Fiquei mudo. E preferi esse silêncio durante um bom tempo. Por onde passei, dia destes, recebi um recado: “O seu amigo Fernando Cunha quer falar com você.” Mas não me assustei em momento algum porque ele, muito atencioso, sempre procura por mim. Até fiquei um pouco amedrontado mais tarde, confesso, porque Fernando andou insistindo comigo para integrar a Academia Itabirana de Letras e imaginei que ele quisesse voltar a sua pressão. E não sou escritor, apenas um curioso das letras, pesquisador, estudioso, leitor de bons livros, acredito. Portanto, nem comentei os primeiros recados. De repente, ele descobre onde moro, porque me mudei recentemente, toca a campainha e sobe ao apartamento. Estava plenamente folgado, é claro, o dia havia terminado e me sentia pronto para as atividades noturnas — leitura, futebol, dormir... Mas naquela tarde-noite, predominou a surpresa. Surpresa agradável, completo.
E o moço, com
aquela cara que parecia lavada havia dez minutos, me estendeu um livro. Mas o
gesto não me assustou porque recebo muitos livros de presente, tenho uma biblioteca
que já precisa de um profissional para organizá-la. Acrescentou ao ato de
entrega: “Trouxe para você”, disse. E já estava autografado e datado daquele
dia, 26 de julho de 2014. Sentamo-nos. Encomendei um café. Segurei o volume e
olhei a identificação do autor: Fernando Moreira da Cunha. Fui às orelhas e lá
estava, no topo, uma foto dele, o mesmo de rosto lavado. Abaixo a sua invejável
biografia: engenheiro de Segurança do Trabalho, geógrafo, jornalista. E um
longo percurso nos seus quantos anos de idade profissional, pela Belgo-Mineira,
Vale, profissional de saúde, segurança do trabalho, professor, diretor,
consultor, os seus caminhos não cabem em poucas linhas.
Quero
sustentar que não estava entendendo muito do que ocorria, e continuei calado,
no meu mutismo casual, que nunca foi uma característica minha. O simples
Fernando Cunha, que vaga sem pompas pelas ruas e esquinas de Itabira, sempre
comentando um acontecimento, seja técnico, seja religioso, seja político, seja
corriqueiro, não seria o mesmo que engole um cafezinho comigo agora, no final
do dia? Ainda reafirmo: não emiti opinião alguma sobre o que via, seu livro.
Disse a ele: “Vou ler e se estiver à minha altura, comentarei no meu blog Zé do
Burro & Vice-Versa.” Observei atentamente a ficha catalográfica: CUNHA,
Fernando Moreira da, Dicionário Temático — Saúde e Segurança do Trabalho.
Itabira: Serviços Editoriais Tempoética Itabira, 2014, 650 p. Fechei o volumoso
livro, olhei para a cara do autor, de novo, e apenas comentei: “É uma obra...”
Ele completou: “técnica.” Volto a dizer que fiz, silenciosamente, uma confissão
interna: sentia-me como se fosse um culpado da ignorância sobre o meu amigo
Fernando Moreira Cunha.
Passaram-se os
dias e, vez por outra, abro o Dicionário do Fernando, nome que dei a ele mas
apenas de mim para mim, tentando encontrar uma dica para desenvolver o meu
humilde comentário. Pus a memória para funcionar e recorri também à sua
biografia: Fernando nasceu em Caxambu, no Sul de Minas, por onde passei
inúmeras vezes, incluindo o trajeto da Estrada Real. Lembrei-me de ter ouvido dele que morou em São Vicente de
Minas, também no Sul, uma outra cidade que me encantou na Estrada Real. Mas
tinha uma imagem dele, inesquecível, quando se tornou diretor da Escola
Ipocarmo, um dos sonhos do ex-prefeito
Li, de Itabira, especificamente do professor Otacílio Fernandes Ávila. Depois,
de seus longas conversas sobre a cidade que escolheu para nela viver, seu
futuro, por aí.
É um dicionário
técnico-temático para ser utilizado no trabalho, no lazer, um dos melhores “pai
dos burros” (assim era chamado no meu tempo de escola) que passaram por minha
biblioteca e que agora a enriquece. É um companheiro do dia a dia, para ser
consultado a cada momento. Não um livro que se lê e que volta para a estante.
Não. Ele permanece à nossa vigilância, fica de sobreaviso, esperando que uma
inteligência qualquer a ele recorra, como um Aurélio ou Houaiss, ou nos velhos
tempos, uma Barsa, Mirador Internacional, mais especificamente um Moreira da
Cunha que, acredito, nem foi lançado oficialmente, considerando que ainda não
se fez alarde dessagrandeza imensa que está diante de mim.
Recordei-me dos
livros itabiranos que li e poucos tiveram sequência ou foram obras volumosas,
sem contar os de Carlos Drummond de Andrade, Renato Sampaio, João Camilo de
Oliveira Torres, Rosemary Penido de Alvarenga, Marconi Ferreira e mais alguns,
desculpem-me injustiças eventuais porque me recorro neste momento somente à
fraca memória. Fernando Cunha, que é itabirano de coração e com o
reconhecimento das autoridades constituídas,
entra para o rol dos catedráticos de verdade, alguém que ousou demais,
foi à frente e, para completar o que apurei com toda a minha paciência: levou
20 anos para construir essa grande e eterna obra.
Para finalizar
este simples comentário, que ele saiba, que meus amigos saibam, que Itabira e
Minas Gerais e o Brasil entendam o meu deslumbramento. Mais uma vez na vida,
como ocorre apenas de quando em quando, muito espaçadamente, tenho uma surpresa
positiva, agradável e cheia de orgulho, mesmo sabendo que somente assim o mundo
real é construído: é na simplicidade que fica transparente aos nossos olhos que
nascem os tesouros que nos trazem prêmios eficazes. Parabéns, Fernando! O
reconhecimento pela sua obra será uma questão de paciência, igual aquela mesma
que me silenciou por todos esses dias.
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