quarta-feira, 26 de agosto de 2020

HARCY LAGE, GONÇALO SANTANA E EU


Conheci  Harcy Lage, saudoso pai de Marco Antônio Lage, esperança do futuro de Itabira, sem vê-lo e sequer ouvi-lo. Eleito vereador em 1972, tomei posse no ano seguinte. Durante  as reuniões do Legislativo Itabirano, Harcy  era um nome mágico, fantástico, uma espécie não sei de quê, acho que uma ópera. Vereadores sempre falavam dele, citavam-no como responsável por isso, por aquilo, aquiloutro. Conceituei-o, então, como pauta de reuniões.

De tanto ouvir  “Harcy Lage” daqui, “Harcy Lage” dali, certa vez resolvi perguntar durante uma reunião: “Senhor presidente, quem, afinal, é esse tal de Harcy Lage?” Ele foi resumido: “É um fazendeiro e ex-vereador, muito respeitado de Ipoema”. Tudo bem, pensei comigo, respeitado já senti que é.

Os anos passaram e  agora chegamos a  um dia de fevereiro de 1979. Tinha eu um jipe, adquirido às pressas,  para enfrentar as  enchentes bravas que caíam na região e fecharam entrada e saída de Itabira durante  bom tempo. No veículo, com tração nas quatro rodas, ia a Belo Horizonte  pelo menos uma vez por semana, via Ipoema, Bom Jesus do Amparo, até pegar a BR 381/262. Em BH adquiria mercadorias que não eram encontradas em Itabira para a confeitaria Cantinho do Pão de Queijo, meu ganha-pão na época.

Harcy Lage
Certa vez, voltando de BH em companhia de um funcionário, lá pelas dez da noite, debaixo de chuva torrencial, o potente veículo teve o diferencial agarrado no barro, em frente à sede da Fazenda da Dona.  Estacionamos, forçados, no meio da estrada e não passou  sequer uma alma viva para nos ajudar, só pelejamos e desistimos. Durante a peleja, vem um funcionário da fazenda e me orienta: “Você vai ter de esperar até amanhã cedo para que funcionários da Prefeitura venham arrancar esse carro daí.”

Vivemos um drama parecido com o das “mil e uma noites”. Antes de pegar no sono, que durou curtíssima  hora,  mal-acomodados, é claro, chega de novo o ajudante da fazenda e diz: “Estão te chamando para dormir  lá” — apontou o dedo para o casarão colonial, de notável valor cultural. Penhoradamente  agradeci.

Cochilos intercalados pelo barulho da chuva, o dia amanheceu, um funcionário da fazenda vai a Ipoema e traz uma equipe de trabalhadores municipais que, num instante, com um trator, puxa  o jipe. Ainda recebemos outro convite: “A dona da casa mandou chamar para o café”. Mais uma vez sou agradecido pelo segundo convite. Tento contribuir com os operários do socorro, mas eles rejeitaram todo tipo de gorjeta.

Passados  três anos, ou seja, estamos em 1982, eu numa campanha inglória  para  deputado estadual. A jornada é árdua, não só nas cidades vizinhas, mas também nas zonas rural e urbana. Comícios, reuniões, visitas, festas religiosas, casamentos, batizados, velórios, missas e outros  eventos faziam parte das programações. Como praticam os candidatos, cumprimento um a um os cabos eleitorais e eleitores. Entre  conversas,  falam  muito de dois fazendeiros e, não sei por qual razão, no auge de meus trinta e poucos anos, certos nomes guardo, como Gonçalo e Harcy, mas me fogem da memória as fisionomias.

Num dos comícios, deparo-me com um desses fazendeiros: aproximo-me  e o cumprimento com voz retumbante: “E aí, senhor Gonçalo, como vai?” Quebrei a cara e foi como cutucar onça com vara curta. Ele, simplesmente, agarra-me pelos braços e solta um discurso enfático: “Outra vez?” Vi que estava a um palmo de um puxão de orelhas sem saber o porquê.

Antes mesmo que desse  conta do erro, fixo os olhos no bolso de sua camisa e lá estava um monte de santinhos. Dava para ver: “Vote em José Sana, número 1117”. Alívio momentâneo, mas vem a fatal franqueza: “Olha aqui, seu Sana, candidato a deputado, estou trabalhando para você e você nunca me pediu; agora vem trocar o meu nome? Pare de me chamar de Gonçalo!” Estava frente a frente com Harcy Lage.

Nem sei mais qual foi a réplica. Ou melhor, perdi a voz. Ele continuou: “Olha que você  ainda teve a coragem absurda de passar  uma noite dentro de um carro na porta de minha casa, rejeitar convite para dormir, nem um simples café aceitou!”Minha voz embargada não emite sequer pedido de desculpas, acho que ele entendeu o constrangimento.

Poucos dias depois, noutro comício, aperto a mão do segundo fazendeiro e pronuncio a seguinte frase: “Como vai, senhor Gonçalo Santana Silveira?” Ele respondeu: “Onde ficou sabendo meu nome todo?” Desta vez acertei, penso comigo mesmo. Antes de lhe explicar, surpreende-me também: “Me dá cédulas dessas aí que eu e meu pessoal de casa vamos todos votar em você. O Harcy me pediu!”

O tempo voa para 2013, ele já não está mais conosco, leio um belíssimo texto no Facebook, de autoria de Stael Azevedo, que revela: Harcy Lage foi o pioneiro de fotografias na velha Aliança. Aí, então, anexo mais dados dele no meu caderno:  exímio fotógrafo, ex-vereador, grande chefe político e professor de política pura, limpa e sincera, das que poucos praticam hoje em dia, além de pai de 11 filhos, tendo Marco Antônio no meio do time de craques.

Este foi apenas um pequeno capítulo de meu relacionamento com Harcy Lage, passando por Gonçalo Santana. O importante ainda mais foi que aprendi  lições inesquecíveis, como: não rejeite um teto para dormir, nem um café de cortesia, quanto menos troque o nome do eleitor. Erros como estes podem custar uma derrota inapelável. Perdi a eleição para deputado, mas cheguei bem perto, com 15.351 votos num colégio eleitoral de 45 mil eleitores.

José Sana

26/08/2020

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

SÚPLICA DE ÚLTIMA HORA: DOE UM RADINHO, POR FAVOR!


Amigos, ajudem-me a raciocinar, por favor: estamos no ano 2020, não? Vivemos no Terceiro Milênio da civilização humana na face do Planeta Terra, não?

Mas  tive uma sensação esquisita, ou até saudosista, de  que estávamos na Idade Média, para não dizer na Pré-História, ao receber um pedido. Eis o resumo da mensagem:

 - A Secretaria Municipal de Educação de Itabira vai iniciar, nesta segunda-feira, 24 de agosto, aulas para seus alunos residentes nas zonas rural e urbana.

- As aulas serão ministradas via rádio (Itabira AM 770 khz).

- Para  se chegar a esta decisão, foi feita pesquisa junto às famílias de alunos. Constatou-se que 146 residências não possuem nem rádio, nem TV.

- Exemplarmente falando, a  Fide e a EFG/Itabira se uniram em prol destes estudantes e solicitam, a quem puder ajudar com a doação de um rádio, frequência AM, novo ou usado em boas condições de uso, que leve a sua doação até dia 28/08 (sexta-feira) à Secretaria Municipal de Educação (gabinete do secretário ou na Superintendência técnico-pedagógico) - Rua Jacutinga, nº 5 - Campestre.

- A providência de ministrar ensinamentos via rádio é para suprir a falta de aulas presenciais, situação provocada pela pandemia.

- Estamos não somente na Pré-História, mas também na pobreza total, já preconizada pela saída da Vale de nossas terras, em 2028. E não temos cerca de 12 mil reais para adquirir os radinhos. Unidos, cada um participando com uma doação, com certeza é possível, sim, realizar esta façanha.

Então, vamos praticar este ato de solidariedade? Pretendo ir lá levar o radinho que ainda vou pechinchar por aí (dizem que no Paraguai custa R$ 3,00, via internet) e espero encontrar você fazendo o mesmo.

Em nome de 146 famílias, a Fide e a EFG/Itabira agradecem. E nós também.

José Sana

Em 24/08/2020




sábado, 22 de agosto de 2020

DOEM RÁDIOS PARA CRIANÇAS ITABIRANAS, POR FAVOR!


Amigos, ajudem-me, por favor, estamos no ano 2020, não? Vivemos no Terceiro Milênio da civilização humana na face do Planeta Terra, não?

Mas ontem, 21 de agosto de 2020, sexta-feira, tive uma sensação esquisita, ou até saudosista, de  que estávamos na Idade Média, para não dizer na Pré-História. Anotem a mensagem que recebi e que me deixou meio perdido no tempo, depois deprimido:

“A Rede Municipal de Ensino de Itabira, vai iniciar a partir do dia 24/08, segunda-feira, a transmissão das aulas por meio das ondas da rádio Itabira 770 AM.

De acordo com levantamento feito pela Secretaria Municipal de Educação, 146 famílias ainda não dispõem de rádio, ou qualquer outro meio, para ouvirem em casa essas aulas.

Assim, a Fide e a EFG/Itabira se uniram em prol destes estudantes e solicitam, a quem puder ajudar com a doação de um rádio, frequência AM, novo ou usado em boas condições de uso, que leve a sua doação até dia 28/08 (sexta-feira) à Secretaria Municipal de Educação (gabinete do secretário ou na Superintendência técnico-pedagógico) - Rua Jacutinga, nº 5 - Campestre".




Releiam vocês a mensagem acima descrita: “146 famílias ainda não dispõem de rádio, ou qualquer outro meio, para ouvirem em casa essas aulas”. Depois pude apurar que a maioria absoluta dos “sem rádio” mora na zona urbana.

Volto ao início deste texto: estamos quando mesmo? A invenção do rádio é atribuída ao italiano Guglielmo Marconi no século XIX. No Brasil, a primeira transmissão ocorreu em 1923, por Edgard Roquete Pinto e Henry Morize.

O rádio é a união de três tecnologias: a telegrafia, o telefone sem fio e as ondas de transmissão. São quase cem anos que ele já era popular no nosso país. E voltemos a refletir: centenas de famílias, ou milhares, porque a pesquisa se fez com alunos da Rede Municipal de Ensino, não o têm, ou não o conhecem. E somos da grande Itabira, de Carlos Drummond de Andrade, da velha e poderosa Vale do Rio Doce, e governados por uma Prefeitura que está entre as que mais arrecadam impostos no Brasil. E gasta à revelia com bulhufas.

Depois do rádio, ocorreu uma quarta ou quinta revolução industrial. Veio o telefone sem fio, estabeleceu-se como popular a televisão, apareceu a internet e com ela  redes mais importantes de comunicação no mundo. E 146 famílias de Itabira entre alunos da Rede Municipal de Ensino não conhecem o rádio, ou só o veem em poder de “poderosos”.

Amigos, vamos deixar esse enxovalho de lado, pelo menos por enquanto e atendermos o pedido da Fide e da Escola do Sebrae. Vamos esquecer o nosso atraso. Vamos  somente  pensar no seguinte: um rádio comum custa R$ 80,00 x 146 unidades = R$ 11.680,00. Exemplificando, a Prefeitura de Itabira gastou R$ 14 milhões de verba federal para combater o Coronavírus. Mas não tem essa Prefeitura 12 mil reais, valor do salário de um mero secretário, e a metade da remuneração do prefeito, para adquirir rádios para alunos carentes, obrigados a estudar em casa por conta desse maldito vírus Covid-19?

Abro um parágrafo para dizer que objetivo destas linhas é pedir a você que me lê, que faça o seguinte, por favor: adquira um radinho e entregue-o no local determinado  para as famílias carentes. Elas vão ficar felizes porque você contribui para a educação de muitos meninos e meninas.

Fechando o parágrafo, quanto à realidade que nos atinge em cheio, desisto, acredito estarmos  mesmo numa civilização retardada, acordei na Pré-História. Por isso, vou, ao lado de cidadãos sensíveis, aguardar uma nova invenção. Não do rádio nem de mais nada, de tecnologia nenhuma, mas  apenas da vergonha na cara, que ainda não chegou por aqui.

José Sana

Em 22/08/2020