domingo, 14 de abril de 2013

Entrevista com o Tomate: “Eu quero que o povo tome vergonha na cara”


O Senhor Tomate chegou, brilhando como um chão encerado, por causa da chuva fina que caía no início de noite desta quinta-feira, 11 de abril. Veio me encontrar já esperando, de gravador em punho, além da máquina fotográfica e de outros apetrechos, como caneta, papel e paciência.

Antes, é preciso dizer que nem o Senhor Tomate tem a total certeza de que se ele é fruta ou legume. Segundo os biólogos é fruto do tomateiro Solanum Lycopersicum ou Solanaceae. Ele é primo primeiro da berinjela, das pimentas e pimentões. Dizem que veio da América Central e de países do Sul do continente, bem velho e conhecido em todo o mundo.

Popularmente, ou mais precisamente nas feiras e sacolões, ele é legume. Obteve grande popularidade nos últimos dias. Segundo alguns fofoqueiros de plantão, seria estratégia da equipe econômica do Governo Federal para desviar a atenção da inflação que está sendo desenhada nos últimos dias.

Vamos ver o que diz o Senhor Solanum Lycopersicum, o conhecido Tomate.

EU — Senhor Tomate, o senhor se tornou um grande nome brasileiro, hein?
TOMATE — Verdade, tive uma ascensão de popularidade impressionante. Não sabia, no princípio por que isso aconteceu, mas depois entendi tudo.

EU — Vai nos contar o porquê dessa popularidade impressionante?
TOMATE — Vou contar, sim, mas antes quero fazer alguns esclarecimentos. O primeiro, nunca pensei em ser famoso; segundo, só aceito essa entrevista para esclarecer os fatos; terceiro, só aceito essa popularidade porque quero fazer o bem ao brasileiro.

EU — O senhor é o primeiro legume a ser entrevistado no mundo. O que pensa disso?
TOMATE — Vamos corrigir: pelo que sei, tomate é fruta. Mas sei que o povão pensa que sou legume. A única confusão que eu mesmo faço comigo, quando encaro os humanos, é que se for fruta sou feminino e se for legume, sou macho. Prefiro, então, que  me chamem de legume. Quanto à entrevista, acho que sim, devo ser o primeiro legume a ser entrevistado.

EU — Como o senhor encara o que aconteceu ou ainda acontece com referência à sua supervalorização?
TOMATE — Em parte, foi boa, porque serviu para as pessoas me valorizarem. Imagine que fui colocado em cofres, dentro de carteiras, bolsas e até me confundiram com joias. Fizeram muitas histórias e piadas comigo. Fiquei lisonjeado, mas, também, em seguida, chateado.

EU — Chateado por que, senhor Tomate?
TOMATE — Ora, descobri quase sem querer que aquela barulhada toda — meu nome indo para os programas de rádio, televisão, os sites, blogs, o Facebook, o Twitter, jormais, revistas, mesas redondas, palestras de especialistas e mesas de cartunistas —disso eu gostava, mas descobri que, no final, a minha popularidade foi uma invenção da equipe econômica do governo. Virei, enfim, um bode expiatório da inflação. Eles não queriam dizer que havia inflação, mas que o único problema era eu, o pobre Tomate.

EU — Quer dizer que de legume a fruta o senhor passou a ser, também, um animal quadrúpede, o bode?
TOMATE — Pois é, veja só, que confusão e humilhação! O pior é que cheguei a valer R$ 13,50 o kg na feira e quase R$ 20,00 nos supermercados e, em seguida, passei a ser mercadoria de promoção. Caí, portanto, e passei a ser oferta de R$ 3,50 o kg. Devo esclarecer que somos tomates de várias espécies e qualidades. Desta forma, comecei até a apodrecer, sentir dor nas costas, no peito, no braço, falta de ar, pernas bambas, vista escurecendo, quase morrendo.  A raiva do povo, que deveria ser contra os especuladores que me usaram, caiu envenenada sobre mim. Foi um horror!

EU — O povo já descobriu que a inflação está comendo tudo pelas beiradas?
TOMATE — Pelo que tem observado, acho que não totalmente. Só estou vendo que a ficha de todo mundo ainda não caiu. O povo é mesmo um babaca, não entende muito de manobras do governo. Por causa disso sofre. Nós, da área de alimentação sofremos menos que vocês todos, apesar de sermos comidos, vomitados e sei lá o quê... não vou falar tudo senão me censuram (rs...rs...rs...).

EU — Como acha que vai terminar essa história?
TOMATE — Olha, não nego, queria que ela continuasse. Mas, infelizmente, está acabando. Pelo lado de valorização, é claro, fiquei feliz, mas considerando a humilhação, a caída de preços e o abandono nas bancas, fiquei chateado.

EU — O senhor sabe que é bom para a saúde?
TOMATE — Vocês falam isso, mas preferiria que matasse todo mundo quando sinto que especulam os legumes e as frutas, se aproveitam da nossa fraqueza. A nossa raiva chega a tanto clamor que queria ser uma pimenta ardendo e, logo em seguida, matando como um veneno.

EU — Mesmo com a desvalorização da sua família toda, incluindo a própria pimenta, a berinjela e o pimentão, o que diria de sua vida?
TOMATE — Olha, vocês, humanos, sabem que vivemos de saco cheio. De todos esses comestíveis somos nós os que mais sofremos. Só não sofremos mais que os humanos. Imagine, por exemplo, a quantidade de transformações que fizeram em nosso DNA. Pegaram as nossas sementes e foram mudando, sempre à procura de uma receita mais barata e rentável. O resultado dessas experiências malignas foi que fomos perdendo o sabor. Eu, por exemplo, em algumas hortas ou quintais ou pomares estou parecendo um objeto de plástico, pode morder que ninguém sente nada.

EU — Esse fato não seria uma coisa boa para vocês, ou seja, se não tem gosto não os comem?
TOMATE —Não, meu amigo! O que nós queremos mesmo é sermos comidos. Quem não pensa assim não tem instrução. Pois a vida é de transformações, também vivemos essa vida. Imediatamente após a ingestão nossa nos transformamos, ou seja, o mesmo que reencarnação. Temos múltiplas vidas. Só que temos ciclos diferentes. Quem sofre prisão de ventre, por exemplo, nos massacra, demoramos a reencarnar.

EU — E os agrotóxicos, vocês gostam deles?
TOMATE — Maluquice você perguntar isso. Odiamos os agrotóxicos que dificultam a nossa vida e destrói a vida de vocês. O ser humano é um burro e não percebe que há outras formas de matar as pragas trabalhando com medicina preventiva. Vocês têm a mania de esperar que a praga chegue para irrigá-la com produtos perigosos. Fique sabendo você e conte para o pessoal de seu mundo que o agrotóxico é uma bomba atômica. Vocês criticam o Kim Jong Un, aquele doido da Coreia do Norte, que teria armas nucleares de alta periculosidade, mas se esquecem de vocês mesmos que são piores.

EU — Só tenho que agradecer ao senhor por esta entrevista. Alguma mensagem ao nosso mundo?
TOMATE — Eu só gostaria de pedir a todos vocês que tomem primeiramente vergonha na cara para entender tudo como se faz. Se o nosso preço subiu, foi artimanha do governo que nos escolheu para pagarmos o pato. E entender ainda como subimos e caímos de preço. Depois disso, em segundo lugar, pediria que vocês estudassem mais, lessem mais, lessem livros, que ficassem menos tempo no Facebook porque se ele é bem informativo, tem momentos que se torna bestial. Em terceiro lugar, queria tanto que nos valorizassem no sentido de estabilização de nosso valor e não mantivessem esse processo de valorização e desvalorização ao mesmo tempo. No mais, quero agradecer pela oportunidade que nos dá de colocarmos a boca no trombone.

EU — Sou eu quem agradeço por aprender tanto com o senhor. De Tomate a Bode Expiatório, a Pato e a Trombone, acho que o envolvimento da novela do Tomate foi grande e boa. Obrigado ao senhor!

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