Já vou começar
assim: Vida, ou Vidinha, aquela cadela que me inspirou a escrever várias
crônicas há 17 anos, faleceu. Foi trágico, mesmo sendo morte normal, por idade
avançada e coisa assim. Era uma excêntrica e tagarela cachorrinha atrevida, que
foi encontrada no Contorno Rodoviário de Itabira, por André Sana, meu filho,
e sua noiva na época, Clarissa Leal. Ela,
a futura feliz cachorrinha, estava entre a vida e a morte. Porque sobreviveu,
recebeu o nome de Vida, na intimidade Vidinha. Na nossa casa oferecemos pousada
para ela até o casamento dos dois. Ela morou e por aqui se engravidou muitas e
incontáveis vezes.
Ela deu à luz a
31 cachorrinhos. Desses, 30 eram filhos de um só também vira-lata, embora
peludo e bonito. Todas essas três dezenas de caninos sobreviveram e Vidinha, com o seu peludinho foi extremamente
fiel. Quando Vidinha saiu de nossa casa, onde tinha encontros furtivos com o
peludo e dele se distanciou, arrumou um filhote com um super vira-latão de três
patas. E foi fatal: no parto o filho bastardo nasceu morto. Querem uma lição
maior e mais clara que essa? Nem pensar é necessário porque o recado natural
foi muito escancarado. Para ajudar nisso, as trompas da Vidinha foram ligadas
na Faculdade de Veterinária da UFMG. Vejam que luxo!
Na casa de André
e Clarissa, além de Elis e Clara, essas duas minhas netinhas muito lindas, Vida
levou uma vida de rainha da Inglaterra, com pompas, séquitos e muito cuidado. O
palácio real era dentro de casa em almofadas perfumadas. Lá fora latem, uivam e
rosnam não menos que meia dúzia de outros vira-latas. Cuidados especiais
somente para Vidinha e Malu. Por incrível coincidência, justamente as duas
faleceram recentemente. Malu, mais bonita e charmosa, caiu em problema talvez
picada por uma cobra; Vidinha juntou paixão com saudade e velhice. Se ela tinha
20 anos de vida verdadeira, o tempo equivale a 90 longas primaveras, segundo os
veterinários e outros especialistas.
Não posso falar
de voz alta, ou neste caso grafar com letras maiúsculas, porque senão a mãe
adotiva dela me arrebenta de vez. Com pequenininhas letras vou escrever a frase
ousada: “Vidinha era feia”. Acrescentando mais um reforço ao adjetivo, digo que
“de doer”. E não era muito simpática. Tinha o dom de ser útil para prevenir de
alguns assaltos. Certa vez estava dormindo sozinha em nossa casa a minha
sobrinha Bethânia. Não sozinha, mas acompanhada pela Vidinha. Um atrevido ladrão
entrou pelos fundos para roubar uma moto. A moto era do pai adotivo da Vida.
Vidinha latiu até acordar Bethânia que acendeu todas as luzes da casa. O amigo
do alheio deu no pé, deixou a mercadoria que seria a sua aquisição maligna para
trás. Conclusão: Vida salvou a moto.
Na velhice meio
complicada de Vidinha, deu que seus “pais” e “irmãs” tiveram que viajar. E para
longe: Londres. O retorno se deu no dia 7 de março. Vidinha, inteligentemente,
como sempre (me esqueci de mostrar essa virtude dela), resolveu morrer na
véspera, como se fosse um peru quando chega o natal. O aviso fúnebre foi
transmitido por WhatsApp. Quando seus donos chegaram, no dia 8, ela já ocupava
a tumba de um cemitério escolhido por seu zeloso veterinário. Considerando o
fato, previsto por sua avó adotiva, Dona Zilda, registra-se mais um
acontecimento na vida incomum de uma cadela muito especial. Descanse em paz,
Vidinha!
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