobradões coloniais, arrimando-se uns aos outros” (ALVIM, 1980. p.11).

“Itabira é uma cidade típica mineira; mineira de Minas Gerais e das minas de ouro, minério de ferro e pedras preciosas. Nascida no século XVIII com a exploração do ouro, Itabira consolida-se como uma cidade monoindustrial a partir da instalação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, quando essa empresa passa a predominar na economia e a influenciar os demais aspectos da vida local.” (SILVA, 2004, p.22).

“Outra característica é que, quando a CVRD se instala, a cidade já se configurava como um espaço urbano construído a partir de atividades econômicas como a exploração (rudimentar) de ricas jazidas de ouro e de minério de ferro, siderurgia incipiente (pequenas forjas), agropecuária, indústrias têxteis, atividades culturais, dentre outras”  (SILVA, 2004, p.22).

“Apesar das narrativas sobre a história de Itabira acentuarem uma controversa estagnação econômica com declínio da exportação de ouro entre os anos de 1870 a 1910, a economia extrativista se manteve ininterrupta através das companhias inglesas, autorizadas a operar em Itabira desde 1820” (FERREIRA, 2025, p.61),

“De 1705 a 1942 temos os interesses econômicos e políticos imperiais circunscrevendo, inventariando, planejando, determinando e executando projetos para Itabira” (FERREIRA, 2025, p.65).
“Haverá uma terceira e diversa Itabira? Meu Deus, como me doeria responder sim à pergunta, e confessar que em 1933 o antigo menino da Rua Municipal foi encontrar a sua cidade habitada por um pelotão de velhos, que nada poderiam dizer, e por um exército de rapazes e meninas, para os quais não tinha nenhuma mensagem (FERREIRA, 2025, p.72 apud Andrade, 2002, p.574).

“Até a década de 1940, Itabira era uma pequena cidade com uma população urbana de 6.254  habitantes (rural de 11.792) , isolada no interior de Minas Gerais, apesar de possuir um espaço urbano e uma sociedade estruturada. Existiam várias escolas de primeiro e segundo graus, teatro, clubes, jornais e uma elite que acumulou riquezas com a exploração de ouro, de ferro e outras atividades econômicas” (SOUZA, 2007, p.43).

“Os bairros  operários  situavam-se próximos às minas de Conceição e do Pico do Cauê, obedecendo a uma lógica empresarial que disponibilizava e deixava  em prontidão os operários, trabalhadores essenciais ao funcionamento dos equipamentos industriais como> mecânicos, escavadeIristas, tratoristas, entre outros” (SOUZA, 2007, p.75).

“Para Piquet (1998), em Itabira, diferentemente de outras cidades, o espaço urbano não foi edificado em torno de instalações industriais. Foi a indústria extrativa que se instalou junto à cidade que se expandiu em decorrência da atividade da empresa mineradora.” (OLIVEIRA, 2008, p.39).

De acordo com as informações, o que todo mundo já sabia e sabe, menos o autor da defesa da Vale: Itabira tem mais de 300 anos, enquanto a Vale deve chegar aos 77 anos em junho próximo. E a invasão da mineração na cidade foi feita pela própria empresa. Então, fica incontestável a afirmação de que a Vale chegou muito e muito depois de Itabira e que promoveu a invasão, segregação e dominação.







PRÉ-CONCLUSÃO  —A Defesa Civil do Município de Itabira não tem nada a informar ou esclarecer à população, já que a Vale S/A garantiu aos vereadores que cumpriu suas obrigações legais ao entregar para a Prefeitura de Itabira e à Defesa Civil os Relatórios/Planos de Ação de Emergência das suas barragens em Itabira... (Nivaldo Ferreira dos Santos).

Em visita ao escritório da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil foi constatado que a Defesa Civil são duas funcionárias de plantão esperando chuva. Se a barra pesar, chamam quem pode para socorrer quem está n'água. Sobre barragens entendem menos que eu. Mas o pessoal de Serviços Urbanos vem e se confessa nas nuvens. Vamos procurar outra praia. Ninguém detém a Natureza em fúria (Cidadão A)

É urgente que a Prefeitura estruture adequadamente a Defesa Civil do Município e fiscalize efetivamente as barragens, elabore o Plano Municipal de Contingência para Barragens e cobre da Vale o apoio técnico e financeiro, que já está previsto em normas legais... (Nivaldo).

ANÁLISE E CONCLUSÃO — Ficam para o próximo capítulo depois da sequência deste tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Clóvis. Escritos Bissextos. Belo Horizonte: Vega, 1980, 176 p.

FERREIRA, Ana Gabriela Chaves. Mineração em serra tanto bate até que seca - A presença da Vale em Itabira para além do desenvolvimento dos conflitos ambientais. Belo Horizonte: TCC, 2015, 134 p.

SILVA. A Terceira Itabira. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, 256 p.

SOUZA, Maria do Rosário Guimarães de. Da Paciência à resistência: conflitos entre atores sociais, espaço urbano e espaço de mineração. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2007, 176 p.
Fotos: Notícia Seca/Divulgação

José Sanas
20/02/2019

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

PRECISAM-SE DE LÍDERES EM ITABIRA. URGENTE!


“Itabira vive o seu mais delicado momento da história”. Estas palavras me foram escritas por um personagem ligado a uma conceituada mineradora. Em seguida, o executivo completou o pensamento: “Os itabiranos têm tudo para reconstruir a cidade, mas precisam se conscientizar do que devem fazer”. Fica assim definido para maior registro deste alerta que, por mais desacreditado que seja, não faltaram lembretes a cada um de nossos habitantes a esta altura do tempo.

“Precisam-se de líderes vivos ou mortos”. A frase ainda não foi pincelada por aí, mas vou começar a fazê-lo. Se não os vivos, teremos que erguer faixas aos que se foram. Que tragam suas memórias vivas para nos salvar. Cadê os vivos? Estão escondidos? Hora de sair da toca. Heróis, sim, super-heróis, não. Nada de figuras que se despontam nos filmes e fizeram parte de revistas em quadrinhos de antigamente como Zorro, Jerônimo, Capitão Marvel,  Robin Hood, Superman, Incrível Hulk, Homem Formiga, Homem de Ferro, Homem Aranha, Mulher Maravilha.

Por trás do momento delicado que vivemos, alertado pela própria empresa nascida em Itabira, existe uma espécie de cenário de filme, diria que o italiano, lançado em 1999, “A Vida é Bela”. Defendo sempre essa beleza de vida, mas tudo depende de nosso esforço e trabalho. Já todo o encantamento é o que  parece extraído do filme resumido rapidamente no seguinte teor: durante a Segunda Guerra Mundial  na Itália, um judeu foi levado com seu filho para  o campo de concentração nazista. Afastado da mulher, usa a imaginação para fazer o menino acreditar que estão participando de uma grande brincadeira, com o intuito de protegê-lo do terror e da violência que os cercam.

Entenderam o que acontece em Itabira? Os políticos nos bloqueiam -  e parecemos crianças diante deles -  pirralhos ouvindo lorotas e historinhas enganadoras. Estamos num campo de concentração e nos enganam. As barragens de minério de ferro podem ser onde seremos executados sumariamente. Alguém pode dizer que a intenção dos políticos e dos outros chefes seja boa, elogiável, piedosa. Mas, na verdade, não somos mais figuras infantis e sem a nossa ação haverá uma vitória nazista e fascista no lugar do triunfo dos Aliados.

Volto à convocação de líderes. Nesta semana despontou-se um candidato forte.  Seu nome: André Viana Madeira, 33 anos de idade, vereador e presidente do Sindicato Metabase de Itabira. Ele compareceu a uma audiência pública na Assembleia Legislativa e a uma sessão no Congresso Nacional que trataram do terror ainda  em evidência nestas plagas e que persiste desde quando estourou a Barragem de Brumadinho. A infelicidade da Vale, que é a nossa super infelicidade, levou centenas de vidas para o além, mártires que  precisam ser entendidos integralmente para que nada mais ocorra neste horror que é a Faixa de Gaza em que se transformaram algumas de nossas cidades, também e principalmente Itabira.

Vereador e sindicalista André Viana (foto Divulgação)
Para fazer justiça e, ao mesmo tempo, incentivar outras lideranças, elejo André Viana, pelas suas belas e corajosas palavras ao cargo de primeiro candidato a subir no pedestal e ser um de nossos representantes fieis e originais, dos quais necessitamos urgentemente.

O itabirano ainda faz corpo mole, mas vai ter de tirar o pijama, arregaças as mangas e tomar vergonha na cara. Gostaria que o prefeito Ronaldo Magalhães atendesse a esse chamado. Apreciaria muito ver o nome dele escrito em letras garrafais e de ouro nas páginas de história de Itabira, cheia de espaços em branco e muitos buracos de omissão.

Gente, só temos compromisso com o futuro, o resto é fantasia, acaba depressa  e vira pó. Se não salvarmos Itabira seremos execrados pelas futuras gerações. Inapelavelmente.

José Sana

Em 14/02/2019


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

CHEGA DE ESCORRAÇAR A VALE, NEM SANTA NEM DEMÔNIO

Depois de muitos  anos de bajulação obsessiva, finalmente descobriram que a Vale S.A., antiga Companhia Vale do Rio Doce, não é uma empresa santa. Até então, ela bem podia ser carregada num  andor  como um leitão assado, porque era alvo de sedentos olhares de milhares de macacos de auditório.

Contradições nas buscas de explicações pelo super acidente de 25 de janeiro, ocorrido em Brumadinho, mostram que a mentira campeia em cada uma das notas oficiais e das entrevistas de diretores da segunda, senão a primeira, empresa mineradora  do Planeta Terra.

Morreram 19 em Bento Gonçalves, distrito de Mariana, há três anos; danificaram o meio ambiente de forma avassaladora, acabando com um dos maiores rios brasileiros, o Doce, que deságua no  Oceano Atlântico; entre desaparecidos e mortos oficialmente, em Brumadinho, somam-se mais que 400 cidadãos, além de outros crimes cometidos contra o meio ambiente; para  completar a farra triste e melancólica, o terror começou a reinar  em outras cidades, como Barão de Cocais, onde várias famílias foram arrancadas de suas residências na calada da noite, sob o triste aviso de que estariam correndo o mesmo risco das vítimas de barragens, ou seja, poderiam desaparecer. Enquanto isso, Itabira já pôs as barbas de molho, apesar de uns cidadãos que andam devagar, quase parando.




Em poucos dias, então, arrancaram a santa mineradora do céu e a mandaram de cabeça para baixo aos quintos do Inferno, sem passar pelo Purgatório de Dante. Agora a Dona Vale, que esconderia fatos, ou não seria  transparente, sofre impiedosamente na língua do povo. Imprensa, redes sociais, advogados, engenheiros, médicos, políticos,  politiqueiros, entidades diversas, órgãos públicos, donas de casa, jovens  - cada um está descendo a lenha na poderosa mineradora.

A bem da verdade, não é por aí. Se a Vale seduziu Codemas, Feam e Copam, espalhados por Minas Gerais, a culpa central,  principal, reside na força do Deus Dinheiro (DD), aquele senhor todo-poderoso que, na verdade, manda e desmanda em todos os cafundéus  do Judas neste Globo Terrestre. A submissão dos chamados órgãos públicos, os mesmos que emitem licenciamentos ambientais, é tão contundente e  vergonhosa que vou lhes contar um fato simples e resumido. Faz até rir de tristeza.

Na década de 1990, como editor da revista DeFato, fui à sede de um órgão para entrevistar uma figura exponencial e que não mais está lá. Em dado momento de nossa conversa, tive que usar o banheiro e essa pessoa relevante, do sexo feminino, acabou fazendo uma confidência fora de seu controle: “Não temos papel higiênico no banheiro. A  mineradora tal ficou de mandar ontem e não mandou”. Fim da história. Fiquei paralisado com a revelação  - a empresa X manda papel para a organização Y  limpar-se - é um jugo tão forte que me perdi no raciocínio da entrevista. Usei o banheiro, não precisei de papel nenhum, senão o que anotei a seguinte frase: “Y é um pobre órgão público do bumbum sujo!”

Vou terminar porque não fica muito bem defender a Vale. Mas alguém tinha que botar um freio nesse apedrejamento de uma única culpada pelas desgraças que ocorreram neste  início de 2019. É injustiça muito cruel jogar a culpa somente na empresa que comete pecados, crimes e outros absurdos, e poupar os bundas-sujas. Não façam isso com a Vale porque ela tem uma dívida enorme com Itabira, que lhe deu a vida em riquezas minerais e mão de obra quase de graça. Está chegando a hora de acertar as contas  e eu já estou tentando acordar os itabiranos bundas-moles.

José Sana

13/02/2019

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

A ALEGRIA INCONTIDA NAS PEDALADAS DO FAMOSO TED

Vou contar aqui uma história interessante e junto dela revelar quem é, o que faz, como viveu e agora vive uma figura chamada Ted. Antes, porém, devo reportar a uma cadela que era a mais querida de Itabira, foi encontrada no Contorno Rodoviário de Itabira, localidade do Barreiro. Os seus patronos foram meu filho André e sua esposa, Clarissa, na época, noivos. Amantes incondicionais de espécimes da raça canina, sem preconceito, porque nunca fizeram diferença entre nenhum cão de raça e outro vira-latas, captaram a personalidade do mundo mais amigo do homem. A figura encontrada estava à beira da morte, foi ressuscitada e recebeu o nome de Vida. Nós a chamávamos carinhosamente Vidinha e ela ficou até certo ponto lembrada na lista dos mais famosos de minhas crônicas.

Vidinha viveu uns bem esticados 15 anos sob a nossa proteção; teve o carinho que nenhum semelhante teve;  salvou-nos de vários furtos no quintal de nossa casa e namorou somente um também vira-latas, conhecido como Peludo, numa rua do Bairro do Pará. Teve com esse seu galã preferido nada menos que 30 filhotes, criados com carinho; foi deslocada para outro endereço, obrigada a trair o Peludo uma única vez e da união extra-conjugal nasceu apenas um filhote, nati-morto, cuja ocorrência abalou a estrutura de Vidinha. Vidinha faleceu, coitada, depois de uma doença de idade, estava mais pra lá que pra cá, e provocou uma crise de choro espalhada em toda a nossa família.

Quando Vidinha, de cor escura, partiu para o além, e foi para o céu, segundo a maioria de nossa turma, eis que um milagre da vida ocorre inesperadamente: aparece na porta da casa de meus filhos uma réplica dela, só que do sexo masculino. O recém-chegado, percebendo a existência de uma matilha desvairada num ambiente muito acolhedor, resolveu apostar num otimismo incrível: pernoitou duas noites na porta da residência dos quase uma dúzia de vira-latas e acabou sendo acolhido. De minha parte, tentei nomeá-lo sucessor da falecida, implantei na preparação de sua certidão de nascimento  o nome de Vidinho, mas não consegui emplacar a minha ideia. Minhas netinhas já estavam espertas e o denominaram Ted. Assim chegamos ao Ted e vou narrar a sua saga e seu deslumbrante currículo até o momento.
Ted esperando ser fotografado para sair feliz, pedalando seu biciclo

Levando a vida de deputado do baixo clero, Vidinho, ou melhor, Ted, aprontava  aventuras inimagináveis. Saía da casa de seus padrastos e vagava pelas redondezas, embora bem sinalada e com pedidos constantes de baixa velocidade dos veículos. Como era esperto, tinha um GPS bem avançado funcionando, sempre retornava ao lar, lugar por ele escolhido, graças à persistência tenaz que Deus lhe deu. Mas, eis que acontece um princípio de fatalidade: vem uma motorista desarvorada, ou desmiolada, e atropela o querido Ted. No atropelamento, um fato ficou como definitivo: perdeu a mobilidade das patas traseiras e, mesmo com o atendimento de especialistas em Itabira e em Belo Horizonte, de fisioterapias e outros cuidados especiais, não conseguiu a sua recuperação total.

Contudo, há de se considerar que a tecnologia atual está avançada e por ela acabou sendo premiado. Os donos dele correram atrás e descobriram uma solução: uma cadeira de rodas bem inteligente, fabricada com patente registrada, que lhe permite locomover-se como um automóvel potência 3.0. Esperançoso e, como sempre persistente, chegou o seu grande dia. Neste 7 de fevereiro, finalmente, tem o presente que a sua inteligência intuitiva pressentiu, o equipamento a que denominei “biciclo”, que o deixou completamente prazenteiro, ou mais que isso, com o  jeito de ser o vira-latas de raça mais feliz do mundo.

Foi-lhe colocado o equipamento. Abotoa daqui, puxa uma corrente dali e ele sente a liberdade tomando conta de si: saiu em desabalada correria pelas ruas, com certeza pensando que não pode ser atropelado mais uma vez. Está feliz e realizado. É o que merece pelo sofrimento vivido. Minhas netinhas, que ficaram, inicialmente, com medo de que ele fosse perder o equilíbrio, assustaram-se com a sua força de cachorro-equilibrista. E ficaram boquiabertas diante daquela demonstração de perícia de piloto do nível dos de Formula 1. Agora, o ex-sofredor Ted, que nunca reclamou de ter-se tornado deficiente físico, agora é e será admirado por quem conhecer esta belíssima vida canina.

Registre-se um novo quadro que virou fato corriqueiro no Canil Leal: Ted sai pedalando como um pássaro que levanta voo, enquanto os demais colegas de habitação olham assustados, todos os seus amigos batem palmas imaginárias de satisfação porque ele venceu na vida, persistindo e acreditando, exemplo até para os humanos. Viva o Ted!

José Sana

Em 08/02/2019

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

"JUSANTE É A MÃE!"

Eu atravesso a rua e vejo um amigo que diz me ler em todas as minhas baboseiras escritas ou rabiscadas. Ele fala, explica, quanto mais tenta se ajeitar, mais se enrola. É um dos leitores mentirosos que tenho. Ou melhor, mentiroso sou eu, ele apenas faz parte do rol  daqueles que gostam de agradar. Ele se mostrava completamente do meu lado mas na contramão dos meus pontos de vista. Então, não era um leitor.

Abri esta coluna de hoje para dizer que não eu mas outros precisam ser lidos, embora quase ninguém é visto, sequer em manchetes. Daí o meu consolo e, ao mesmo tempo, tristeza atroz. As pessoas precisam ler não somente os textos, principalmente, livros bons e cheios de histórias verdadeiras, literaturas fantásticas. Para se formar uma identidade coletiva é preciso que ela comece individualmente e sejam vistos, estudados, pesados, milhares de lados. O mundo é vasto. Ainda estamos numa fase em que há seres deduzindo, concluindo, vendo apenas o cheiro da notícia. Em poucos minutos de deduções  estufam o peito para dizer que são sábios, “os intelectuais do Google”, como os qualifica um amigo meu.

Se ninguém me lê, talvez uns gatos pingados sejam exceção, e hoje peço encarecidamente que façam isto: acreditem que a Barragem de Itabiruçu não tem segurança. E parem de acreditar em conversa de “montante” e “jusante”. Esse papo só serve para fazer boi dormir. Afinal, estão em jogo 120 mil almas perdidas e achadas. Se aprenderam algumas lições...



A questão que leva o ser humano à falta de interesse por informações extraídas do fundo de suas origens (não me canso de dizer que todo fundamento está na causa, não há efeito sem causa) acrescenta a esse cidadão, em sendo ele itabirano, uma situação um pouco mais complicada, porque esse notório morador de nossa terra é um inerte.

Para explicar a passividade da gente de Itabira, recorremos a um levantamento  feito pela ilustre autora Maria Cecília de Souza Minayo, que já mostramos e continuamos mostrando, ao lado de outros pesquisadores históricos, em Documentário, no sexto capítulo:  “Como se pode depreender  de diversos depoimentos dos trabalhadores, Itabira, na visão deles, ‘é coisa de itabiranos’, dos quais eles se excluem”. Acrescenta; “Os filhos desta  cidade são preguiçosos, sem iniciativa”. E mais: “Isso aqui vai voltar ao que era porque os itabiranos não se interessam, não têm garra”.

No mesmo capítulo de Documentário, revelei a presença da ex-primeira-dama francesa, Danielle Miterrand, em novembro de 2006, em Itabira, quando sobrevoou a cidade num helicóptero cedido pela Polícia Militar. Ela ficou estarrecida com a paisagem que viu: “Vi buracos, imensas crateras e não posso compreender como essa população de cem mil almas consegue viver calmamente entre tantos problemas”. Agora, numa pergunta minha: e Mariana? E Brumadinho? E Itabira? E Itabiruçu?

Vou encerrar por aqui tentando explicar em duas palavras o que os seres humanos daqui andam afirmando ser o significado de jusante (barragem segura) e montante (barragem insegura). Prometi a alguns amigos que não revelaria o que sei sobre aquela bomba atômica que rodeia Itabira, denominada Itabiruçu, a Bomba Itabiruçu. Por enquanto vou apenas me desabafar e imitar aquele conhecido ceguinho humilhado: “Jusante é a mãe!”

José Sana

Em 04/02/2019

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

URGÊNCIA URGENTÍSSIMA: FISCALIZAÇÃO DAS BARRAGENS JÁ!

Estamos em 1979 e sou demitido da velha Companhia Vale do Rio Doce. Motivo: promoção do I Encontro de Cidades Mineradoras de Minas Gerais. As causas embutidas: como presidente da Câmara, concedi  palavras aos senhores cidadãos Aníbal dos Santos Moura, de Itabira, e Geraldo Sette, vereador de Nova Era, ambos devidamente inscritos durante o conclave. E temidos e odiados pela empresa. O motivo: a coragem deles de falar o que pensam...

No decorrer do encontro, realizado em junho de 1978, além de lançarmos a ideia do Royalty do Minério de Ferro, cópia do “Fundo de Exaustão de Recursos Minerais”, anteprojeto do itabirano, ex-secretário de Planejamento do Governo de Minas Gerais, Paulo Camillo Penna, fizemos um questionamento irritante à CVRD. Minhas palavras, repetidas no ano seguinte, em Mariana, no segundo congresso: “Queremos saber por que a Companhia, que está cercando Itabira por represas por todos os lados, além de não explicar o tanto que devassa as nossas terras, não permite que os municípios mineradores fiscalizem suas ilhas de  lamaçais”. 

Houve também uma denúncia do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM): a Vale não permite fiscalizar a saída do produto das minas para que cada município possa validar a autenticidade dos impostos devidos. Na época, os valores calculados eram uma merreca chamada Imposto Único sobre Minerais (IUM), impostura que ainda dava noutra sub-merreca para as cidades, apenas 20%  do total.

Barragem de Itabiruçu (Itabira) hoje
Bem, toda esta preliminar fiz para questionar: por que Itabira não faz, agora e imediatamente, por meio de qualquer fonte na Justiça, uma solicitação forte e exigente para que possam os municípios mineradores de Minas Gerais, ou mesmo do Brasil, contratar mão de obra qualificada, técnica e competente, e vigiem todas as barragens com a responsabilidade que se faz necessária? Hoje, pelo que se vê são raposas tomando conta de galinheiros pelas vastas terras mineiras e brasileiras. Isto pode continuar?

Aliás, pensando bem, é um absurdo o fato de que as mineradoras não permitam aos donos dos terrenos, os municípios mineradores, que adentrem os silos de embarque de matéria-prima para o porto.E lhes seja permitido desarmarem essas bombas atômicas antes da temida explosão, como ocorreu em Mariana e Brumadinho. Alguém, que já foi funcionário graduado da Vale, enviou-me a seguinte mensagem: “O que tenho ouvido de abobrinhas sobre barragens, segurança de barragens, responsabilidades, montante e jusante, é uma grandeza (de piada). Ninguém sabe aonde a banda passa, mas dão os mais ridículos ‘pitacos’ sobre esses temas e outros mais”.

Pela nossa mais longa segurança; pelo amor que temos a nós, a nossos filhos, netos, bisnetos, amigos, itabiranos; por Itabira e outros municípios mineradores; pela melhor decisão possível ... que seja instituída uma lei competente que faça a exigência de fiscalização externa sobre todas as barragens de qualquer classificação (a montante ou jusante) por pessoal técnico e competente contratado pelos municípios.

Salvo melhor juízo.

José Sana

Em 01/02/2019