O Senhor Tomate
chegou, brilhando como um chão encerado, por causa da chuva fina que caía no
início de noite desta quinta-feira, 11 de abril. Veio me encontrar já
esperando, de gravador em punho, além da máquina fotográfica e de outros
apetrechos, como caneta, papel e paciência.
Antes, é preciso
dizer que nem o Senhor Tomate tem a total certeza de que se ele é fruta ou
legume. Segundo os biólogos é fruto do tomateiro Solanum Lycopersicum ou
Solanaceae. Ele é primo primeiro da berinjela, das pimentas e pimentões. Dizem
que veio da América Central e de países do Sul do continente, bem velho e
conhecido em todo o mundo.
Popularmente, ou
mais precisamente nas feiras e sacolões, ele é legume. Obteve grande
popularidade nos últimos dias. Segundo alguns fofoqueiros de plantão, seria
estratégia da equipe econômica do Governo Federal para desviar a atenção da
inflação que está sendo desenhada nos últimos dias.
Vamos ver o que
diz o Senhor Solanum Lycopersicum, o conhecido Tomate.
EU — Senhor
Tomate, o senhor se tornou um grande nome brasileiro, hein?
TOMATE — Verdade, tive
uma ascensão de popularidade impressionante. Não sabia, no princípio por que
isso aconteceu, mas depois entendi tudo.
EU — Vai nos
contar o porquê dessa popularidade impressionante?
TOMATE — Vou contar,
sim, mas antes quero fazer alguns esclarecimentos. O primeiro, nunca pensei em
ser famoso; segundo, só aceito essa entrevista para esclarecer os fatos;
terceiro, só aceito essa popularidade porque quero fazer o bem ao brasileiro.
EU — O senhor é o
primeiro legume a ser entrevistado no mundo. O que pensa disso?
TOMATE — Vamos corrigir:
pelo que sei, tomate é fruta. Mas sei que o povão pensa que sou legume. A única
confusão que eu mesmo faço comigo, quando encaro os humanos, é que se for fruta
sou feminino e se for legume, sou macho. Prefiro, então, que me chamem de legume. Quanto à entrevista,
acho que sim, devo ser o primeiro legume a ser entrevistado.
EU — Como o senhor
encara o que aconteceu ou ainda acontece com referência à sua supervalorização?
TOMATE — Em parte, foi
boa, porque serviu para as pessoas me valorizarem. Imagine que fui colocado em
cofres, dentro de carteiras, bolsas e até me confundiram com joias. Fizeram
muitas histórias e piadas comigo. Fiquei lisonjeado, mas, também, em seguida,
chateado.
EU — Chateado por
que, senhor Tomate?
TOMATE — Ora, descobri
quase sem querer que aquela barulhada toda — meu nome indo para os programas de
rádio, televisão, os sites, blogs, o Facebook, o Twitter, jormais, revistas,
mesas redondas, palestras de especialistas e mesas de cartunistas —disso eu
gostava, mas descobri que, no final, a minha popularidade foi uma invenção da
equipe econômica do governo. Virei, enfim, um bode expiatório da inflação. Eles
não queriam dizer que havia inflação, mas que o único problema era eu, o pobre
Tomate.
EU — Quer dizer
que de legume a fruta o senhor passou a ser, também, um animal quadrúpede, o
bode?
TOMATE — Pois é, veja
só, que confusão e humilhação! O pior é que cheguei a valer R$ 13,50 o kg na
feira e quase R$ 20,00 nos supermercados e, em seguida, passei a ser mercadoria
de promoção. Caí, portanto, e passei a ser oferta de R$ 3,50 o kg. Devo
esclarecer que somos tomates de várias espécies e qualidades. Desta forma,
comecei até a apodrecer, sentir dor nas costas, no peito, no braço, falta de
ar, pernas bambas, vista escurecendo, quase morrendo. A raiva do povo, que deveria ser contra os
especuladores que me usaram, caiu envenenada sobre mim. Foi um horror!
EU — O povo já
descobriu que a inflação está comendo tudo pelas beiradas?
TOMATE — Pelo que tem
observado, acho que não totalmente. Só estou vendo que a ficha de todo mundo
ainda não caiu. O povo é mesmo um babaca, não entende muito de manobras do
governo. Por causa disso sofre. Nós, da área de alimentação sofremos menos que
vocês todos, apesar de sermos comidos, vomitados e sei lá o quê... não vou
falar tudo senão me censuram (rs...rs...rs...).
EU — Como acha
que vai terminar essa história?
TOMATE — Olha, não nego,
queria que ela continuasse. Mas, infelizmente, está acabando. Pelo lado de
valorização, é claro, fiquei feliz, mas considerando a humilhação, a caída de
preços e o abandono nas bancas, fiquei chateado.
EU — O senhor
sabe que é bom para a saúde?
TOMATE — Vocês falam
isso, mas preferiria que matasse todo mundo quando sinto que especulam os
legumes e as frutas, se aproveitam da nossa fraqueza. A nossa raiva chega a
tanto clamor que queria ser uma pimenta ardendo e, logo em seguida, matando
como um veneno.
EU — Mesmo com a
desvalorização da sua família toda, incluindo a própria pimenta, a berinjela e
o pimentão, o que diria de sua vida?
TOMATE — Olha, vocês,
humanos, sabem que vivemos de saco cheio. De todos esses comestíveis somos nós
os que mais sofremos. Só não sofremos mais que os humanos. Imagine, por
exemplo, a quantidade de transformações que fizeram em nosso DNA. Pegaram as
nossas sementes e foram mudando, sempre à procura de uma receita mais barata e
rentável. O resultado dessas experiências malignas foi que fomos perdendo o
sabor. Eu, por exemplo, em algumas hortas ou quintais ou pomares estou
parecendo um objeto de plástico, pode morder que ninguém sente nada.
EU — Esse fato
não seria uma coisa boa para vocês, ou seja, se não tem gosto não os comem?
TOMATE —Não, meu amigo!
O que nós queremos mesmo é sermos comidos. Quem não pensa assim não tem
instrução. Pois a vida é de transformações, também vivemos essa vida.
Imediatamente após a ingestão nossa nos transformamos, ou seja, o mesmo que
reencarnação. Temos múltiplas vidas. Só que temos ciclos diferentes. Quem sofre
prisão de ventre, por exemplo, nos massacra, demoramos a reencarnar.
EU — E os
agrotóxicos, vocês gostam deles?
TOMATE — Maluquice você
perguntar isso. Odiamos os agrotóxicos que dificultam a nossa vida e destrói a
vida de vocês. O ser humano é um burro e não percebe que há outras formas de
matar as pragas trabalhando com medicina preventiva. Vocês têm a mania de
esperar que a praga chegue para irrigá-la com produtos perigosos. Fique sabendo
você e conte para o pessoal de seu mundo que o agrotóxico é uma bomba atômica.
Vocês criticam o Kim Jong Un, aquele doido da Coreia
do Norte, que teria armas nucleares de alta periculosidade, mas se esquecem de
vocês mesmos que são piores.
EU — Só tenho que
agradecer ao senhor por esta entrevista. Alguma mensagem ao nosso mundo?
TOMATE — Eu só gostaria
de pedir a todos vocês que tomem primeiramente vergonha na cara para entender
tudo como se faz. Se o nosso preço subiu, foi artimanha do governo que nos
escolheu para pagarmos o pato. E entender ainda como subimos e caímos de preço.
Depois disso, em segundo lugar, pediria que vocês estudassem mais, lessem mais,
lessem livros, que ficassem menos tempo no Facebook porque se ele é bem
informativo, tem momentos que se torna bestial. Em terceiro lugar, queria tanto
que nos valorizassem no sentido de estabilização de nosso valor e não
mantivessem esse processo de valorização e desvalorização ao mesmo tempo. No
mais, quero agradecer pela oportunidade que nos dá de colocarmos a boca no
trombone.
EU — Sou eu quem
agradeço por aprender tanto com o senhor. De Tomate a Bode Expiatório, a Pato e
a Trombone, acho que o envolvimento da novela do Tomate foi grande e boa.
Obrigado ao senhor!
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