Gambá é São
Sebastião do Rio Preto. Cabrito é Passabém. Os motivos são outra história.
Esses bichos não eram mascotes, como existem hoje na maioria dos times de
futebol profissional, mas apelidos mesmo e que geravam ódio mortal. Quem
gritasse a ofensa no terreno do outro podia levar um tiro na cabeça. Nunca
ninguém morreu por causa disso, é o que sei, mas já houve guerras. Certa vez os
exércitos gambasenses e caprinos caminharam celeremente para protagonizar uma batalha
épica no Alto do Veado, mas houve intervenção de um sacerdote, o Padre Manoel
Madureira, que apaziguou os ânimos.
E me lembro de
outra batalha marcada para acontecer. Aí presenciei, mesmo de calças curtas, as
discussões para a batalha.. Todos os moradores do arraial de São Sebastião
tinham armas de fogo, foices e machados. Como índios ferozes, afiaram as suas
esquadras e, novamente, marcaram encontro no lendário Veado. Eita morro danado!
Do outro lado, vinha Passabém, também empunhando parece que canhões. No meio do
caminho a ameba, um verme que dá medo, pegou em cheio os dois exércitos, que recuaram
para os seus quartéis.
Um de meus avós,
Godofredo Cândido de Almeida, que nunca foi de correr nem atrás de baratas ou
formigas, levava a rixa bem a sério.
Proibiu os filhos e netos de passarem dentro de São José do Passabém ou, se
houvesse a imperiosidade da passagem, que fosse sem parada. Houve um tempo em
que o ônibus de São Sebastião a Itabira, via Dona Rita e Florença, só
transitava no centro de Passabém para buscar ou desembarcar passageiros. Então,
os gambás viajantes ficavam parados no entroncamento aguardando a manobra na
terra passabeense para o reembarque. Que tolice!
No meu tempo de
adolescente, tínhamos em São Sebastião um quase imbatível time de futebol.
Sabedores disso, os passabeenses não aceitavam jogar contra o nosso esquadrão.
Certa vez, fomos ao campo de Passabém reforçar o time de Santo Antônio do Rio
Abaixo. A equipe visitante se enxertaria de seis gambás na luta contra os
cabritos. Mas na hora do jogo houve o
impasse discutido solenemente por prefeito e vereadores: “Gambá não pisa no
nosso terreno”, bradaram de bom tom. Resultado: Santo Antônio jogou apenas com
um dos fedorentos e esse cara era eu, o goleiro. Afinal, não era permitido
jogar com a meta vazia.
Durante o jogo
levei varadas antológicas nas duas pernas que até se sangraram. Eram as moças
da terrinha anfitriã que queriam me ver engolir um frango. Acreditem quem
quiser: ganhamos de 3 x 0 e há muitos amigos de lá como testemunhas, como
Aristone e outros, todos de uma educação polida e invejável. Outros,
infelizmente, não posso citar, pois não se encontram mais entre nós. No momento
de ir embora, na porta da igreja, o ônibus esperava a caravana para o retorno.
A torcida punha fogo no ambiente e gritava sem parar: “Gambazada, Gambazada,
Gambazada!” Até que na saída, os visitantes reagiram, mas com o veículo em
movimento: “Vamos pro Gambá comer Cabrito?” Aí a raiva de nós voltou a
esquentar a praça.
Vejam hoje. Não
houve, a meu ver, transmissão do terrível ódio mútuo de geração para geração.
Ambas as cidades vivem em paz completa, graças a Deus! Ou nem sabem das brigas passadas. Quando os
mais velhos contam as passagens daquilo que chamo de Idade Média aos jovens
atuais, esses até se assustam. É preciso entender que o ser humano não age
sozinho, mas, sim, de acordo com os sentimentos, costumes e a própria
ignorância de cada época globalmente. Um conjunto contra outro conjunto. Virgem
Maria! Não tenho saudade dessa loucura!
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