União matrimonial é assim hoje em dia: o sujeito se casa num
sábado à tarde e no dia seguinte, quando a lua de mel está apenas começando, já
está arrependido. A mulher idem, diria até que na porta da igreja, ao receber
abraços e beijos, já sente a solidão de um companheiro só. Na hora da festa,
vendo aquela algazarra toda, é capaz de fazer uma reflexão até certo ponto
aceitável: “Casar é trocar o carinho e a bajulação de um mundo de gente pela
indiferença de um só”. Mas o tema deste texto é salvar um casamento. Como?
Incompreensível ou dificílimo. Naquele momento o telefone tocava.
Fico sempre desconfiado quando ouço o tilintar do telefone. Pode
ser aquela mulher da operadora de celular querendo trocar o meu plano; às vezes
é o banco informando que está aumentando o valor do cheque especial; o pessoal
do cartão de crédito fazendo as suas oferendas inacreditáveis enquanto não
entram em vigor; e ultimamente tenho recebido ligações de planos de saúde e pedindo
ajuda para instituições de caridade.
Incrível foi o chamado de uns tempos atrás que conseguiu, a
princípio, me enfurecer. Balbuciava uma moça com voz de clarinete si bemol, me
propondo fazer um plano funerário. Ela
falava muito amavelmente sobre morrer em paz, ter uma vida eterna mais
confortável e coisas assim. Fui obrigado a agradecer, pois não estava
preparado para tantas coisas boas. Disse para ela o seguinte: “Obrigado por me
ligar; mas ficarei mais feliz ainda caso você não se lembre mais de mim.” E
desliguei, momentaneamente aliviado por me sentir vivo da silva àquela altura.
CASAL
EM APUROS
Há alguns meses passados, no entanto, recebi uma ligação
completamente diferente. Inicialmente era uma moça, voz contundente de mulher.
Desembaraçada, objetiva, ela disse que precisava falar comigo, não com muita
urgência, mas tinha absoluta necessidade de uma confirmação. Antes de obter a
minha resposta, passou o aparelho para o marido. Ambos se identificaram, Josué
o rapaz e Cleuza a moça. Só quis saber o assunto que os movia a um encontro
assim inusitado. Digo inusitado porque conheço ambos há tempos, desde a época
em que eram solteiros e nunca haviam me
falado senão em escassos cumprimentos
burocráticos...
Marcamos o encontro e vieram ao meu escritório. A minha
curiosidade era tanta que nem esperei que entrassem. Queria resolver ali mesmo,
na porta. Eles insistiram em manter o mistério. Disse a eles, se tudo era
mistério, melhor mesmo seria assentarmos. Iniciaram-se focalizando aqueles
quase indispensáveis preâmbulos. São casados. Namoram desde os 15 anos dela e
os 20 dele. Noivaram durante uns dois anos e agora fazia 13 anos de união. Têm
apenas um filho, Wagner, de 9 anos e poucos meses. Não quiseram mais filhos por
absoluta insegurança a respeito dessa união que começou na roça e adentrou uma
cidade.
Enquanto as preliminares se seguiam, narradas pelos dois, pensava
eu com os meus botões, arguindo a minha consciência: em que lugar vou entrar
nessa comédia? O que será que tenho com isso? Nada! Só podia ser nada. Mas eles
acabaram abrindo o verbo: “Estamos aqui para pedir ao senhor...” “Opa!” — gritei do outro lado da mesa, complementando:
“Me chame de você” — disse à donzela. E ainda esclareci: “Meus filhos e meus
netos me tratam de você”. Então, ela mudou a conversa, disse “combinado” e
seguiu apressadamente no seu esclarecimento.
Disse Cleuza — já falei que é loira mas não me referi à sua beleza? Ela é, sim, muito bonita — e ambos
estão a dois palmos da separação. Desistiram temporariamente por causa do
filho. Pensam que ele pode ficar abalado. Aí, decidiram procurar ajuda dos
outros. Afirmou que tinha tentado em religiões, psiquiatras, psicanalistas.
Obtiveram também conselhos de pessoas abalizadas dentro da família, mas esses,
segundo Josué, são absolutamente a favor do casamento dos tempos antigos e
viviam repetindo: “O que Deus uniu, o homem não pode separar”. E voltei a
pensar comigo mesmo: agora o pai-de-santo sou eu? E continuei pensando com os meus fechos
ecleres: será que me veem como um conciliador? Com cara de Ivone Borges
Botelho? Ou daquelas bruxas que fazem programa de televisão? Lembrei-lhes que
em Belo Horizonte existem mil cartazes pregados nos postes com os dizeres: “Eu
faço seu amor voltar a funcionar”. Mas não resolveu.
BOLA
DA VEZ
Aos poucos fui entendendo o que eles queriam, mas me assustava ser
eu o escolhido. A mulher, uma loira de parar o trânsito, como dizem lá na minha
terra, pôs os pingos nos is: “Olha, a nossa vida sempre foi um romance até
quando o amor acabou. Éramos felizes e um dia, por encanto, ou desencanto, eu
já não gostava dele e ele resolveu jurar que também não me amava. Chorei muito por
ouvir dele a inconfidência e me vi com cara de tacho, pois tinha pensado na
forma de dizer-lhe alguma coisa e ele nem teve dificuldades em jogar na minha
cara que não me amava mais”.
E o que tenho a fazer ainda não entendi. Mas Cleuza resolveu
concluir: “Queremos que você escreva a nossa história, conte tudo o que ocorreu
de belo e agradável em nossas vidas. Vamos lançar um livro sobre esse romance e
aí consumamos a nossa separação. O nosso filho lerá o livro e, então, ficará
feliz com a bela história de amor que vai ler e entender”. O mundo ficou de
cabeça para baixo — foi a reação que me fez, realmente, sentir-me outra vez
perdido. Ainda disse a eles: “Estou mais perdido que cachorro em dia de
mudança!”
Cleuza, não perdeu a paciência nem a confiança de me convencer.
Tinha absoluta certeza de que se o caso longo de amor dos dois se tornasse
público um novo sol se descortinaria no horizonte. Ambos eram fanáticos com
novelas, era o passatempo deles em todas as noites, não juntos agora, disseram,
mas cada um diante de um aparelho de televisão. “E eu vou contar a história
bonita de vocês para vocês se separarem? Jamais
farei o mínimo esforço para que se desliguem um da outra. Quero o
contrário: que fiquem juntos para dar continuidade à bela história de amor”. Ela
enfureceu-se: “A história é bela no início e no meio, mas no fim, não.” E
complementou: “Ao contrário das novelas de televisão, principalmente das
globalizadas, a nossa novela tem um final infeliz”.
NEGANDO
E ACEITANDO
Desculpei-me. Não posso e não vou fazer isso. Não via sentido
algum em desempenhar tal papel na vida de um casal, ou melhor, uma família. Mas
o casal não desistia, queria que lhes desse o meu sim, que marcasse as
entrevistas com ambos e outras pessoas para que me inteirasse da série de
capítulos belíssimos, diziam eles, de um novo folhetim que poderia até,
achavam, tornar-se um filme ou um seriado.
De repente, tudo mudava. Ou quero dizer, nada estava mudando.
Queria me livrar desses dois por, pelo menos alguns instantes. Então, só me
restou deixar a dupla satisfeita. Foi assim: “Querem saber de uma coisa?” —
gritei esmurrando a mesa — Vamos começar a novela. Aguardo vocês ou um de vocês
aqui amanhã.Mas exijo apenas uma resposta positiva: “Que vocês se reconciliem
ao invés de separar-se”.
Colocada na mesa tal condição, acabaram aceitando, mas exigiram de
mim mais que fidelidade aos princípios por eles narrados. “Nada de fazer
narrativas fantasiosas, porque o amor que vivemos já foi por demais um
exagero”, afirmou o rapaz que era motorista e trabalha numa grande empresa de
Itabira. E deixaram claro: “Se a história for bonita, atenderemos ao apelo
dela”.
SÃOS
E SALVOS
Acertados os pontos necessários, comecei o meu incessante e
desafiante trabalho. Dia, noite, dia, noite e dia fui desenvolvendo a labuta,
cada dia com mais entusiasmo porque, afinal, aquelas passagens eram, de
verdade, muito interessantes. Até que terminei o livro e chegara o momento de
seu lançamento.
A partir daí captei aqueles depoimentos como se engolisse algo
delicioso. Aos poucos fui gostando do que fazia e me agradava o paladar dos
acontecimentos. Momentos incríveis de
amor foram vividos pelos dois e eu os narrei no livro SALVANDO UM CASAMENTO.
Não era uma história fantasiosa e, por isso, cativava. Confesso que fiquei
muito dedicado a ela. Até que chegou o dia do lançamento do livro.
Era uma noite de muito apelo emocional. Mulheres, meninas,
senhores, rapazes, meninos, entravam no grande salão, preparado para o momento
de autógrafos. Havia acontecido fatos dos quais não tive conhecimento. O mais
interessante era que Josué e Cleuza leram os rascunhos cuidadosamente
preparados da obra. Isto é, antes da impressão numa editora qualquer. E o filho
Waguinho — é esse o seu carinhoso apelido — também lera. Faltava o momento de
um ou outro pronunciamento. Presentes todos os familiares, pais, sogros, tios,
sobrinhos, primos, amigos do casal. E me deram a palavra.
E eu apenas disse: “Quero dizer uma palavrinha bem curta. Acabo de
entregar uma obra interessantíssima, um romance digno de ser levado ao público
em forma de novela, que é o meio mais aceito, hoje em dia. E quero me revelar
mais ainda, extremamente feliz, porque, acabo de saber que o jovem casal
entrou, de novo, em dias felizes. Em outras palavras, o amor voltou e aí está o
milagre do amor”. Fiz uma pausa, tomei um pouco de água e dei reinício às
minhas rápidas palavras.
RECEITA
PARA O MUNDO
Continuei entusiasmado com as minhas palavras, certo de que o
caminho tinha sido encontrado ou muito mais:“Não somente eu, mas qualquer um
que se anime a escrever uma história de amor pode transformar todas as nossas
vidas em romances de muita emoção e beleza. Deus foi perfeito em todos os seus
momentos de criação e lançou mais esta condição esplendorosa na vida de cada
um: todo amor que nasce em nossos corações jamais morrerá e basta ser visto,
revisto, para ressuscitar quando desconfiam de seu fim. Plagiando um grande
escritor de quem sou leitor desde os meus tempos de alfabetização, Nelson
Rodrigues, ou melhor, complementando as suas palavras encerro as minhas
palavras: ‘O amor é eterno; ele não acaba nunca. Somos nós que não o sabemos fazê-lo
fortalecer ou ressurgir.’”
NOTA
Após o
lançamento do livro, acordei-me fisicamente daquele verídico e lindo
sonho.
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