segunda-feira, 19 de junho de 2017

FUTEBOL, NÃO QUERO ENTENDER DE VOCÊ!

Gente do mundo todo, pelo menos os doidos que me leem: detesto entender de futebol! Ou melhor, detesto achar que entendo. Como mais uma grande ilusão desta parte do universo — e o que aqui no Planeta Terra não é fraude? — queria ser ignorante total no esporte mais popular do Brasil. Aqui no mundo de dolo, traição, motejo, gostoso é ignorar as coisas. Queria entender somente de chuta pra lá, chuta pra cá e, como diziam no meu tempo de criança e ainda bradam em Portugal, “fura o golo!”

Para provar, pelo menos para os de boa vontade comigo, que entendo deste riscado, vou tentar pregar agora algumas lições que aprendi deste maravilhoso esporte. Maravilhoso porque é um esporte coletivo, que depende de bom entendimento para ser bem-jogado. Repito que gostaria de ser como aquele personagem de Nelson Rodrigues que vai ao campo de futebol e não se cansa de perguntar: “Quem é a bola?”

Regra número 1 — Todo time bom precisa de ter na meta um bom goleiro. Exemplo: o São Paulo Futebol Clube não é mais uma boa equipe porque o seu goleiro atual, Renan Ribeiro, é fraco, não inspira confiança e não lidera. Mesmo assim, o treinador Rogério Ceni, que foi um dos maiores guarda-metas do futebol brasileiro, e hoje é treinador do mesmo time, o São Paulo, não enxerga isso. Se enxerga, por que não exige uma contratação desta. Existe um grande goleiro sobrando no futebol brasileiro: Rafael, do Cruzeiro, que não deve odiar uma contratação deste nível.

Regra número 2 — A chamada “parede de beques”, os dois zagueiros, precisa ter rapazes altos, boons de cabeça e também limpos no domínio da bola rasteira. Vez por outra um time perde o jogo porque os dois zagueiros não se entendem, batem cabeça e não cortam as bolas cruzadas.

Regra número 3 — O meio de campo precisa ter um bom cabeça de área, aquele que guarnece a entrada do espaço de defesa. Os outros, talvez mais dois, devem ser os responsáveis pelas saídas de bola da defesa. Time que não tem essa jogada perfeita não é time que merece confiança. Diante do futebol moderno, dois bons alas ajudam bem.

Regra número 4 — Não é mais o tal camisa 10 tão badalado. Trata-se de um cérebro, aquele que comanda o espetáculo com habilidade, sabe fazer uma leitura do jogo, joga de cabeça alta, distribui bem as bolas e chuta também. Este é indispensável. Entrar em campo sem ele é mero suicídio. Exemplo: ontem o Cazares desempenhou esse papel e muito bem. Agora o risco: o dia em que ele não jogar, quem fará a tarefa? Ninguém, por enquanto.

Regra número 5 — Bons finalizadores. Indiscutível este item. Alguém que chuta dos dois pés e cabeceia e não um aleijado de direita ou de esquerda. Como exemplo, o Galo tem dois, Fred e Rafael Moura. O He-Man está em melhor fase. E precisa, para alternar esquemas de jogo, de velocistas. Ah, armar contra-ataques é um bom esquema.

Regra final — Um bom time precisa de “liga”, ou “engrenagens” funcionando. Às vezes um time vai mal, apesar de ter os mesmos homens em campo. O treinador pensa, arquiteta e age: coloca um cérebro que liga todos de uma vez. Eis a regra primordial de quem entende de futebol: um jogador só pode transformar o pior time do mundo, um tal de Íbis Futebol Clube, em um Real Madri ou Barcelona. E atenção: não se faz jogador mudar de característica – esse o pecado-mor dos treinadores, principalmente os brasileiros – para fazer o que o técnico pensa, mas pensar do jeito que o jogador é. Exemplo: Elias, no Galo, não joga bem atrás. Tem de fazer um esquema para ele encaixar a sua habilidade. Senão não se precisa dele, escale outro qualquer, um Pierre ou Leandro Donizete da vida. Repito que essa é a maior burrice praticada por 99% dos “entregadores de camisa”, como diz o meu amigo radialista Renato Martinho.


Antes de encerrar, um apelo dramático ou uma lamentação sincera, humilde e humilhante ao principal tema destas mal traçadas linhas: meu caro Futebol, não quero entender de você!

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Helena e José Diniz

Quem seria capaz de escrever a vida de um ser humano que viveu aparentemente oitenta e poucos anos e na prática uns nove séculos? Resposta: ninguém e nem caberia na maior enciclopédia que até hoje foi conhecida no mundo. Como uso sempre, a repetitiva expressão, muito mais longa história do que as Mil e Uma Noites, impossível. Do casal a quem me refiro agora, tenho recordações fantásticas e uma viagem mais que inesquecível na companhia dele. É aí que destaco um capítulo inimaginável.

Estou me referindo ao meu amigo José Diniz, cujo grande destaque é ter apenas Diniz no sobrenome, uma decisão inteligente de seus pais. Só um Diniz bastaria para acompanhar um prenome, e acabou, teria dito seu progenitor. E estou também me concentrando na figura de sua esposa Helena, não de Tróia, mas de Itabira mesmo, com muito orgulho dela e de sua família. Conheci o Zé em 1966, exatamente em maio, quando cheguei para Itabira e à velha Companhia Vale do Rio Doce. Pequeno na estatura, alto na voz retumbante e, mais ainda, crescido nas suas atividades de liderança no trabalho. Quantos já disseram: “Zé Diniz nasceu líder!” Deve ter dado ordem à sua parteira: “Por favor (ele nunca esquece a gentileza), me coloque naquele berço”.

Em chegando a Itabira mandaram-me para o setor de apropriação da conhecidíssima Oficina de Euclids, na “subloja” do andar de cima, o Cauê, na Jacutinga, onde Diniz era um dos chefes. O nome deve ter sido pela existência no local da ave da família dos cracídeos,75 centímetros de comprimento, 1,500 quilos, que come frutos, minhocas e insetos diversos, parente dos jacus. Provavelmente, era grande habitat dessas aves a Jacutinga, meu primeiro emprego rentável na vida depois de me arrastar pela imprensa de Belo Horizonte, ralando como um freelancer perdido de reportagens policiais e trabalho de revisão.

José Diniz ocupava o cargo de supervisor de turno, depois geral, depois operário padrão, depois homem da comunidade etc. e tal, sem contar pai de família. Impressionou-me logo de cara sua voz, que retumbava no ambiente como se fosse um trombone de vara. Lembro-me do Zé Prudêncio, esse o chefe dele, nos instantes de reuniões, que dizia: “Gosto de ouvir o Zé Diniz falar porque acho que ele tem um amplificador na barriga!”

Comunitariamente, José Diniz deixou outra impressão enquanto pôde conviver com os seus amigos — dentre os quais Jésus Nascimento Amorim, Zumário Ferreira, José Mário Vicente, José Damázio de Oliveira, Joaquim Camilo, Jujuca, Joaquim Carioca, José Cornélio de Oliveira, Helton de Oliveira Cabral, Maria das Graças e Darcy de Oliveira — quando essa turma, com ele, montou e fez funcionar uma das maiores organizações coletivas de trabalho comunitário de Itabira em todos os tempos. Eles agiam no inesquecível Grupo de Trabalho da Comunidade do Campestre, fincando obras por todos os cantos, socorrendo a comunidade no que desse e viesse. Foi algo que marcou a vida inteira ou umas três gerações de shows incríveis de solidariedade desprendida.

Com ele, é claro, o seu fidelíssimo freio de mão, Helena, de uma personalidade incrível, mulher que não sei como o Zé escolheu para ser sua companheira. Acho que Helena foi uma mega-sena única. Ambos, unidos e mais do que nunca cúmplices durante longos anos, completaram, neste 3 de junho, 60 anos de união abençoada. Repito: sessenta por extenso, que significam  Bodas de Diamante. Viver seis décadas é moleza, eu mesmo já passei disso. Quero ver é viver unidos como siameses. Ah, achei a palavra certa: tratam-se de siameses que um dia receberam as alianças e as bênçãos divinas. Depois os frutos sagrados da união: Denise, Hécio, Hedmo e Ana Carolina. E ainda seis netos e uma bisneta.

Sei de mais um capítulo importante da vida dos dois: em setembro de 2012, Marlete e eu, Helena e José Diniz, e mais 64 itabiranos, tivemos a grata alegria de conhecer a Terra Santa. Sim, atravessamos desertos onde pipocam guerras desde milhões de anos passados, uma busca de identidade, ou incrível desejo de domínio do pensamento religioso. Parece uma região atrasada, mas deve ter sido paralisada pelos acontecimentos que se dividem com os seguidores do alcorão, a bíblia dos muçulmanos, e os cristãos, além de poderosos terroristas. Abraão, Moisés, outros bíblicos passam por essa longa história.

Desvendamos os caminhos transpostos por Jesus Cristo e seus discípulos, pela Família Sagrada, e pelos difusores do conhecimento cristão. Estivemos em Nazaré, Galiléia, Jerusalém; conhecemos a cruz dos três condenados pelo regime dominante do Império Romano, a mesma que foi resgatada pelo primeiro imperador católico, Flavius Valerius Constantinus, por ordem de sua mãe, Santa Helena. De tantas viagens, caminhadas, orações e peregrinações, sem esquecer que houve batismo no Rio Jordão e novos casamentos na mesma sala  em que se realizou a Santa Ceia, tornamo-nos mais que irmãos, amigos que não se separaram nem se resolverem cortar o cordão umbilical imaginário, mas que existe, e nos une.

Ah, para atestar o amor de ambos os nubentes de 60 anos vividos o bom humor de José Diniz, a paixão da dona de seu coração, finalmente, bastou uma passagem no regresso no Aeroporto Internacional Ben Gurion,  de Tel Aviv, considerado o mais importante de Israel, que opera com destinos domésticos e voos internacionais no Oriente Médio, Ásia, África, Europa e América do Norte. Mesmo muito seguro, as suas placas e plaquetas deixam qualquer um tonto e zonzo ao mesmo tempo, mesmo com informações em inglês, a maioria em hebraico. E foi o que aconteceu com esse nosso sexagenário casadoiro radicado em Itabira: desviou sua rota, ou simplesmente, se perdeu.

Helena carregava tudo na sua milagrosa bolsa — passaportes, euros, dólares, reais, certidões e outras necessidades, além do terço e de livretos de orações — e José Diniz nem um escasso pente, que ele dispensa de letra. Pois os dois se separaram, embora sejam inseparáveis, e a multidão os confundia. As chamadas em hebraico e inglês se repetiam para o voo de retorno a Roma, via Viena, enquanto todos se alinhavam para as chatas e repetidas identificações. Todos presentes, os 67 componentes da comitiva itabirana, menos ele, o José. Ah, cadê o Diniz? Até eu me desassosseguei e fiquei mais perdido que cego em tiroteio naquela multidão de línguas diferentes, verdadeira torre de babel.

Enquanto ecoava de dentro do banheiro feminino os gritos justificados de Helena, cujo choro desabava lágrimas em sua fronte, zarpei no meio do povaréu e tão desesperado fui ficando à medida que ouvia também os clamores no alto-falante:  “This is the last call, 234 flight toward Vienna...” Até que depois de me embrenhar no meio daquela multidão de Maracanã em final de copa do mundo, avistei ao longe uma cabeça brilhando, era ele, sim, o quase inalcançável procurado. Por sorte ele viu também os meus cinzas cabelos grisalhos e aí tudo se resolveu, estabelecendo-se a paz na terra dos profetas. Apoderei-me de seus braços, arrastei-o como se faz com uma criança está procurando a mãe e, como um troféu também de copa do mundo, entreguei-o à Helena, sua legítima e bem merecida dona.

Parabéns e obrigado por existirem, caros amigos, Helena e Zé!