sábado, 22 de dezembro de 2018

PROCURAM-SE SANTOS


Quando Deus fez o mundo, deu a última oportunidade ao homem e à mulher de serem santos. A dupla, habitante do paraíso, não soube aproveitar a chance ao se submeter às tentações de um animal rastejante, eternamente sem crédito, e meteu os dentes numa simplória maçã, outra simplicidade que não cabe em nossa cabeça.

Inexoravelmente, o Criador expulsou Adão e Eva do éden, atitude que, hoje, os tais direitos humanos considerariam arbitrária e própria de um poder imperial e ditador. Pode ser simbólica a passagem bíblica, mas tem, contudo, um cunho de verdade. E esta verdade se estende a um patamar que o ser humano evita entender, ou interpreta erradamente. Deus cassou a possibilidade de ser encontrado uma santo  ou  santa na face do Planeta Terra a partir daí e tornou homem e mulher exímios pecadores. Fazer o quê?

Ferrados da cabeça aos sapatos, o casal pioneiro partiu para viver no mundo das ilusões, como Alice em seu país das maravilhas. Fez de conta que continuava na sua bem-aventurança inicial, mesmo se dando mal, segue errando e levando cacetadas cruéis. Só não desconfia porque a idiotice humana é mais vasta que o buraco negro do universo.

Os tolos mundanos, nós no plural, não aplicamos a percepção da burrice inicial – depois vou me dedicar inteiramente a esta questão – que é o desconhecimento do local em que vivemos, do que somos e da falta de resposta à pergunta: o que estamos fazendo aqui?


“Conhece-te a ti mesmo” – nem o autor da frase se ateve a definir este indefinível  desafio sob a luz de um novo sentido humano, além dos cinco muito conhecidos. Platão atribuiu a Sócrates a frase, mas, em resposta, o sábio da antiguidade soltou outra sentença crucial: “Só sei que nada sei”. Depois, tudo se agravou porque todos ficamos copiando milhares de frases antigas, fazendo o papel de ainda mais estúpidos que os nativos pré-históricos.

Para mostrar que prefere ser idiota a se domesticar, a raça que habita o planeta sai por aí à cata de seres puros, limpos e perfeitos. Ou seja, pesquisa o manancial dos inexistentes, tipo fantasmas, ou super-heróis, os tarzans, capitães américas, zorros, hobins hoods e outros protagonistas menos votados.

Durante tal  busca desenfreada adota o seguinte critério: se Joaquim chama Manoel de bandido, ladrão, safado, corrupto, descarado, cheio de defeitos, automaticamente, o acusador precisa ser uma criatura divinal. Qualquer deslize que o denunciante cometa, está, irremediavelmente, invalidada a acusação. Babaquice maior não há, embora aqui não seja um supremo tribunal universal.

Vou encerrar. Nada mais a dizer. Precisamos nos conhecer. E tenho a primeira receita: vamos criar forças-tarefas na busca de solução cabível para esta dúvida? Cancelemos todas as outras acusações anteriores, julgamentos, ideias, filosofias, leis (exceto as naturais) e pensamentos, e vamos suspender a caça aos santos em covil de belzebus.  

Mãos à obra...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O PERSONAGEM DE 2018


Meu nome é WhatsApp, sem sobrenome, ou melhor, da Silva. Pode ter um sobrenome mais sofisticado, como Niemeyer, Balzac, Flaubert, por aí. Tenho o apelido famoso de Zap para os íntimos. Sou o maior sucesso do momento. Tomei conta do mundo. Ninguém fala mais nada a não ser enfiando o meu nome em sua vida. Nem Robinson Crusoé foi mais admirado.

Tornei-me parte das pessoas. Hoje em dia, consultam-se ou contratam-se médico, advogado, dentista, especialista em tudo, sapateiro, jornalista, lixeiro, motorista, cozinheira, faxineira, diarista, consultor, assessor, tudo por meu intermédio. Sou motivo para os agentes de trânsito multarem os motoristas, com justiça ou injustamente, porque nisso eu arrebento mesmo, sou prejudicial: onde já se viu multar sem autuar? Só aqui no Brasil mesmo e eu estou promovendo tal balbúrdia!

Mas, como ia dizendo, tomei conta do mundo. O sujeito vai ao Japão e fala com você que está aqui no Brasil, instantaneamente, sem gastar um mísero centavo. Há 20 anos, quem diria que tal proeza pudesse acontecer, a transmissão de notícias boas que andam ou as ruins, que voam, por intermédio de um nome iniciado com a letra Y, que sou eu?

Sou um canal de tudo: amizade, inimizade, furtos, roubos, assaltos, acertos de contas, fugas das cadeias e, principalmente, brigas e, mais com profundidade, crimes. Ajudo a distribuir drogas, vendendo-as, a polícia nem vê. Imagino que até o terrorismo está se beneficiando de mim. Se vivesse hoje, Osama bin Laden me usaria para mandar ameaças ao mundo ocidental.



Mas também, sou uma senda que transmite lindas orações. Faço bons e maus contatos e promovo estupros, pedofilia em série, transmito o bem e sou um caminho para rogar pragas nas pessoas. Sou canal até dos analfabetos, que nunca aprendem a escrever, ofendem a língua descaradamente, mas resolvem, sim, mandar recados via áudio ou vídeo. Eu me faço de elo que produz sinceridade, falsidade, compreensão, insensatez, paciência.

Por incrível que pareça, provoco raiva nas pessoas pelas mensagens desagradáveis que costumam enviar e, também, o contrário, prazeres pelas boas-novas. Promovo a ira por alguém nunca dar resposta a perguntas úteis ou fúteis, ou urgentes, ou dispensáveis. Estou naquele aparelho esquecido, ou perdido, guardado na bolsa, cujo dono ou dona não está nem aí. Existem aqueles que só têm o meu canal no seu aparelho, mas esse equipamento fica encostado o quanto quer. Sou o meio de comunicação desses egoístas, muito comuns no mundo atual, que só querem me usar quando realmente necessitam.

Ah... estava me esquecendo: eu revelo a cara dos caras de pau, mostro a estampa dos que nunca leem as mensagens recebidas, às vezes recados urgentes, como “estou na forca, venha me salvar”, mas mandam outras, às vezes enfadonhas, repetidas, antigas mensagens sem olhar o que chegou. Também são notáveis os tais “fakes news”, que foram, neste 2018 quase findo, o meu concorrente em popularidade. Os produtores de “fakes” só não ganham de mim, nunca ganharão, porque transmito mensagens verdadeiras e boas também, e aí está a diferença porque eles só cometem barbaridades imperdoáveis.

Faço o amor, a amizade, a compreensão, a separação e o ajuntamento. “Ama-se pelo Zap e trai-se pelo Zap”, escrevem os literatos até de parede de banheiro de rodoviária. Por falar nisso, esses banheiros foram extintos na categoria de porta-mensagens, acabei com eles. Sou fio condutor de textos famosos, como “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, ou até via de transmissão de zombarias contra os mulçumanos , os “Os Versos Satânicos”, de Salman Rushdie.

Não tenho que me declinar. Fora falsa modéstia! Torno-me um narcisista sem medo de errar. Devo, sim, proclamar a verdade que todos sabem: promovo-me à condição de  O PERSONAGEM DE 2018.

Acredito que continuarei sendo o melhor também de 2019, 2020... 2100... até inventarem um aplicativo que ensine as pessoas a comer no prato do outro à distância, e invadir, à força, a vida alheia. Mas tal forma indiscreta de fuçar a intimidade do próximo ocorrerá por via transmissora exatamente minha, o ser mais orgulhoso e útil e chato e convencido que já chegou à face do Planeta Terra: minha majestade o WhatsApp da Silva.

José Sana