Imagine você chegando a uma cidade, lê uma placa “Perímetro Urbano”, e nada vê de luzes senão o que o farol de seu carro mostra. Pense que são um 1.500 metros de uma avenida totalmente nas trevas, uma negrura de desanimar. Mas você imagina que houve um blecaute, deve ser uma situação repentina e que a energia elétrica será reestabelecida imediatamente. Mas você é curioso e vê que os postes não têm neles afixadas as lâmpadas. Leva um susto danado por constatar que a iluminação só parece normal adiante. Você está entre o antigo Bairro Sagrado Coração de Jesus, ou Vila do Explosivo, do outro lado o extinto aeroporto da Belle Époque da velha Itabira do Mato Dentro.
Quem está de
ônibus — e são muitos os que atravessam a urbe noite e dia — têm ainda mais tempo para ver e
medir a extensão do problema: dificilmente aparecerá um cidadão que conhece uma
cidade do porte de Itabira mostrando o seu lado de breu, escuridade, negridão,
petrume, logo no início que começa com a Vale, antiga empresa que tomou a
iniciativa de apagar ou arrancar as lâmpadas sem que ninguém percebesse. Pelo que
vemos, sentimos e não compreendemos, apenas uma pessoa sabe deste segredo
lúgubre itabirano: um secretário municipal antigo e eu. Diria que combinamos de
manter segredo sobre o problema. — Mas, segredo? — diria algum curioso, se a
negrura está estampada aos olhos de quem vê. Passam pelo local não menos que
dez veículos por minuto, calculo eu na minha perrengue matemática.
Para medir a
extensão do problema, várias vezes passei dirigindo na rodovia de Belo Oriente, cidade às margens da BR-381,
entre Governador Valadares e Ipatinga,, vindo para Itabira, via Viriginópolis e
Guanhães. Nela existem 15 quilômetros de extensão totalmente iluminados, dos
dois lados, ligando a cidade da Cenibra ao seu distrito de Perpétuo Socorro,
também conhecido como Cachoeira Escura. Repito: dez vezes mais extenso que a
escuridão itabira, com lâmpadas que clareiam de ambos os lados e tornam o
espaço menos perigoso que se fosse um negrume, por onde passam estudantes,
donas de casa e cidadãos comuns, a pé ou de bicicleta. Em Itabira, ao contrário
de antigamente, quando era iluminado o trecho que leva às oficinas
centralizadas da Vale, ainda passam pedestres, principalmente os que moram na
Pedreira do Instituto, para onde, segundo o chefe da prefeitura, não citado,
seria iluminado há 20 anos. Ou mais...
Todos os
governos dos 20 anos decorridos leram ou ouviram os meus reclamos, pelo menos o
executivo correspondente. Cheguei a falar com um ou dois vereadores, mas eles
deram de ombro e sentiram que colocar lâmpadas em postes não dá voto nem aqui
nem no fim do mundo, porque os 1.500 metros de extensão não têm neles fincados
nenhum barraco, nenhuma casa, nem um escasso casebre. Somente cercas e
equipamentos da poderosa Vale. Não cobro da empresa o fato de escurecer esse
espaço. Quem deveria cobrar são as autoridades. Se um cidadão qualquer, que
rabisca algumas linhas, requer que se faça o reparo do erro duocentenário,
deixo escrito a minha suplica: senhora Vale, por meio de seus executivos, por
favor, coloque lâmpadas em sei lá uns 50 postes, não contei, mas que foram
subtraídos ou arrancados pela ação da mineradora.
Dia deste vi um
filme com o nome de Cidade das Sombras. Trata-se de uma produção americana e
australiana, de 1998, do gênero ficção, da Warner Home Video, sob a direção de
Alex Prohas. Em uma cidade em que é sempre noite, John Murdoch (Rufus Sewell)
acorda sozinho em um hotel e descobre que perdeu a memória, sendo o principal
suspeito de ser o autor de brutais e bizarros assassinatos. Ele passa então a
ser implacavelmente perseguido por um inspetor (William Hurt). Imediatamente
liguei as trevas itabiranas ao enredo e concluí: a cidade é Itabira e os
perseguidos são os pedestres que usam o turvamento todos os dias. Eu sou o Pehreber
(Kiefer Sutherland) que ajuda os passantes do local a compreender o que
acontece na nossa sombra urbana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário