Não precisamos mais explicar coisa alguma, já que estamos bancando mortos-vivos
Meu telefone
toca o dia todo e, infelizmente, é perda de tempo atender. Quase todas as
ligações são de telemarketing, aquelas vozinhas de sono oferecendo planos de
venda de veículos, ou casas, ou bananas. Não vale a pena...
Não atendo.
Mas desta vez tratava-se de uma ligação insistente, com mensagem de “urgente”.
Foi bom ter atendido porque acabei tendo motivos para escrever estas malditas
(ou serão benditas?) linhas.
— Alô — diz a
voz grossa do outro lado, de um rapaz que parecia ser fino.
— Pronto — dou
a resposta assim meio desconfiado.
— Eu só queria
lhe dar uma pauta de suas crônicas que estão chocas, sem gosto, parecem chuchu
com abóbora de porco.
Aí, lhe
perguntei:
— Os textos da
DeFato Online, da Notícia Seca ou do Zé do Burro?
"Levei tinta" ao
mencionar Zé do Burro porque recebi uma
resposta amaldiçoada:
— Não leio Zé
do Burro porque, além de ser de um astuto, o desânimo é declarado.
— Tudo bem, me
faça o seguinte: me dê seu nome e endereço completos para continuarmos a falar.
Desconfio que estou falando com o Pedro Rapadura. Briguei com ele e ele
continua me ligando.
— Olha, estou
lhe falando para o seu bem, para te passar um bom assunto. Se não quer, vou
desligar.
— Conte a sua
novidade.
E ele rasgou o
verbo:
— Escreva um
título qualquer e não se esqueça de mencionar que o tema é para tirar as
dúvidas de todos os tempos. É o seguinte: o itabirano é burro? Só isso e ponto
final.
— Ponto final,
que nada! Diga-me o motivo...
— O senhor se
baseia em quê e por quê o itabirano é asno? — estas duas perguntas são minhas.
— Olha uma
evidência estarrecedora: a cidade está crescendo, engenheiros civis não dão
conta do trabalho. Qualquer um que quer ser pedreiro, carpinteiro, encanador,
ajudante, escriturário, motorista, operador de máquinas, cozinheira, faxineira,
basta só procurar o endereço mencionado pelo recrutador, ou ir ao Sine, na Avenida das Rosas nº410, Bairro São Pedro. Só
isso queria resumir: mais da metade de casas, barracões, apartamentos e até
mansões vão sobrar em Itabira. A Vale já está se despedindo. O itabirano não
sabe a hora que está com fome. E não vou exagerar: não sabe se está vivo ou se
está morto!
Não disse mais
nada, apenas que estava saindo para ver um acidente que acabava de ocorrer nas
proximidades da casa dele. “Ligo depois!” — suas últimas palavras.
O informante
chegou ao local — MG 434 — e presenciou as conversas que se travavam lá. Um
veículo de pequeno porte tinha capotado quatro vezes. A Polícia Rodoviária
Estadual emitia o seu boletim. Conversou com o motorista do acidente. Nem ele,
nem o passageiro tiveram qualquer coisa de grave, ou melhor, nada tiveram. Só babas
escorrendo na boca do passageiro “chapado.” Ele tinha bebido tanto que
desmaiou.
Ficou sabendo
mais detalhes da capotagem. Contou-lhe o motorista, muito sério e tranquilo.
Foi assim o
que explicou o motorista: “Perdi o controle do carro, não sei o que houve.
Estivemos numa festa e eu não bebi sequer café, só um copo de guaraná. Saímos
de lá, a uns quatro quilômetros e eu estava com sono. Então, cochilei e isso aí
aconteceu”.
O motorista continuou
a narrativa: “Vendo aquele quadro, o veículo todo amassado, meu companheiro
roncando dentro do veículo, tive medo de qualquer coisa, um incêndio, por
exemplo. E gritei com ele, o babão, puxei-lhe a perna:
— Levanta, pô! Capotei o carro três ou quatro
vezes e precisamos sair daqui, o tanque de gasolina está vazando”.
Ao tentar
levantar-se, o bêbado, de olho esbugalhado, soltou a frase do dia, ou da noite:
— E nóis, nóis
morremos?
Só para
concluir, o informante retornou rápido, pegou o telefone, discou meu
número e
completou a sua opinião sobre o
que acabava de ocorrer:
“Eu não te falei que o itabirano
nem sabe se está vivo ou se está morto?”
José Sana
Em 24/03/2024
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