terça-feira, 29 de setembro de 2020

PREFEITURA DE BODELÂNDIA MANDA ASFALTAR RUAS ASFALTADAS E ESQUECE AS ESBURACADAS

O prefeiteiro  de Bodelândia, sem saber o que fazer na véspera do pleito eleitoreiro de 15 de novembro vindouro, considerando que nada fez desde 2017 — ficou coçando saco durante três anos e meio — resolveu chamar em seu gabinete o dono da Asfaltadora Vale do Infinito Perdido.

 Na reunião, deu um murro bem forte na mesa: “Quero que você meta chão preto nessa Bodelândia toda!” A resposta veio imediata: “Eu vou fazer o que pede, mas num vai dar tempo de meter assoalho nem um décimo da cidade”. Contudo, a reunião terminou e  ficou assim: o chefinho obedeceu o chefão e passou na rua para conversar com o senhor GUIndaste, para que ele providencie o limpa-limpa, porque Bodelândia está mais suja que poleiro de pato. Acabaram com a Itaubeira e agora é Hipe-Urra.

 Aí começou a pregação de asfalto sobre asfalto, fato inédito pelo menos na Terra de Santa Cruz. E aconteceu com a rapidez de um relâmpago sem trovão. Afundaram-se as bocas de lobo às centenas (já teve caso de um menino agarrado nas grades). O lobo guará das bocas não gostou e gritou: “Me arrebentou”. Os ratos, presos nas redes estouradas debaixo das camadas de massa preta, também não apreciaram, já que lhes cortarem o passeio pela madrugada da cidade. Morreram centenas de roedores.

 “Isso é que dá voto!” — gritou o prefeiteiro Amarga Suas Mães. Mesmo assim, numa reunião regada a um milhão e meio de  reais, dinheiro que comprou apetrechos comestíveis e bebíveis, houve quem proferisse a expressão “Isto é faca de dois gumes!” Foi imediatamente proibido de falar. “Aqui quem manda sou eu!” — gritou o Amarga Suas Mães e Avós também.

 O dono da Construtora do Infinito ficou de assoalhar até quintais de gente que vende voto, inclusive um loteamento lá pros Bairro Embalsamado. Será a mais importante aquisição de votos com pagamento adiantado.

Vamos ver o que vai dar essa loucura toda de eleição em Bodelândia, que já tem uma placa assim: “Eu mamo em Bodelândia”.



sexta-feira, 25 de setembro de 2020

PSICOLOGIA DE BOTECO: POR QUE LADRÃO NÃO PARA DE ROUBAR?

 Desde criança estudo este caso. Lá pras bandas de São Miguel y Almas de Guanhães, minha primeira moradia fora de casa, com 12 anos, peguei um vício que nunca mais me abandonou: a cinefilia. 

Dentro deste contexto, no Cine São Miguel, rua principal da cidade, meus filmes preferidos eram da categoria bang-bang, principalmente se fosse estrelado por Kirt Douglas, Burt Lancaster, John Wayne, Antonhy Kinn. Nas tramas, aparecendo um ladrão, torcia por ele para dar certo o seu primeiro roubo, depois ficava no desejo de que ele sumisse e fosse gozar a vida sem novas tentativas de banditismo.

Mas isso nunca aconteceu, infelizmente. Então, deste criança, tomei birra de larápios, eles não param de roubar. Dizem os entendidos que roubar vicia, ou vira mesmo uma doença chamada cleptomania. Outros afirmam que a vocação se desperta ao ser aguçada a tal ambição. Acredite se você quiser, mas nos meus estudos constatei tudo diferente do que dizem as pessoas por aí

E vou dizer logo o que foi a minha descoberta, depois de várias pesquisas, leituras, observações, consultas e até mesmo entrevistas com os marginais. O negócio é o seguinte: o ladrão, ao realizar o primeiro assalto, tem medo de ser descoberto. Aí passa a roubar, furtar, assaltar mais vezes e a acumular riquezas como única saída  para não criar problemas para si. Entenderam?

Está explicado: o ladrão fica rico e aí pode comprar o silêncio de alguma eventual testemunha. Por isso surge a necessidade premente de roubar mais, sempre mais, mais e mais, indefinidamente. Repare que os seres de vida irregular são completamente interessados na profissão que adotaram para viver.

É o que vemos pelo mundo: roubam de terceiros, de segundos e de primeiros. Roubam do pobre, que adoece e não tem um tratamento de saúde adequado. Roubam a educação das crianças que, às vezes, ficam em último plano, em escolas de qualidade duvidosa.

Metem a mão sem dó nem piedade. Mas é possível, sim, ocorrer uma atitude chamada “pare”. Quando o ladrão souber que vai pagar o prejuízo que causou, então ele se arrepende e começa vida nova. Ele será submetido à Lei do Retorno. Quem duvidar, faça o teste e ficará apavorado com o que vem pela frente.

Numa sociedade repleta de ladrões, estou lançando este alerta para o bem da humanidade: cessem seus roubos,  meu prezado gatuno! Saiba que você não pode concorrer na vida em desigualdade de condições e está recebendo vantagens injustas. Acorde enquanto é cedo para não ter que pagar com juros pesados e altíssimas taxas de correção monetária dentro em breve. Tome juízo, além de vergonha na cara.

José Sana

Em 25/09/2020



quinta-feira, 24 de setembro de 2020

UMA ESTÁTUA PARA O KAKI

                             O mínimo de reconhecimento de São Sebastião do Rio Preto

 Amigos, este é um dos textos mais difíceis que me incumbe a vida de escriba despretensioso. Alguém mandara-me, recentemente, uma mensagem assim: “Zé Sana, pare de escrever sobre quem morre. Todos morrem e você fica falando só pleonasmos, repetindo sentimentos que jazem em todos os corações; passe a escrever sobre os que nascem porque nem todo mundo nasce. Quer uma ideia? Meta o pau naqueles seres sem sentimentos que apoiam o aborto; o aborto representa cortar a oportunidade de alguém vir ao mundo e ajudar a consertá-lo”.  Confesso que tal mensagem equivaleu a um tiro  no peito, indefensável e inapelável.

Pensei no assunto seriamente. Pessoas mais próximas  endossavam as palavras de outros e ainda diziam: “Todo mundo fala bem dos que morrem, sempre assim e melhor é você parar mesmo! Diante desta evidência estarrecedora, quase assinei uma declaração mais ou menos assim: “Declaro que não vou mais escrever sobre os que se foram deste mundo, somente sobre os vivos”. Pensei  em  assinar e levar ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos  para averbar e, em seguida, mandar afixar defronte o computador.

Sustentei o silêncio até este momento. Até esta semana, mais exatamente hoje, dois dias após uma ocorrência. Amigos contrários à decisão me ligavam, pediam fotos, umas diziam: “Não vai escrever sobre este moço, que acaba de passar pela vida, deixar uma saudade indescritível e nos oferecer bons exemplos?” Respondi que já escrevera mais que um livro sobre este amigo, cujo nome próprio de cartório e pia batismal era e é, eternamente, João Guadalupe de Almeida. Conheci-o pela sequência de apelidos: Joãozinho da Sonel, Joãozinho Pão de Queijo, João do João Paulo e, finalmente, Kaki.


Vou sustentar a palavra de homem e não considerar estas linhas como um texto póstumo sobre o moço porque a nossa São Sebastião do Rio Preto sabe quem foi ele, conhece a sua história, simplicidade, sabedoria, jeito de ser, modo de andar e de falar. Desde o balaio de guloseimas que vendia ruas afora; os picolés itinerantes que entregava; o atendimento no Bar do João Paulo; a luta para manter, sozinho e sem nenhuma remuneração, o fornecimento de energia elétrica na Cachoeira Alegre; as duas de suas paixões, pela loteria e por Vera Fischer; seu xingatório mais santificado que possa existir, que todos entendiam como benfazejos; os gaguejos abençoados por todos, e por Deus — enfim, ele, de jeito peculiarmente compreensível e amado até chegar a este momento doloroso. Uma criatura que nunca teria raiva nem de uma onça que pudesse atacá-lo.

 Já escrevi também que na vida do casal João Paulo e Sonel, nasceram dez  filhos. Deus chamou nove e ficou apenas ele no mundo. O pai casa-se em segundas núpcias com Maria Rita e Deus lhe devolve nove irmãos e irmãs que havia perdido. Ato com cara de milagre, que também rabisquei em seguidos textos.

Tudo bem. Não vou mais escrever sobre os que nos deixaram. E nem sobre o Kaki. Vou apenas, e simplesmente, expor, de público, um pedido ao prefeito, aos vereadores, ao povo de São Sebastião do Rio Preto, a algum empresário que se sinta comovido, que façamos o seguinte: vamos erguer uma estátua para este moço e estampá-la em qualquer ponto da cidade. Não para remoer mais ainda esta saudade imensa que todos sentem por ele, mas por uma única razão: torná-lo eterno em nossas mentes, deixar que seus exemplos de humildade, trabalho, docilidade da alma  alastrem-se e transformem a loucura em que o mundo vive hoje num ambiente de amor como ele era e sempre será. Amigos, Joãozinho Kaki, queiram ou não queiram, é uma intocável  referência desta geração de nossa terra.

Concluindo, não entendam que escrevi, mas que sugeri uma homenagem, e a sua simplicidade não será alterada. Apenas que nós, seus conterrâneos e amigos, possamos demonstrar altíssimo nível de entendimento e estamos comovidos e dispostos em ser, como ele, de coração puro, alma límpida, alegria sem mácula. Que fique Kaki  inesquecível até o fim dos tempos.

 José Sana

 Em 20/09/2020