O
ser humano, desde os primórdios da civilização, elegeu o dinheiro como seu deus
verdadeiro e intocável. Muitos buscam argumentos falsos para negar tal certeza
absoluta. Exemplos do império da riqueza sobre a pobreza, com mandos
humilhantes, chovem sobre nossos olhos. Cínicos somos nós quando entramos numa igreja qualquer, de qual
for o credo, e juramos amor àquele que negamos na prática.
Desconhecendo
o sentido da vida eterna, o que evidentemente nos interessaria, adoramos
empresas fortes no mercado nacional e
mundial, as espiritualidades que têm a corte real, ou santa sé, sediadas nas
bolsas de valores. Eram esses ou outros os nossos santos, como Arcelor Mittal,
Usiminas, General Motors, Fiat e milhares de outras organizações,
principalmente a antiga e atual, a Companhia Vale do Rio Doce, hoje
simplesmente denominada Vale. Essa a tal
Vale que fazia milagres, era sagrada, se
resumia em nossa divindade adorada e idolatrada. Até o mês de janeiro deste
fatídico ano de 2019, a antiga CVRD fazia parte da adoração de muitos
brasileiros, principalmente os residentes em Itabira.
Vistas
grossas aos erros, nem o desastre humano e ecológico de Mariana tirou a fé
inquebrantável na santidade da empresa distribuidora de riquezas. Nem o estouro
catastrófico de Brumadinho destruiu a plena santidade da Vale.
Mas aí começou a cair a máscara da falsa divindade, quando se escancara de
forma escandalosa a declaração de Maria Julieta Drummond, sobrinha do poeta Carlos Drummond de
Andrade: “A Vale é como uma flor carnívora. Está devorando o povo de Itabira
sem o povo perceber. O povo acha a Vale
muito boa. É uma instituição muito segura. Mas vai aos poucos devorando
Itabira. Quase nada resta de Itabira”. (Ana Gabriela Ferreira, 2015).
O
recente episódio de compras de moradias na Vila Paciência revelou a estratégia da
ex-santa Vale: contratou especialistas em rasteiras por força do poder
financeiro que cuidaram de minar a resistência dos moradores. Quem não aceitou as primeiras
ofertas perdeu o rumo de suas pretensões e acabou vendendo suas propriedades por
preço de banana, outros ficaram sem negociação. A poderosa Vale cuidou, por si
só e imposição das leis de mercado, de desvalorizar os restantes imóveis, que
eram mais de maioria das casas e barracões. E assim pagou o que quis aos que
aceitaram migalhas. Finalmente, ela própria desinteressou-se em continuar a destruir
a parte superior da Vila Paciência, apesar da resistência de alguns moradores ,
como escreveu a especialista Maria do Rosário Guimarães de Souza em trabalho
científico chamado “Da Paciência à Resistência” (2007).
Agora,
o modelo Paciência se escancara sob uma nova visão ampla e escandalosa. Em vias de
fazer um acerto de contas com Itabira que lhe deu a plena existência, e aproveitando-se
da tragédia de Brumadinho, instala o terror na sua cidade-mãe, consagrando a
ingratidão e revelando sua real identidade voltada para o mal. Não se sentindo
à vontade para saldar a dívida histórica e ambiental com os conterrâneos de
Drummond, ela se insere no contexto de promover a completa
desvalorização de nossas terras, agora todas, Itabira. Se ainda existe uma
inocente alma que não vê com clareza o óbvio, fica a pergunta: quem viria
investir numa cidade de barragens rompendo e à mercê da sirene devastadora que mais parece
uma trombeta anunciando o apocalipse?
Em
toda a minha vida de funcionário da Vale, de jornalista dela própria; de vereador que a critiquei veementemente; de editor de órgãos de comunicação; de
historiador que organiza um documentário sobre o relacionamento da cidade com a
mineradora; enfim, tive a certeza de que poderia assim escrever, proclamar e
assinar em baixo o que hoje deixo como início de uma nova postura diante dela:
a Vale é o Satanás, o Capeta, o Demônio, o Belzebu que nos foi enviado para
acabar de vez com a velha Itabira do Mato Dentro
Ou
Itabira, com seus verdadeiros itabiranos, reaja agora, ou nunca mais seremos
dignos do respeito e dignidade de
nossos filhos, netos, bisnetos e todas as gerações que virão, se haverá geração
depois deste holocausto.
José
Sana
Em 28/0/2019
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