Tudo que me era encarregado de dizer sobre minha Tia, Irmã Míriam de Almeida, já disse, escrevi, publiquei. Acredito que outros escreventes e narradores possam ter acréscimos acima de minhas narrativas. Abro espaço no site e no blog para todos os contribuintes literários ou históricos. Neste momento, vou apenas rememorar fatos, gota a gota, para que possam ver, sentir e apalpar o quanto ela representa em minha vida e de dezenas ou centenas ou milhares de pessoas.
Hoje é 27 de
junho de 1924, ou melhor, de 2020. Em 1924, havia movimentação intensa de pessoas numa casa de muitos quartos e
amplos cômodos, na Rua do Rosário, Vila de São Sebastião do Rio Preto, sob o
comando de uma parteira. O que será que vem por aí? Adivinhem: acaba de chegar
ao mundo ela, Raimunda Cândida Ferreira de Almeida. Filha de quem? Pai:
Godofredo Cândido D’Almeida (como gostava de assinar), conhecido como Seu Godó,
descendente de portugueses; mãe: Maria da Natividade Ferreira de Almeida, Sinhá
do Godó. Os avós da recém-nascida: José
Francisco de Almeida Leite, apelido Zé Grande, e Jacintha Cândida da Silva,
paternos; os maternos: Militão Ferreira
da Costa e Sebastiana de Almeida Leite.
Seu Godó e Dona
Sinhá tiveram 15 filhos. Na nossa geração tomamos conhecimento de apenas sete:
Maria Jacintha, Zezé, Tãozinho, Luzia e Godofredo — falecidos; e os dois que nos
alegram, Domingos e ela, peças insubstituíveis.
Adolescente,
Raimunda Cândida, a quem chamavam Nenzinha, embarca em cavalos, ou burros de
sela, para estudar em Conceição do Mato Dentro. Na terra de Bom Jesus de
Matozinhos cursa o magistério. Quatro
anos passados, professora pronta, regressa a São Sebastião do Rio Preto e
torna-se de gerente de classes a diretora das Escolas Reunidas Nossa Senhora
das Graças. Mais tarde o educandário recebe a
denominação de Grupo Escolar Odilon Behrens, e agora escola estadual. Da
terra natal mantém correspondência frequente com aquela que Deus lhe enviou
como professora e conselheira, no Colégio São Joaquim: Irmã Terezinha do Menino
Jesus.
Dois anos após o
falecimento de Dona Sinhá, a nossa heroína pensa, programa o futuro e, com
apoio do pai e incentivos da conselheira
encaminhada por Deus, segue para Belo Horizonte. Saltamos no tempo
para 30 de agosto de 1949. Na capital é
matriculada no Colégio São Francisco.
Entra para o Postulantado da Congregação das Irmãs Clarissas. Cumpre a etapa, torna-se a primeira professora do educandário nas séries
iniciais, além de ministrar uma nova disciplina, a Arte. O educandário passa a
chamar-se Colégio Franciscano Sagrada Família, situa-se ao lado do Convento de
Santa Clara, no Bairro Caiçara. Faz deste local o palco testemunhal de sua
vocação.
Chegamos a 8 de
fevereiro de 1950. Raimunda torna-se freira, recebe o hábito, está consumado
seu ingresso oficial na Congregação das Clarissas Franciscanas, no Noviciado.
Naquele momento torna-se uma noviça nada
rebelde. Pelo contrário, doce, meiga e feliz como se mostra sempre, sinceríssima
acima de tudo. Não, nunca, jamais, deixa a oportunidade de falar o que pensa,
sabe e tem segurança. O nome que passa a
valer é o religioso: Irmã Miriam da Natividade.
Cerca de duas
semanas após ser registrado o jubiloso fato, meu pai chega
a São Sebastião, vindo de Belo Horizonte, chama-nos à sala, assenta-se e
espera, impacientemente, exalando o seu tradicional ar de suspense. Minha Mãe não está em casa, mas com seu pai, meu
avô, cuidando do recém-nascido Sebastião. Os presentes: eu com meus cinco anos completados fazia
pouco mais de um mês; Carlos prestes a chegar aos quatro e Maria das Graças no
caminho dos três; também a inesquecível Zica, a babá Duquita e a cozinheira Maria Lucinha se
apresentam.
Todos chamados a
ouvir a notícia trazida por Tãozinho. E ele ajeita o colarinho, raspa a
garganta e solta a bomba: “Raimunda Cândida Ferreira de Almeida, minha irmã,
mudou de nome e não tem mais o apelido de Nenzinha; favor não falarem mais
Nenzinha; ela se chama Irmã Miriam da Natividade”. Contou fatos que não entendi,
e citou a data importante da vida dela mais uma vez.
Já maduro ou
depois da adolescência, lembro-me de meu Avô anunciar para todos seu orgulho
incomparável de ter uma filha dedicada cem por cento a Deus. Logo, logo, a nossa
querida Tia acolhe em Itambacuri, no
velho colégio, hoje Escola Estadual Madre Serafina de Jesus, suas sobrinhas
Maria Geralda, Maria Cândida, Raimunda, Maria das Graças Sana, Maria das Graças
Dias, Marta Cândida Duarte, Marília Cândida.
Antes de encerrar estas palavras, é preciso lembrar o quão esta nossa querida Tia
guarda para seus créditos tanta singeleza, simplicidade e modéstia. Vou
explicar: todos na família dos Almeida conhecem o dom musical que Deus doou a
artistas até anônimos, que se espalham de gerações após gerações. São muitos os
músicos e esta corrente começou no bisavô de Vovô Godó, pelo menos foi o que
apurei. A nossa Tia, que tocava harmônio, ou órgão, instrumentos semelhantes a piano, em igrejas de São
Sebastião do Rio Preto, passou por tantas cidades e nunca sequer mencionou que
sabia deslizar os dedos e até pedalar esses apetrechos artísticos.
Recentemente,
enviei-lhe, via Irmã Francisca, a pergunta: “Por que a senhora não quis mais
tocar órgão nas igrejas?” Sabem a resposta imperdoável dela? “Havia muita gente
melhor que eu...” Como tal façanha se tornou imperceptível aos olhos de
superiores e colegas é uma tarefa que ela nos deve e precisa explicar. Só
podemos concluir: modéstia e humildade se misturam em grau elevado.
Depois de um bom
tempo, minha Tia passou a chamar-se Irmã
Miriam de Almeida. Vejam as suas andanças por cidades, colégios e conventos,
todos da Congregação das Irmãs Clarissas Franciscanas Belo Horizonte, Brasília,
Rio de Janeiro, Itaúna, São José da Safira, Salinas e Itambacuri (quatro
períodos).
Agora o que
resta é renovar os nossos agradecimentos
a Deus por nos conceder tamanha felicidade de vê-la chegar a um novo marco —
depois dos 70 registrados em março, de vida religiosa — com ótima saúde, alegria estampada no
semblante e transparência de seus próprios agradecimentos a Deus por bênçãos
recebidas. Agradecer com extremo
reconhecimento ao povo de Itambacuri por dedicar tanta estima à nossa querida
Tia. É impossível descrever os nomes de todos, além dos cuidados que recebem no
seu cantinho adorável, o Convento das Irmãs.
Itambacuri, 14
de março de 2020. Neste sábado, a partir das 19 horas, a cidade, de 23 mil
habitantes, situada no Vale do Mucuri, esteve em festa. Uma de suas figuras que
marcam a intensa vida franciscana, um exemplo para o Brasil, ou o mundo,
completou 70 anos de vida religiosa, dedicada à Congregação das Irmãs
Clarissas. Irmã Miriam de Almeida e Irmã Camila Martins constituíram-se como as
grandes homenageadas pelas comunidades católicas da região e da Diocese de
Teófilo Otoni.
Após a missa,
foi oferecido um lauto jantar aos presentes, no Convento, espaço da escolinha, abrilhantado
por muita música. Os responsáveis pelas melodias, Frei Arineu e o sobrinho de
Irmã Miriam, Godofredo Cândido Duarte,
fizeram o som de atração de alguns passos de danças. Além da Lira Seráfica, que
prolongou a sua participação na noite.
Retorno ao
início desta simples historieta em que declarei o seguinte: a memória nos engrandece, nos valoriza, nos
eterniza. Assim, lanço às futuras gerações este desafio: não deixem morrer a tradição
dos Almeida e de outros sobrenomes que são importantes à medida que são alvo de
pesquisas. Pessoalmente, sou grato a Deus por me premiar com luzes que
considero caminhos para seguir à frente. Minha Tia faz parte deste
agradecimento. Graças a ela, me foram proporcionados dias e horas de revelações
de fatos interessantes da vida de nossa família, todos os seus componentes,
indistintamente. E, por consequência de minha conclusão, adoto um novo nome
para ela: Tia Memória.
De novo, volto o
pensamento a Deus para dizer à nossa Tia, que se encontra recolhida no
Convento, na acolhedora Itambacuri, feliz por continuar cumprindo sem atropelos
a sua bela missão. Seu exemplo continua transmitindo os valores de seu tempo às
novas gerações, o caráter humano que foi traçado desde a criação do mundo.
Ela é, também heroína em superações de
dificuldades e lutas ao longo do tempo, desde sua difícil infância,
adolescência, juventude e no presente. Como exemplo de seus tempos passados e
atuais, enfrentou ares de epidemias e pandemias que poderiam assim ser
lembradas: Gripe Espanhola, Cólera, Ébola, Sarampo,
Caxumba, Catapora, Crupe, Febre Amarela, Varíola, Malária, Polimielite, H1N1, Tuberculose, Tifo Epidêmico, Aids,
Zica, Dengue, Chikungunya, Vaca Louca, Gripe Suína. Agora, galhardamente, e
todos nós com ela e nossas famílias, estamos vencendo a nova pandemia, do
denominado Convid-19, metade doença e metade pavor fabricado por malévolos
seres humanos.
A
benevolência dela, uma nossa graça de Deus, ensina-nos a tudo superar.
Então,
a vossa bênção, nossa Tia Memória!
José
Sana
Em
27/06/2020
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