Vinha eu na
Avenida Mauro Ribeiro Lage, onde os cidadãos preocupados com a forma física
escolheram como seu espaço de caminhada, era quase nove horas e o tempo de quem
trabalha estava vencido. Inesperadamente, do outro lado, a dez metros de mim,
ou a um passo, diria, uma figura feminina voa ao ser arremessada por um dos 60
mil ou mais veículos que inundam Itabira de odor de combustível e fumaça. Não sei o que
penso e passo depressa ao lado da mulher, pálida como uma santa, totalmente
inerte, para conferir o seu semblante, já que só podia ligar o 192. Sem pensar,
cercado por uma multidão que começa a se formar, como acontece sempre comigo escurece a visão, vem uma quase incontida tonteira e tenho que zarpar para não me tornar mais uma vítima.
Em seguida, da
janela de meu apartamento vejo as cenas, depois de ingerir a necessária água. O rápido Samu chega com dois veículos e agora o que interessa é saber
se aquela santa-mártir sobreviverá. Não, infelizmente, o presságio de sua morte
invade o meu cérebro, mas registro o momento como marcante em minha vida
negativamente. Em pouco tempo, redesenho na mente a estampa pálida da
septuagenária senhora, recordando que se tratava de uma viúva, religiosa, piedosa,
de bondade que transparece além dos gestos e atos. Eu a conhecia, sim. Tratava-se de
Rosa Severiana de Freitas Oliveira,
72 anos, voluntária do Santuário de São Geraldo, ermida que tem em seu
comando o querido Padre Cléverson Pinheiro e quase cotidianamente o também
estimado Padre Luciano Simões.
Tento esquecer a
cena dramática, marcante, dolorosa, para me localizar em
problemas estruturais de Itabira. Hoje a cidade carrega um peso terrível que é
o seu trânsito caótico, imposto sobre a maioria de suas ruas ou estreitas ou
tidas como “para descontar o tempo perdido”, o que é, de verdade, a Avenida
Mauro Ribeiro Lage, onde ocorreu o fato com data, hora e minutos anotados por
mim: segunda-feira, 31 de agosto, 8h52 exatos. Vejo os quebra-molas abundando
por vias e mais vias urbanas e praticamente inócuos. Vejo as rotatórias sendo
mais um motivo de medir a impaciência e o egoísmo das pessoas do que uma
disciplinadora para todos. Vejo a Avenida João Pinheiro e outras mais, como
Cristina Gazire, Li Guerra, Almir Magalhães entre tantas sendo transformadas em
pistas de corrida e pergunto: onde está a educação do motorista?
Além da falta de
polidez há a desatenção. Em raros momentos são vistos os agentes da empresa
que cuida do trânsito fiscalizando velocidade, segurança do pedestre. Na Mauro
Ribeiro os motoboys abusam sem limite nas 24 horas do dia. Já os guardas se
concentram quase na fiscalização dos estacionamentos, querem o talão marcando o
tempo de permanência do veículo, ou nem querem, porque o melhor para eles é,
sem dúvida, arrancar uma multa, fazer subir a arrecadação. Diz a boca pequena que a Prefeitura se anuncia como
“quebrada”, embora não tanto quanto o povo, sugado, dolorido, maltratado, em
processo de humilhação pelo desemprego, salários corroídos pela inflação ou
mesmo esgotados pelo esquema pernicioso que o governo impõe aos aposentados de
há muito tempo.
Depois de dizer
tudo isso, volto à Dona Rosa, a verdadeira responsável por estas linhas e mártir
que aparece para chamar a atenção e fazer com que Itabira volte a ser humana
como já foi um dia e seja uma cidade das crianças, jovens, adultos, idosos e
não de carros novos, velhos, importados ou chiques. A vida virou uma correria
desenfreada rumo ao dinheiro, mas as autoridades precisam pensar mais no ser
humano, na sua segurança. Governar não é apenas arrecadar e punir. Na falta de
um líder para chamar todos à responsabilidade, nomeamos a humilde Dona Rosa, que deu sua
vida para o retorno da educação e do espírito humanitário, que pode estar dizendo isto
agora: “Morri para que todos vocês, religiosos de qualquer crença; membros de
clubes de serviço, de jovens, de mães, de lazer; profissionais da imprensa, do
ensino, da justiça, das empresas; dedicados a associações de bairros,
sindicatos de classes, organizações de toda ordem e bem-intencionadas; para que
Itabira inteira se junte, se abrace, se confraternize faça uma promoção do fim
da violência em todos os níveis e, principalmente, no trânsito, que faz vítimas
inocentes em praticamente todos os dias."
E aí convocamos
todos a entrar na mesma sintonia daquela senhora que teve morte violenta mas
que poderia ter sido, como muitas outras que ocorrem sempre, para mudar a nossa
história. Viver bem e saber evoluir na face da Terra é a missão de todos nós. Os
mártires são outros quinhentos, esses morrem para suprir a nossa ignorância. E chega de burrice e desamor!
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