Um surdo tem a
chatice de querer ouvir o que a turma está falando. Aproxima-se muito, e sempre mais, chega de mãos encubando as
orelhas, você percebe, vê aquilo como desagradável, mas fazer o quê? O pior,
você nunca fala para ele, fixa os olhos em outra pessoa, pois sente que não
quer perder tempo. Você acaba de cometer um crime inafiançável perante as leis
naturais.
Um surdo é, ao
mesmo tempo, um chato, chamado de “mala”, que fala muito. E fala porque não
pode, quase sempre, ouvir. Você não percebe o porquê de ele ser tagarela. Mas
saiba agora: fala demais porque detesta a marginalização e no pleno direito de
participar. Um detalhe maior: quando você enxergar um surdo caladão, recuado,
isolado, quieto, saiba que ele tem a seguinte doença grave: depressão.
Da depressão,
aliada a um trauma acumulado através dos tempos, o surdo, quando não tem
preparação religiosa, ou espiritual, ou reflexiva, sempre planeja um suicídio,
principalmente se tiver pequena experiência de vida. Isso ocorre porque é
marginalizado. É fácil saber como um surdo, principalmente o mais jovem, enfrenta
as torpezas da sociedade: cada vez mais desanimado, aturdido, desapontado,
triste, soturno, decepcionado.
A escola nunca,
jamais, em tempo algum, caso continue remando contra a correnteza, entenderá o
que é ser surdo. Especialistas em Educação Inclusiva admitem o não ouvir, a
falta de barulho, a existência de um terrível silêncio na vida de seu cliente. O
surdo, tira tudo isso de letra, consegue driblar, não tem medo algum de peitar
em sua vida cotidiana e escolar. O que dói é o que foi escrito acima: o pouco
caso, a marginalização, o abandono, o tratamento de forte desprezo. Sem
carinho, somente com um meio paralelo de viver — religião, conhecimento,
estudos, meditação e reflexão — é possível enfrentar o mundo com esperança de
vitória. Quantas oportunidades de sucesso ele não perde sempre?
Ainda para a
escola, o canal de percepção do cidadão surdo é a visão. O corpo em movimento é
seu instrumento de “fala”, mesmo quando usa aparelhos. Contudo, para facilitar,
se o surdo faz uma pergunta a quem quer que seja e você é esse quem quer que
seja, responda “sim” ou “não”. Não faça nenhum rodeio, vá direto ao assunto. A
expectativa dele é de positivo ou negativo. Intimamente, zanga-se com os
verborrágicos, os que ficam como determinados políticos, isto é, a turma do “muito antes pelo contrário”.
Há o surdo que
faz uso de próteses, carrega um aparelho pendurado nas orelhas. Tal
procedimento hoje em dia é normal. Até os que fizeram implantes. Só que o
aparelho auditivo aumenta a capacidade de captar sons, mesmo da mais moderna
tecnologia. Aí, o surdo é acometido de terríveis agressões. Imagine-o como um
cão que, todos sabem, não tolera a agressividade das cidades grandes, do
trânsito incontrolável, das motos que parecem verdadeiras trombetas em altos
volumes de decibéis, o roncar dos caminhões, o tiroteio de fogos de artifício,
enfim, o barulho de verdadeiras bombas atômicas. O aparelho eletrônico, muito
aperfeiçoado, ainda não conseguiu definir para quem o usa a origem do som. Daí
o seguinte: o seu usuário precisa ser muito e muito e muito atencioso para identificar
de onde vem, em que lugar é produzido.
Diante de tudo
isso e da pergunta que é o título deste texto — Como sobrevive um surdo? — eu
me candidato a dar mais alguns conselhos, usando a minha experiência de 60 anos
nas lides com a sociedade cruel e massacrante:
1 - Um surdo merece mais atenção porque ele pode ser portador de boas
ideias; 2 — Se você quer dizer que é humano, considere a surdez como a
cegueira, ou seja, ninguém ri de um cego;
3 — Ajude um surdo a viver não gritando com ele e também não falando
baixinho no ouvido de outro como que para ele não ouvir, e não o discrimine
numa conversa em grupo; 4 — apenas mais um conselho: cuidado no modo de agir
nas rodas com pessoas de baixa audição, porque a percepção dessas é infinitamente
superior a de quem ouve muito ou vê muito.
Deus abençoa os surdos, dá-lhes muita percepção
e, consequentemente, derrama-lhes torrenciais chuvas de bênçãos e lhes ensina a amar muito mais. A bondade pode ser o seu ponto de partida para superar a violência do mundo incutida no desprezo e na demonstração horrorosa do pouco caso. Amém para quem já conhece essas regras, mesmo tendo audição normal. Volto depois. Abraço.
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