terça-feira, 24 de novembro de 2015

A VIDA COMO ELA NUNCA DEVERIA SER (1)

Amigos, acabei de assumir definitivamente o cargo de “procurador”. A partir de então a minha missão é ficar procurando o que perdi ou de que necessito. Exemplos: procuro chaves de carros, portas, gavetas; e procuro celular, meias, sapatos, chinelos, papéis, contas a pagar, recibo de contas pagas, pente, caneta, lápis, régua, borracha, escova de dente, pasta de dentifrício, sabonete, papel higiênico, sacos de lixo, endereços, números de telefones, e-mails, whatsApp, facebook, sites, fotos, textos, livros, senhas, cartões, remédios. Alguém diz que é a idade, mas contesto veementemente porque o mundo moderno, com a desculpa de evoluir, resolveu bagunçar todos. A desorientação é geral. Quem não perde nada todo dia?

Esta semana uma mulher, de origem pobre e  de uma cidade da região, tinha que fazer uma cirurgia num dos hospitais de Itabira. O médico, chamado com todo o respeito de doutor, marcou para o dia tal, hora tal, da semana passada. A paciente como a chamam (e isto talvez provoque o abuso) se preparou, saiu de casa cedinho, viajou duas horas, chegou, se apresentou e passou o dia nesse hospital com ainda um detalhe: estava em jejum. Quando já tinha passado a hora, o senhor doutor mandou dizer a ela, confinada com a barriga vazia numa enfermaria, que não podia fazer a tal operação naquele dia porque estava sobrecarregado. Mandou a senhora ir embora e que aguardasse de novo o um chamado. Isso pode acontecer? Abuso, mil vezes abuso!

Mariana entrou para o noticiário nacional. Ou mundial. Não porque as obras de arte que a cidade exibe estão em fase de muita procura e acessibilidade. Aleijadinho, Mestre Athayde e outras ilustres celebridades fazem promoção de revelar a cultura da cidade histórica? Não. Rompeu uma barragem da Samarco Mineração e ele, o tsunami,  fez mais que na Revolução Francesa, derrubou a Bastilha, decapitou ex-heróis, saiu rasgando cidades, matando seres humanos, liquidando paisagens e destruindo o meio ambiente. Até o Oceano Atlântico carrega agora a sordidez do rejeito de minério de ferro, que passa por quase 200 km do Rio Doce, e empobrece completamente uma região. Alguém já calculou o prejuízo? A natureza não negocia mais nada com o homem. Agora é apocalipse e fim de papo.

Mas um fato é interessante e acredite quem quiser. A Samarco, sob a pressão da Justiça, alojou famílias de Bento Rodrigues e adjacências nos hotéis de Mariana e proximidades. Deu-lhes franquia absoluta para o atendimento de serviços diretos como restaurantes, lanchonetes, bares, salões de beleza e outras regalias supérfluas. Contam-me que durante o dia está assim no território marianense: entram nesses hotéis e deles saem cabeleireiras, pedicures, manicures, fazedores de sobrancelhas, além das normais entregas de produtos farmacêuticos e os deliverys de pizza. Sem tocar no tema do sofrimento  pra xiri do pessoal, que continua na vida de incertezas e  agora pega o melado total e se lambuza. Repito: contaram-me. Repito mais: absorve quem quiser!


Para encerrar, alguém me pergunta por que demora tanto o resultado da Operação Lava Jato da Polícia Federal e as apurações da Justiça sobre trapalhadas, roubos, ataques à mão armada, surrupios e outros adjetivos impublicáveis praticados por um número incontável de políticos, empresários, lobistas e tanta gente mais. Há um bandidão no meio de tudo isso que quase todos querem ver preso, mas ele leva uma vantagem sobre muita gente: nunca frequentou escolas, sabe mal e mal desenhar o nome, declara-se pior que semi-analfabeto, mas tem PHD em ensinamentos de Maquiavel. Seu grupo passou a vida juntando provas sobre os outros bandidos de modo que está sendo possível trançar rabos em extensão incalculável. Alguém que move a cauda puxa dezenas ou centenas de outras. Ninguém ama ninguém, mas todos temem todos; abrir a boca é pecado. A frase de Luiz Inácio Lula da Silva sintetiza a tese dos rabos atrelados que atravessam este PPP (País da Piada Pronta) de ponta a ponta e ela foi transformada numa justificativa de ação neste 24 de novembro, em pleno Congresso da Juventude do PT: “Quero saber se o dinheiro do PSDB veio da sacristia!”

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NOS BASTIDORES DE CRUZES AO VENTO

Amigos e inimigos (esses são os leitores mais certinhos que tenho), como sempre estou em fila de banco. Desde quando instituíram o caixa eletrônico não conhecia o que era se sentir enfileirado, em disciplina militar. Até porque entrei para o grupo dos atendidos prioritariamente, ou acima de 60 anos. Mas o Projeto Drummond, parceria com a minha prima Afra Sana, de nome um tanto parecido com romances de Érico Verísimo, “Cruzes ao Vento”, me mostrou uma nova humildade a que o ser humano deve sempre se sujeitar: entrar em bichas (como dizem em Portugal e está no dicionário) sem reclamar. E com as ordens dadas pela prima me tornei um piolho de banco, como já era de farmácia, padaria, supermercado e pracinha.

São várias as modalidades de acesso a um estabelecimento de crédito se não se pode ir ao caixa eletrônico. A tal inovação, neste bendito projeto, só me permite ir à cata do saldo, ou seja, pegar um extrato (de tomate é no hiper ou no armazém da esquina). A primeira etapa é para tirar senha. Tem prioridade para os especiais, sim, mas a questão é que os candidatos estão bem acima dos 80. Então, não se pode furar a bicha. Demora, demora, demora. Demora porque os meus amigos octogenários e nonagenários enxergam um pouco menos que eu, carregam muitas capangas, eu somente uma bolseta, não sabem usar o processo de digitação e dependem de um funcionário extra do banco para cutucar as teclas. Pronto, passei na porta de acesso ao salão principal, depois de tirar os sapatos, chaves, celular e produtos de metal, como nos aeroportos.

Subo a escada e não há lugar para se sentar. Problema não. Tenho a senha na mão e posso me encostar num cantinho. Não estou tão velho como imaginam os que me qualificaram de idoso. Uma senhora me pede para sair da frente porque ela quer ver o painel das senhas. Desculpo-me e fico perdido no salão. A minha senha é A-00011 e a última chamada foi A-901. Ou seja, existem 20 idosos, grávidas, carregadoras de crianças, lactantes, deficientes físicos na minha frente. Esqueci-me de contar um fato que ocorreu lá em baixo. Um velho reclamou com uma menina de uns presumíveis 15 anos porque ela não poderia estar na fila de atendimento prioritário. Eis a resposta da garota: “Então pegue aqui na minha barriga e vê que estou ou não grávida!” O velho não se conteve: “Não vou pegar, é claro, mas pelo visto você, se estiver neste estado, deve estar com pouco mais de meia hora de gravidez.” Os risos foram gerais.

São decorridos 55 minutos que estou em posição de espera. Minha água, que me acompanha direto e reto, acabou. E estou com fome também, porque já passou de meio-dia. Recebi a senha às 11h15. Quer dizer que da próxima vez devo trazer também uma marmita. Vou ao bebedouro e reformo a água. O painel mostra a senha chamada: A-0909. Faltam 11 lesmas para a minha vez. São 8 atendentes para um grupo de 40 cheios de problemas. Ou mais. Cada um demora meia hora. Imagino que serei atendido depois que encerrar o expediente bancário. E começo a pensar na minha prima, também no Laudimir Vieira, imagino o vento balançando as fitas das cruzes em Ipoema, Roneijober faz estripulias para fazer as suas fotos, Canela e equipe pulam como pipoca em gordura quente, e o caixa não me chama.

Ronca a barriga e olho no relógio: são 16h10. Não se tiram mais senhas. Como ia dizendo, penso na Afra, ela é do tempo do Zé Nico, ou seja, faz tudo só de pensar rápido. Esta é a décima quinta vez que venho aqui neste prestimoso banco. Todos os funcionários, inclusive os vigias, já me conhecem e eu os conheço. No ano passado eu só conhecia um gerente que foi embora e o Saulo, filho do meu amigo, ex-vereador Antônio Cunha. Além de ser piolho de banco, também estou manjado na Fundação Cultural, onde a amiga Juliana tem toda a alegria de me atender. Isso sem contar o Albino na Transportes Cisne, nossa patrocinadora, cujo tempo é poupado pela simpática Eliana.

Pronto. Agora fui atendido. Foram somente 15 minutos de conversa e resolvi tudo. O problema era um suposto erro em dois extratos (de papel mesmo). Mas, como? Um erro deste jamais ocorreria! Faltavam R$ 9,60 na conta e não pode sobrar nem faltar 1 centavo. O funcionário me acalmou. Mas me deu ordens: “Você tem de ir ao caixa eletrônico e tirar um novo extrato assim, assim, assim, assado, porque você não  requereu de todo o do vencido mês de outubro. Entendido? Tudo bem. Obrigado. Desci as escadarias.

Agora o salão de acesso aos caixas eletrônicos está menos cheio, mas sobram filas no espaço. Lá se foi uma nova garrafa de água e a fome foi, voltou, sumiu. Nas bichas, de novo, o pessoal do fim do século passado. Quer dizer, jovens de ambos os sexos, todos espertos. Mas e eu? Até que enfim cheguei lá. E a dificuldade desta vez? O meu cartãozinho do projeto é limitadíssimo. Tem validade curtíssima. Devido às suas características, sempre dá uma informação na tela do caixa: “Problema na leitura do cartão”. Ufa! Desisto, desisto, desisto. Consigo depois da ajuda do funcionário extra. Cruzes! Sem vento porque o calor nem pode ser citado.

Não desisto. Vou continuar. A Afra sumiu. O Mequinha ganhou. A Maria Gadu cantou. Estou livre. Quem vem agora é o Laudimir. Vamos à luta, Lau!