quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O mundo acabou. Então, fechem os hospitais

Em toda a vida em que  me entendo como gente já tremi em cima dos sapatos algumas vezes, principalmente, quando ouvia ou lia o seguinte assunto: o hospital tal, tal e tal corre o risco de fechamento. O motivo é sempre o mesmo: falta de verbas, falta de recursos, falta de tudo. A ameaça pesa como uma carga de pedras em burro magro.

Imediatamente após o tenebroso anúncio, a comunidade em que a casa de saúde está inserida, mobiliza-se e cai na rua pedindo socorro. Em pouco tempo ocorre uma novidade exuberante: o hospital não vai mais ser fechado porque a maioria da população impediu, fez o que pôde e a pátria foi salva. A comunidade, de repente, espalha a boa nova e volta a dormir tranquila e feliz.

Os fatos já ocorreram incontáveis vezes com o Hospital Nossa Senhora das Dores, de Itabira, fundado e dirigido pela irmandade do mesmo nome, em 1867. Algumas personalidades salvadoras apareceram para liderar o resgate da história e colocar a entidade em ordem. Cito dois exemplos de baluartes da existência do HNSD: Dom Mário Teixeira Gurgel, de saudosa memória, e Márcio Antônio Labruna, que vive aí entre nós, esbanjando energia e motivação.

O Hospital Padre Estevam, de Santa Maria de Itabira, já tirou a calma e a alegria de viver de muita gente só com ameaças. Essas nunca foram produzidas externamente, mas arquitetadas por problemas técnicos e administrativos. Graças à presença constante do santa-mariense, “garrucheiro”, por obra de coragem intimorata nas suas determinações, o pior já passou. Felizmente, aí está o valente Padre Estevam desafiando os pessimistas e os profetas das nuvens negras.

O Hospital Regional de Guanhães é mais um antigo cliente das crises momentâneas. Já esteve no CTI várias vezes, com maus agouros de fim de atividades. Com todas as forças que são possíveis ser sugadas — participação do povo, entrada de políticos em ação e mobilização dos próprios funcionários — o esteio guanhanense tem se sustentado. No meio de uma de suas dificuldades, acabou dando um salto fenomenal: deixou de ser uma casa de saúde apenas de Guanhães para expandir-se regionalmente.

Todos esses lembretes fiz porque não tenho palavras, compreensão e entendimento para absorver a estupefata notícia: a Câmara Municipal de Morro do Pilar reuniu-se no último dia 30 de outubro e decretou, pela decisão de 5 votos a 4, que está sumariamente extinta a Fundação Hospitalar Joaquim Bento de Aguiar, que se agigantou como mantenedora do hospital do mesmo nome durante 39 anos.

Em 1978,  como presidente da Câmara Municipal de Itabira, fui convidado a participar da inauguração da casa de saúde de Morro do Pilar. Recordo-me as salvas de fogos, os aplausos dos morrenses, as bênçãos do Padre Tarcísio Nogueira, os discursos dos políticos — dentre os quais do prefeito Geraldo Matos e de deputados. Está vivo em minha memória um trecho do pronunciamento do deputado José Machado Sobrinho. Ele soltou, parecia, uma bomba atômica no meio das palavras eloquentes: “Este hospital é uma prova de que Deus não existe”. Engoliu uma seca saliva, ergueu um copo d’água, consumiu o líquido, e arrancou gritos da expectativa da multidão que se acotovelava no meio da via pública: “Repito que Deus não existe;  Deus é, simplesmente é!” — fez o verbo retumbar-se sua abaixo e rua acima.

Em sua metáfora retumbante, o deputado quis e conseguiu provar que aquele empreendimento tinha, sim, o timbre sagrado de obra do Criador. E foi ovacionado até o fim da festa. Então, aí está um óbvio que ressoa como uma benção desde aquela ocasião: o Hospital Joaquim Bento de Aguiar, também prestigiado pelos prefeitos que governaram no tempo sequente, e idolatrado pelo povo como uma obra de Deus, repito, sobreviveu às intempéries de amarguras que assolam praticamente todas as casas de saúde brasileiras.

Mas, eis que um fato surpreendeu todos: em plena atividade, esse hospital recebe uma punhalada nas costas ao ser declarado extinto. Contudo, crime covarde não atinge os maiorais que são gatos pingados, mas em cheio a gente trabalhadora e sofrida. A reação vai acontecer? Acredito que sim. Creio que os nobres vereadores morrenses, pelo menos um dos cinco que foram ludibriados pela sensação de fazer o certo e correto e agiram em sentido contrário da maioria do povo, vai rever o seu posicionamento.

A esperança se reacende na mobilização que começa a ganhar vulto por meio do   Ministério Público Estadual. Sentindo a decisiva manifestação de cidadãos da cidade nas redes sociais, deve buscar, em primeiro lugar, a anulação da sessão fatídica e espúria de segunda-feira passada; depois, se preciso for, graças à vontade popular, transformar os 5 a 4 em, quem sabe, num contundente 9 a 0.

Não há o que discutir mais. Um comentarista da notícia postada na internet disse o seguinte: “Uai, o povo de Morro do Pilar não adoece mais?” A resposta seria nada mais, nada menos a seguinte: “O povo morrense agora é de aço. Esse aço está fabricando seres imortais, com a volta triunfal ao Morro de Gaspar Soares do empreendedorismo. E estamos em 1809, a terra é administrada por  Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, o Intendente Câmara”. Não há justificativa para, numa sessão legislativa, ser tratado um assunto  tão lúgubre, ao invés de algo promissor. Para justificar o ato só mesmo o seguinte: o mundo acaba de acabar agora.

Um comentário:

  1. Eu já disse: O Clério Lima, o Geraldo Titino, o Padre Tarcísio, o Joaquim Bento e até o Intendente Câmara estão incomodados com a comodidade, falta de visão, fraternidade e até mesmo com a covardia dos que tomaram está decisão. Vamos resgatar e reerguer a Fundação Hospitalar Joaquim Bento de Aguiar. Para o bem dos enfermos e felicidade geral da população morrense.

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