Vivo no momento
de resguardo das vistas, período cauteloso determinado pela ciência oculista e
prescrito pelo oftalmologista. Fiz a tal cirurgia de catarata que de cirurgia
só tem o lado anestésico. É simples e revolucionária. Estou tolerando passar 30 dias sem ler nem
escrever muito porque a descoberta da visão foi tão extraordinária quanto a
sensação que tive, há exatos 44 anos, de que nada ouvia ou escutava. Com a ajuda
ímpar do aparelho auditivo consegui recuperar a faculdade de ouvir. Agora, com
o auxílio da ciência, transcorreu a segunda descoberta de mais um dos cinco
sentidos de que estava sendo privado, a de ver ou enxergar nitidamente bem.
Fecho este parêntese para dizer que neste momento estou desobedecendo a uma
ordem científica. Azar meu. E dos que se atrevem a seguir adiante nesta página
que prometo não ser maior que todas as babaquices até hoje rabiscadas por mim.
O
atrevimento a esta desobediência tem sentido. Hoje fui despertado por jornais
da TV e internet, e comecei a pensar sobre o que ouvia e via. Cheguei à
primeira seguinte conclusão: todo mundo — especialmente jornalistas,
comentaristas, radialista tele-radialistas, cientistas, políticos e outros mais
— pensa que sabe tudo. Aí caio na pergunta: será que sabe mesmo?
Inexoravelmente,
aparece o desafio de ver e ouvir tantos opinantes sobre quaisquer temas, principalmente
economia e política fazerem o que dizem. Não seria prudente adotar este
procedimento: se fulano de tal, famoso por falar sempre aos nossos ouvidos diante de nossos olhos
sabe consertar o Brasil, o mundo, por que não chamá-lo e entregar-lhe um cargo
executivo, por exemplo, o de ministro? Ora, ora, ora, pelo que sei, nunca
fizeram tal proeza, de convidar, ou convocar, o sabe-tudo para fazer o que
garante que vai dar certo.
Minto. Levando o
assunto para o futebol, lembro-me que, em 1969, quando o Brasil se preparava
para disputar as últimas partidas das eliminatórias da Copa do Mundo de do ano
seguinte, 1970, algo notável ocorreu. Desacreditado, o escrete brasileiro
caminhava para um rumo completamente oposto aos sonhos do torcedor brasileiro, de
ser tricampeão do mundo. Críticas ferrenhas do jornalista e radialista João
Saldanha, entre outros, sobre comando da Seleção Brasileira, começaram a
incomodar a cúpula, na época dirigida por outro João, o Havelange.
A saída foi
magistral: Saldanha foi convidado a assumir a direção técnica da equipe
canarinho. Aceitou o João e mudou o João. De cara, em sua primeira entrevista,
anunciou que só convocaria craques, o atleta que sabia jogar futebol de verdade
e jamais os pernas-de-pau. A imprensa, atenta, denominou os convocados de
“Feras do Saldanha”. O primeiro desafio do novo treinador foi escalar Pelé ao
lado de Tostão. Houve um rebuliço estrondoso em manchetes dos jornais e
programas de rádio e TV. Diziam os críticos pseudoentendidos que não daria
certo porque eram dois craques que tinham as mesmas características técnicas de
jogar bola. Acertou em cheio o treinador revolucionário e errou a sabichona
imprensa do “chuta que dá certo”.
Além das feras
Pelé eTostão, juntas, Saldanha contrariou novamente a imprensa “sabe-tudo” ao
colocar em campo Rivelino e Gerson, mais uma dupla que balançou o coreto.
Resultado de tudo: o Brasil acabou sendo campeão do mundo, no México, e formou
o que muitos dizem até hoje ter sido o melhor escrete brasileiro de todos os
tempos. Não com o João Sem Medo, porque ele foi demitido por motivos políticos,
mas usando o time que ele formou.
Bem, é um pouco
diferente do que ocorre em nossos tempos sobre a economia e a política,
principalmente. Não quero afirmar que o presidente da República, o governador
do Estado, o prefeito de todas as cidades devessem convidar as Mírians Leitões,
os Chicos Pinheiros, Felipes Mouras Brasis, Ruis Goiabas, Mauros Sabinos,
Alexandres Garcias e Diogos Mainardis entre outros, para aplicar suas táticas e
resolver tudo em qualquer direção executiva. Mas é tentador. Fosse eu o chefe
da nação, o faria. Hoje o ouvinte e telespectador ou internauta percebe que todo
mundo é um mega-sabe tudo. Os formadores de opinião são drásticos com as suas
filosofias e ideias.
Então, que venham as
mudanças tipo Saldanha, que seriam as “Feras do Bolsonaro”, do Zema, do Ronaldo
Magalhães. Por que não? Ah, acho que sim! E nos livrariam da seguinte anotação
que um ET teria feito sobre o mundo e, especialmente o Brasil, ao voar em sua
nave cintilante por aqui, segundo alguns ufologistas: “Eis aí o mundo dos
sabes-tudo que nada sabem”.
José Sana
30/04/2019