quarta-feira, 6 de maio de 2015

O fantasma voltou?

Corre celeremente o ano de 1966. Chega o dia 28 de maio. Estamos no auditório da velha Companhia, ouvindo uma palestra sobre a empresa. Era o meu primeiro dia de trabalho na Vale. Depois de muitos e muitos anos lutando contra o desemprego, eis que consigo ingressar no sonho de muita gente na época, cuja função nem sabia de que se tratava, embora a chamassem de “apropriador”.

Na palestra do escritório do Areão, o apresentador, o saudoso Sinésio Valeriano Alves, que seria o meu primeiro chefe, falou muito de exaustão do minério de ferro. Desconhecedor do tema, saí daquele ambiente tomado de depressão. Pensava com os meus botões e fechos ecleres: “Que droga! Vivo tempo me esticando para conseguir um emprego e já passo a me preocupar com o minério que vai acabar!”

Trabalhei durante 13 anos na grande Vale e aí comecei seriamente a vida profissional. Tornei-me chefe nela, até daquele que fora o meu superior dez anos mais tarde. Demitido, tornei-me dono do meu próprio nariz em duas frentes de atividades: primeiro no Cantinho do Pão de Queijo, com três lojas na cidade e, depois, na revista DeFato, onde permaneci como editor durante 20 anos. Fui vereador, promovi seminários, encontros, debates; apresentei projetos, propostas diversas; o I Encontro de Cidades Mineradoras me custou o próprio cargo na mineradora por causa de minha função pública cobradora. Em todas as etapas em Itabira, de vida particular a pública, o meu e o tema geral era uma obsessão só que tocava a marcha fúnebre de somente uma nota: “o minério vai acabar”.

A privatização da antiga CVRD, em 1997, apesar de ter eu lutado contra, tornou Itabira viável por mais anos, previsão para mais 75 anos de fartura. Assim, as prospecções, somente possíveis graças à privatização, salvaram a terra de Drummond pelo menos na expectativa do povo. A partir do anúncio da longevidade da mineração, a cidade borbulhou de gente,  empregos chegaram a virar a tendência de todas as crises, arranha-céus subiram no céu itabirano.

Mas ninguém pensou nas palavras do  presidente Fernando Antônio Roquette Reis, meu até então chefe imediato, que alertou não para o fim do produto que a natureza dá de graça, mas direcionado à falta do mercado consumidor, item fatal no caso do empreendedorismo. Tivemos outro alerta faz alguns poucos anos e agora, num verdadeiro coice de mula, como dizem lá na minha terra, o presidente da empresa, Murilo Ferreira, anuncia a possibilidade muito forte de fechar as minas. A Vale teve quase dez bilhões de dólares de prejuízo em três meses de 2015, o preço do minério de ferro está abaixo de uma dúzia de bananas verdes e o estoque interno subiu consideravelmente. Fazer o quê? Rezar, dizem as beatas nossas de cada dia.

Será que o fantasma voltou? O minério de ferro existe; estrutura para extrair, concentrar, enriquecer, cumprir as etapas da logística com grande competência não constituem obstáculos. A queda nos preços acompanha a lei natural de oferta e procura. Só resta lembrar, por enquanto, o nosso eterno Drummond, quando citou num de seus poemas, com o nome “Itabira”, a estrofe a seguir, que era, também, uma de suas profecias:

“Cada um de nós tem seu pedaço no Pico do Cauê.
Na cidade toda de ferro
as ferraduras batem como sinos.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão.
Os ingleses compram a mina.
Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na
derrota incomparável.”

E  pergunto, perplexo como no meu primeiro dia de Vale: o fantasma itabirano voltou?
  

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