segunda-feira, 20 de agosto de 2018

FUTEBOL? QUE FUTEBOL?

Sou do tempo da bola costurada a mão, do futebol sem aquecimento preliminar, da época em que o goleiro agarrava qualquer bola atrasada. Mas não sou quadrado nem conservador. O futebol de antigamente tinha mais vibração porque o objetivo inicial era a arte e a meta adversária o alvo, e não o bumba-meu-boi que se pratica hoje em dia. E, por incrível que pareça, com transmissões diretas, ao vivo, a cores, em badalados “premieres”. 

Naqueles áureos tempos um craque não encenava como nas peças teatrais, não  latia como um vira-latas de esquina atropelado e não fingia dor inexistente. Os árbitros apitavam faltas de verdade.  Eles roubavam também, e muito, mesmo que os primeiros ladrões que perambulavam pelo mundo tivessem sido pregados na cruz e deixassem exemplos para não serem plagiados.

Sou do tempo em que o Santos Futebol Clube, de Pelé, Coutinho, Zito e Pepe, sofria golpes nas suas redes, sim, porque dentro das quatro linhas lutavam 11 contra 11, mas marcava gols antológicos enquanto fossem necessários e só jogavam pra frente, porque é pra frente que se anda ou se corre. Guardo na memória um “derby” inesquecível travado entre Santos x Palmeiras. De um lado Pelé e de outro Ademir da Guia. Gols choveram no Pacaembu, torrencialmente: a equipe praiana venceu por 7 x 6. E ninguém falava em fragilidade das defesas, mas eficiência das linhas de frente
.
Sou do tempo em que o cronista Nelson Rodrigues escrevia: “Quando um jogo termina em 0 x 0 deveriam devolver os ingressos aos torcedores”. Para ele, um espetáculo sem gols era uma afronta ao assistente que pagava o ingresso, o sanduíche e o picolé ou refrigerante.


É claro que o seu comentário significava uma simples metáfora, mas mostrava o desejo do frequentador dos estádios. Quando o time do coração dele, o Fluminense, foi campeão carioca, em 1959, comemorou, mas chamou  de “timinho pó de arroz” a equipe dirigida por Zezé Moreira, que só empatava ou vencia por 1 x 0, e mudava, ironicamente, o nome do treinador para Zezero Moreira.

Naquele tempo existiam também ferrolhos intransponíveis, mas só os “timecos”  jogavam retrancados. Um Santos de Pelé ou um Botafogo de Garrincha, Quarentinha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, esses não eram trancados na linha de defesa, a bola só rolava na direção do campo adversário. A Seleção Brasileira, que tinha o nome sagrado de “Escrete Canarinho”, não perdoava. Na Copa do Mundo de 1958, até a penúltima partida, ela não teve um mísero gol sofrido, mas levou quatro nos jogos contra a França (semifinal) e Suécia (final). Em compensação, marcou dez nesses jogos decisivos.

E hoje? Futebol? Que futebol!? Deviam inventar outro nome porque o que vemos é um “vatp-vupt “ de doer as vistas do explorado torcedor. As equipes são formadas por verdadeiros orangotangos, daí os treinadores prepararem  paredões terríveis porque se não há competência para marcar, cercam a bola como um vaqueiro detém a boiada. Quando o futebol perdia a técnica natural no Brasil, eis que um comentarista de língua afiada e pena castiça recebe o desafio de dirigir o selecionado brasileiro e consegue  executar  uma ressurreição do esporte das multidões: João Saldanha, cronista conhecido nos idos de 1950 a 1970, militante no Rio de Janeiro. Para mim, ocorreu aí a revolução do futebol, quando ele declarou, de estalo, que só convocaria craques refinados e jamais chamaria um perna de pau para representar o Brasil.

O seu time passou a ser composto pelas conhecidas “feras do Saldanha”, e provou,  na sua  inarredável filosofia, que craques de verdade não tinham posição fixa dentro de campo e deveriam protagonizar exibições incríveis. O destaque maior foi  o fato de Pelé dar certo ao lado de Tostão, além de Gerson com Rivelino. As duplas eram renegadas pela crônica esportiva da época. Infelizmente, por motivos políticos, ou politiqueiros, em plena ditadura militar, João Saldanha foi demitido e aí a derrocada do futebol não mais foi detida, com exceção da fase de Telê Santana,  até chegar ao que vemos  hoje, as  típicas touradas de vacas trombando dentro de campo e atropelando a coitada da bola.

Futebol? Que futebol? A atual geração conhece outro tipo de esporte de  um que chuta pra lá e outro pra cá, e pra onde o nariz aponta. Os atuais apreciadores de espetáculos como os de Madri,  continuarão acreditando que 0 x 0 é um placar bonito e 1 x 0  bela e fantástica goleada. Aquele treinador consagrado diz que seu time jamais sofrerá 3 gols numa partida, ou seja, contribuirá para que o torcedor não vibre nunca. O time dele dificilmente marca mais que dois tentos, não me lembro de tantos gols, principalmente neste fatídico ano esportivo de 2018, incluindo a Copa do Mundo, com uma série de zero a zero, um a zero, foi difícil um golzinho a mais.

Futebol é gol e ponto final.  Por isso estou pensando em migrar para o basquete, que enche os nossos olhos de cestas e mais cestas. Já pensaram se uma partida de basquetebol terminasse em 0 x 0? Seria o fim de suas atrações até nos Estados Unidos e a negação de  Magic Johnson, Michael Jordan e o nosso inesquecível Oscar.

Plagiando Vanderlei Luxemburgo, que já entendeu do velho futebol — acho que caiu no ostracismo porque os clássicos viraram peladas antológicas — ele deixou uma frase inteligente para a posteridade: “O medo de perder tira a vontade de vencer”. Sem uma palavra a mais, a atual geração joga o futebol do receio, do medo e do pavor de ganhar. A continuar no ritmo atual, haverá um velório em breve para o futebol, que será sepultado sem choro nem vela. Aguardem.

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