José Loriano, ou
Zé Loriano, ou Zé Gambá — um nome muito conhecido em passado não tão distante
de minha terra. Ele era um senhor alto, forte, de cor morena, desgastado pela
sua insistente parceria com a danada da cachaça e também com a enxada que
enfrentava de sol a pino. Mas não fugia do padrão de filósofo, tal como João
Lagoa e outros nascidos na terrinha abençoada. Seu jeitão dominava no aspecto
geral, ou no contexto da vida do arraial e nem me lembro se da cidade também.
Só sei que ele não tinha limite nas doses. Quando estava entre a primeira
virada e a décima golada, as pérolas reluziam no idioma pátrio como se ele
fosse mesmo um discípulo de Rui Barbosa que pelo menos tentava imitar.
Homem da zona
rural, completamente irreconhecível quando não bebia a sua caninha,
trabalhador, certa vez, eu com meus 15 anos, recém-saído do curso ginasial,
fazendo trabalho extra de férias, ou o censo escolar, encontrei-o na estrada.
Perguntei-lhe por seus filhos, ele declinou todos os nomes e mencionou uma
menina, criada com um fazendeiro. “Eu passei os documentos pro compadre João do
Olímpio” — informou com segurança.
Quando o sol se
punha no horizonte, ele mal esperava a chegada da noite. Aparecia na pequena
vila fazendo “via-sacra” morro acima, com ponto em todos os botecos, a partir da
venda do Raimundo do Tó, o primeiro da fileira, seguido pelo João Paulo, Luiz de Almeida, Fio do
Roque, até o último da Vila Bom Jesus. Em cada parada, um espetáculo especial,
fazendo a aJosé Loriano, ou
Zé Loriano, ou Zé Gambá — um nome muito conhecido em passado não tão distante
de minha terra. Ele era um senhor alto, forte, de cor morena, desgastado pela
sua insistente parceria com a danada da cachaça e também com a enxada que
enfrentava de sol a pino. Mas não fugia do padrão de filósofo, tal como João
Lagoa e outros nascidos na terrinha abençoada. Seu jeitão dominava no aspecto
geral, ou no contexto da vida do arraial e nem me lembro se da cidade também.
Só sei que ele não tinha limite nas doses. Quando estava entre a primeira
virada e a décima golada, as pérolas reluziam no idioma pátrio como se ele
fosse mesmo um discípulo legria da meninada e soltando as suas frases bombásticas. Na saída para
Passabém, encerrava a caminhada, quando tinha o costume de cair e dormir ao
relento, banhado de poeira.
Os primeiros que
lhe provocavam eram os meninos, adolescentes e até os jovens mais velhos. Zé
Gambá, o seu legítimo apelido, a sua cara, roubado do próprio arraial, não lhe
agradava de jeito nenhum. Mas ele não era dado a soltar palavrões como reação,
a exemplo, do Godozinho, o velho de cabeça de algodão, cuja especialidade era
uma cópia do Bocage. Fazia uma parada no seu soluço natural de pinguço e olhava
para os lados: “Um gambá morto vale mil contos”. Em seguida, dava uma espantada
na turma, ameaçando pegar um ou outro.
Mas tinha o sangue
de homem de paz, da concórdia. Não queria confusão. Naqueles tempos de muito
puritanismo, nada de palavrões, ele se continha. Certa vez, depois de
mergulhar-se num gole de pinga na Venda do João Paulo, entrou em discussão
pacífica com umas mocinhas. Essas o acusavam de estar andando com a braguilha
desabotoada. Mesmo “chapado”, ele virava para o canto, abotoava a calça e
comentava com sotaque ao estilo de arranhões na linguagem: “Essas moças de São
Sebastião num têm regra!”
E eu os
apreciava com todas as suas filosofias. Mas, como praticamente o único
motorista que sobrava na cidade, sem carteira e
menor de idade (17 anos), fui chamado, certa vez para socorrê-lo. Ele
caiu da Ponte do Alexandre, no Córrego das Posses e perdeu a mão esquerda.
Levado ao meu avô Serafim, farmacêutico, esse me pediu que corresse com ele até
Itabira, porque perdia litros e mais litros de sangue. Assentado no banco de
passageiros do jipe, em companhia do Zé Reis, o Teia, ele estendia o braço num
balde, que transbordava de sangue quando chegamos ao Hospital Nossa Senhora das
Dores. Durante a viagem, além de seus gemidos que tinham um som de pré-agonia,
Loriano balbuciava um pedido que só me fazia acelerar mais para chegar mais rapidamente ao
socorro médico.
Internado a
nosso pedido e exibindo aquele quadro não muito agradável, ou seja, acompanhado
por um balde sanguinário, ele se recuperou no hospital e, em alguns dias estava
de volta aos botecos de sua aldeia, mas agora sem a mão esquerda, que lhe fez
falta até a sua partida definitiva alguns anos depois. Minha participação e do
Teia livrou-o da morte prematura. Então, ele passou a nos devotar uma gratidão
incomparável e comovente. Sempre quando me via, escapava-lhe da boca,
acompanhada por uma baba elástica que escorria, a frase: “Eu devo a vida esse
minino!” Numa dessas declarações sempre repetidas, aproveitei a sua aproximação
e lhe fiz a pergunta crucial, aquilo que me incomodava sempre: “Oi, Zé Loriano,
por que você bebe tanto?” E a sua resposta sem vacilo: “Oh, minino que quer
ficar sabido, eu bebo pra ficar alegre, pobre só fica alegre quando bebe!”
E nas minhas
visagens desajeitadas de jovem querendo ser poeta, ou nada disso, apenas um plagiador
de melodias que frequentavam as paradas
de sucesso, escrevi algo adaptado a Bat Masterson, interpretada por Carlos
Gonzaga. Bat Masterson um irlandês, caçador de búfalos, batedor do exército,
jogador, delegado de fronteira, delegado federal, sei lá mais o quê. Eis o
plágio:
Zé
Loriano
Em São Sebastião ele nasceu,
E
entre farras ele se criou,
Seu
nome lenda se tornou,
Zé
Loriano, Zé Loriano.
Sempre
ao lado do Augusto,
Sempre
o amigo da cachaça
Foi
da caninha um defensor.
Zé
Loriano, Zé Loriano.
Em
toda canção contava,
Sua
fama de pinguço,
Em
toda canção falava
De
uma garrafa bem cheia de cachaça
É o
mais famoso dos pinguços,
Que
o nosso lugar conheceu,
Fez
do seu nome uma canção,
Zé
Loriano, Zé Loriano.
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