segunda-feira, 5 de junho de 2017

Helena e José Diniz

Quem seria capaz de escrever a vida de um ser humano que viveu aparentemente oitenta e poucos anos e na prática uns nove séculos? Resposta: ninguém e nem caberia na maior enciclopédia que até hoje foi conhecida no mundo. Como uso sempre, a repetitiva expressão, muito mais longa história do que as Mil e Uma Noites, impossível. Do casal a quem me refiro agora, tenho recordações fantásticas e uma viagem mais que inesquecível na companhia dele. É aí que destaco um capítulo inimaginável.

Estou me referindo ao meu amigo José Diniz, cujo grande destaque é ter apenas Diniz no sobrenome, uma decisão inteligente de seus pais. Só um Diniz bastaria para acompanhar um prenome, e acabou, teria dito seu progenitor. E estou também me concentrando na figura de sua esposa Helena, não de Tróia, mas de Itabira mesmo, com muito orgulho dela e de sua família. Conheci o Zé em 1966, exatamente em maio, quando cheguei para Itabira e à velha Companhia Vale do Rio Doce. Pequeno na estatura, alto na voz retumbante e, mais ainda, crescido nas suas atividades de liderança no trabalho. Quantos já disseram: “Zé Diniz nasceu líder!” Deve ter dado ordem à sua parteira: “Por favor (ele nunca esquece a gentileza), me coloque naquele berço”.

Em chegando a Itabira mandaram-me para o setor de apropriação da conhecidíssima Oficina de Euclids, na “subloja” do andar de cima, o Cauê, na Jacutinga, onde Diniz era um dos chefes. O nome deve ter sido pela existência no local da ave da família dos cracídeos,75 centímetros de comprimento, 1,500 quilos, que come frutos, minhocas e insetos diversos, parente dos jacus. Provavelmente, era grande habitat dessas aves a Jacutinga, meu primeiro emprego rentável na vida depois de me arrastar pela imprensa de Belo Horizonte, ralando como um freelancer perdido de reportagens policiais e trabalho de revisão.

José Diniz ocupava o cargo de supervisor de turno, depois geral, depois operário padrão, depois homem da comunidade etc. e tal, sem contar pai de família. Impressionou-me logo de cara sua voz, que retumbava no ambiente como se fosse um trombone de vara. Lembro-me do Zé Prudêncio, esse o chefe dele, nos instantes de reuniões, que dizia: “Gosto de ouvir o Zé Diniz falar porque acho que ele tem um amplificador na barriga!”

Comunitariamente, José Diniz deixou outra impressão enquanto pôde conviver com os seus amigos — dentre os quais Jésus Nascimento Amorim, Zumário Ferreira, José Mário Vicente, José Damázio de Oliveira, Joaquim Camilo, Jujuca, Joaquim Carioca, José Cornélio de Oliveira, Helton de Oliveira Cabral, Maria das Graças e Darcy de Oliveira — quando essa turma, com ele, montou e fez funcionar uma das maiores organizações coletivas de trabalho comunitário de Itabira em todos os tempos. Eles agiam no inesquecível Grupo de Trabalho da Comunidade do Campestre, fincando obras por todos os cantos, socorrendo a comunidade no que desse e viesse. Foi algo que marcou a vida inteira ou umas três gerações de shows incríveis de solidariedade desprendida.

Com ele, é claro, o seu fidelíssimo freio de mão, Helena, de uma personalidade incrível, mulher que não sei como o Zé escolheu para ser sua companheira. Acho que Helena foi uma mega-sena única. Ambos, unidos e mais do que nunca cúmplices durante longos anos, completaram, neste 3 de junho, 60 anos de união abençoada. Repito: sessenta por extenso, que significam  Bodas de Diamante. Viver seis décadas é moleza, eu mesmo já passei disso. Quero ver é viver unidos como siameses. Ah, achei a palavra certa: tratam-se de siameses que um dia receberam as alianças e as bênçãos divinas. Depois os frutos sagrados da união: Denise, Hécio, Hedmo e Ana Carolina. E ainda seis netos e uma bisneta.

Sei de mais um capítulo importante da vida dos dois: em setembro de 2012, Marlete e eu, Helena e José Diniz, e mais 64 itabiranos, tivemos a grata alegria de conhecer a Terra Santa. Sim, atravessamos desertos onde pipocam guerras desde milhões de anos passados, uma busca de identidade, ou incrível desejo de domínio do pensamento religioso. Parece uma região atrasada, mas deve ter sido paralisada pelos acontecimentos que se dividem com os seguidores do alcorão, a bíblia dos muçulmanos, e os cristãos, além de poderosos terroristas. Abraão, Moisés, outros bíblicos passam por essa longa história.

Desvendamos os caminhos transpostos por Jesus Cristo e seus discípulos, pela Família Sagrada, e pelos difusores do conhecimento cristão. Estivemos em Nazaré, Galiléia, Jerusalém; conhecemos a cruz dos três condenados pelo regime dominante do Império Romano, a mesma que foi resgatada pelo primeiro imperador católico, Flavius Valerius Constantinus, por ordem de sua mãe, Santa Helena. De tantas viagens, caminhadas, orações e peregrinações, sem esquecer que houve batismo no Rio Jordão e novos casamentos na mesma sala  em que se realizou a Santa Ceia, tornamo-nos mais que irmãos, amigos que não se separaram nem se resolverem cortar o cordão umbilical imaginário, mas que existe, e nos une.

Ah, para atestar o amor de ambos os nubentes de 60 anos vividos o bom humor de José Diniz, a paixão da dona de seu coração, finalmente, bastou uma passagem no regresso no Aeroporto Internacional Ben Gurion,  de Tel Aviv, considerado o mais importante de Israel, que opera com destinos domésticos e voos internacionais no Oriente Médio, Ásia, África, Europa e América do Norte. Mesmo muito seguro, as suas placas e plaquetas deixam qualquer um tonto e zonzo ao mesmo tempo, mesmo com informações em inglês, a maioria em hebraico. E foi o que aconteceu com esse nosso sexagenário casadoiro radicado em Itabira: desviou sua rota, ou simplesmente, se perdeu.

Helena carregava tudo na sua milagrosa bolsa — passaportes, euros, dólares, reais, certidões e outras necessidades, além do terço e de livretos de orações — e José Diniz nem um escasso pente, que ele dispensa de letra. Pois os dois se separaram, embora sejam inseparáveis, e a multidão os confundia. As chamadas em hebraico e inglês se repetiam para o voo de retorno a Roma, via Viena, enquanto todos se alinhavam para as chatas e repetidas identificações. Todos presentes, os 67 componentes da comitiva itabirana, menos ele, o José. Ah, cadê o Diniz? Até eu me desassosseguei e fiquei mais perdido que cego em tiroteio naquela multidão de línguas diferentes, verdadeira torre de babel.

Enquanto ecoava de dentro do banheiro feminino os gritos justificados de Helena, cujo choro desabava lágrimas em sua fronte, zarpei no meio do povaréu e tão desesperado fui ficando à medida que ouvia também os clamores no alto-falante:  “This is the last call, 234 flight toward Vienna...” Até que depois de me embrenhar no meio daquela multidão de Maracanã em final de copa do mundo, avistei ao longe uma cabeça brilhando, era ele, sim, o quase inalcançável procurado. Por sorte ele viu também os meus cinzas cabelos grisalhos e aí tudo se resolveu, estabelecendo-se a paz na terra dos profetas. Apoderei-me de seus braços, arrastei-o como se faz com uma criança está procurando a mãe e, como um troféu também de copa do mundo, entreguei-o à Helena, sua legítima e bem merecida dona.

Parabéns e obrigado por existirem, caros amigos, Helena e Zé!

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