O mínimo de reconhecimento
de São Sebastião do Rio Preto
Amigos,
este é um dos textos mais difíceis que me incumbe a vida de escriba
despretensioso. Alguém mandara-me, recentemente, uma mensagem assim: “Zé Sana,
pare de escrever sobre quem morre. Todos morrem e você fica falando só
pleonasmos, repetindo sentimentos que jazem em todos os corações; passe a
escrever sobre os que nascem porque nem todo mundo nasce. Quer uma ideia? Meta
o pau naqueles seres sem sentimentos que apoiam o aborto; o aborto representa
cortar a oportunidade de alguém vir ao mundo e ajudar a consertá-lo”. Confesso que tal mensagem equivaleu a um tiro no peito, indefensável e inapelável.
Pensei
no assunto seriamente. Pessoas mais próximas
endossavam as palavras de outros e ainda diziam: “Todo mundo fala bem
dos que morrem, sempre assim e melhor é você parar mesmo! Diante desta
evidência estarrecedora, quase assinei uma declaração mais ou menos assim:
“Declaro que não vou mais escrever sobre os que se foram deste mundo, somente
sobre os vivos”. Pensei em assinar e levar ao Cartório de Registro de Títulos
e Documentos para averbar e, em seguida,
mandar afixar defronte o computador.
Sustentei
o silêncio até este momento. Até esta semana, mais exatamente hoje, dois dias
após uma ocorrência. Amigos contrários à decisão me ligavam, pediam fotos, umas
diziam: “Não vai escrever sobre este moço, que acaba de passar pela vida,
deixar uma saudade indescritível e nos oferecer bons exemplos?” Respondi que já
escrevera mais que um livro sobre este amigo, cujo nome próprio de cartório e
pia batismal era e é, eternamente, João Guadalupe de Almeida. Conheci-o pela
sequência de apelidos: Joãozinho da Sonel, Joãozinho Pão de Queijo, João do
João Paulo e, finalmente, Kaki.

Vou
sustentar a palavra de homem e não considerar estas linhas como um texto
póstumo sobre o moço porque a nossa São Sebastião do Rio Preto sabe quem foi
ele, conhece a sua história, simplicidade, sabedoria, jeito de ser, modo de
andar e de falar. Desde o balaio de guloseimas que vendia ruas afora; os
picolés itinerantes que entregava; o atendimento no Bar do João Paulo; a luta
para manter, sozinho e sem nenhuma remuneração, o fornecimento de energia
elétrica na Cachoeira Alegre; as duas de suas paixões, pela loteria e por Vera
Fischer; seu xingatório mais santificado que possa existir, que todos entendiam
como benfazejos; os gaguejos abençoados por todos, e por Deus — enfim, ele, de
jeito peculiarmente compreensível e amado até chegar a este momento doloroso.
Uma criatura que nunca teria raiva nem de uma onça que pudesse atacá-lo.
Já
escrevi também que na vida do casal João Paulo e Sonel, nasceram dez filhos. Deus chamou nove e ficou apenas ele
no mundo. O pai casa-se em segundas núpcias com Maria Rita e Deus lhe devolve
nove irmãos e irmãs que havia perdido. Ato com cara de milagre, que também
rabisquei em seguidos textos.
Tudo
bem. Não vou mais escrever sobre os que nos deixaram. E nem sobre o Kaki. Vou apenas,
e simplesmente, expor, de público, um pedido ao prefeito, aos vereadores, ao
povo de São Sebastião do Rio Preto, a algum empresário que se sinta comovido,
que façamos o seguinte: vamos erguer uma estátua para este moço e estampá-la em
qualquer ponto da cidade. Não para remoer mais ainda esta saudade imensa que
todos sentem por ele, mas por uma única razão: torná-lo eterno em nossas
mentes, deixar que seus exemplos de humildade, trabalho, docilidade da
alma alastrem-se e transformem a loucura
em que o mundo vive hoje num ambiente de amor como ele era e sempre será.
Amigos, Joãozinho Kaki, queiram ou não queiram, é uma intocável referência desta geração de nossa terra.
Concluindo,
não entendam que escrevi, mas que sugeri uma homenagem, e a sua simplicidade
não será alterada. Apenas que nós, seus conterrâneos e amigos, possamos demonstrar
altíssimo nível de entendimento e estamos comovidos e dispostos em ser, como ele,
de coração puro, alma límpida, alegria sem mácula. Que fique Kaki inesquecível até o fim dos tempos.
José
Sana
Em 20/09/2020