Ali nasci. A
minha única contrariedade foi que na terra natal não tem mar. Mas se queria ser
de Minas Gerais não havia outra escolha. E aí cresci até completar 12 anos.
Apesar da ausência, estou sempre na terrinha, quando não física,
espiritualmente. Algumas vozes estranhas e mal intencionadas costumam dizer que
não gosto de lá. Não estou nem aí. O que um ou outro pensa de mim não é da
minha conta.
Como todo
humano, sem exceção, tem os seus personagens da vida, tenho os meus e os
cultivo. Em cada cidade em que pernoito por pelo menos duas vezes, guardo de lá
aqueles nomes, quase todos folclóricos, que nunca saem de minha memória.
Tenho-os, os venero e os defendo em qualquer circunstância. São, na verdade,
entes especiais, os quais podem ser humanos ou não. Na terra em que nasci
talvez sejam até mais que folclóricos, como o Sapo que vivia debaixo da ponte
do Córrego Posses e para lá deve estar regressando, graças ao fim das agressões
de máquinas e equipamentos da mineração às ruas da cidade.
Abro um rápido
parêntese para dizer que em Itabira há uma numerosidade intocável por ser a
cidade em que mais vivi anos e anos, e destaco o Pedro Rapadura, o Mané Gato, a
Loira do Campestre, a Loira do Parente, o Pé de Pato, entre outros. Em
Guanhães, onde passei um bom tempo da pré-adolescência, era o Seu Nabuco,
maestro da Banda de Música em que andei empunhando um bombardino; os incríveis
pés de jabuticaba, os quais visitei no meu primeiro ano guananhense; o Seu
Fonseca, português letrado do Ginásio; o Porteiro do Cinema, que me dava
entrada franca de domingo a domingo. E até de Capelinha guardo uma inesquecível
lembrança: da Convertida, uma cadela do padre da matriz, que ia para todos os
cantos em que havia movimento, como festas de aniversários, casamentos, o que
fosse que juntasse gente, principalmente, velórios. Fecho o parêntese.
Mas agora
estamos em São Sebastião do Rio Preto e, além do Sapo do Córrego, ou Sapo da
Minha Terra Natal, aparecem outros, os quais tentarei descrever sem muitos
detalhes, um de cada vez. Depois do Sapo, que coaxava, infalivelmente, a partir
do entardecer, tenho a destacar o Zé Vaqueiro (vai essa para o amigo Antoniel
de Sá). Ele era goleiro do Iris F. C., depois do São Sebastião Futebol Clube, por
quem nutria uma inigualável e inarredável admiração.
Outro,
inesquecível e ídolo, o João Lagoa, de cuja repercussão etílica acabava dando
numa filosofia mais que perfeita, com espanto geral, porque se tratava de um analfabeto, além de
tudo, eterno morador de fazendas e que, pelo que me consta, jamais frequentara
uma escola. João Ferreira Neto era o seu nome próprio, de cartório e pia
batismal, e ele o proclamava solenemente quando se referia a si próprio para
esnobar o seu chamado “complexo de riqueza”. Quando saía de um boteco e ia
embora, ou para outro boteco, bradava de bom tom e som: “Se alguém perguntar
por João Ferreira Neto, pode dizer que João Ferreira Neto tá pra trás acertando
negócio!” E repetia inúmeras vezes, de pescoço envergado, a ênfase que dava à
última frase: “Tá pra trás acertando
negócio!” Até reduzir a última expressão: “Acertando negócio!” E ele tinha
outras tiradas incríveis. A covarde polícia da época o prendia numa precária
cadeia, sem cama e sem cobertores, apenas porque filosofava rua afora. Mas as
pessoas, compadecidas, lhe levavam sempre uma “marmita de boia”. Ele recusava a
caridade com a expressão: “Homem enfezado não come!” Mais uma: o José Damásio
Soares, conhecido como Zé Leitoa, adquirira uma linha de ônibus, que fazia
horários para Itabira. Ao amanhecer do dia, João Lagoa, que às vezes passava a
noite ao relento, gritava na janela da pensão: “Acorda, Zé Leitão, acorda, Zé Leitão!
Passarinho que não deve nada a ninguém tá voando há muito tempo!” E o Leitoa (e
não Leitão) tinha feito a aquisição a ser paga em parcelas.
Os outros personagens,
vou apenas citá-los agora, prometendo voltar a cada um detalhadamente em outra
ocasião. São eles (e não eram eles): Joaquim Sete Léguas, Jabutirica, Zé
Loriano, Godozinho (não o meu primo Godofredo Duarte), Estrogildo, Antônio
Adolfo, Maria Branca, Zé Buty, Chica do Godó, Todinho da Rosa, Raimundo
Garangui, Joaquim da Loló, Nega do Pal a Mato, Orlando Juventino, Sô Godó, Seu Dé, Tatão Cidreira e mais alguns dos quais ainda me
lembrarei, sem esquecer dos citados no início.
E repito, para
encerrar, pelo personagem inesquecível que acabo de homenagear: João Lagoa
merece pelo menos um registro na história de São Sebastião do Rio Preto.
PS: Só para lembrar alguns mal intencionados que gostam de interpretar como querem o que escrevo, reafirmo que a imagem do Burro é do autor e de mais ninguém. Este blog se chama Zé do Burro e Vice-Versa. Esclarecido?
PS: Só para lembrar alguns mal intencionados que gostam de interpretar como querem o que escrevo, reafirmo que a imagem do Burro é do autor e de mais ninguém. Este blog se chama Zé do Burro e Vice-Versa. Esclarecido?
Gostaria de obter informações a respeito da marujada do engenho . A marujada de Raimundo Garrangui
ResponderExcluirGostaria de obter informações a respeito da marujada do engenho . A marujada de Raimundo Garrangui
ResponderExcluir