Tudo o que era
preciso dizer sobre a BR 381, a famosa “Rodovia da Morte”, foi dito, escrito,
televisado, filmado e comentado. Apesar do falatório, ainda existe um (re)
esclarecimento a fazer: o que está ocorrendo agora na extensão principalmente
de 80 quilômetros, de João Monlevade a Caeté, foi previsto por este besta
escriba, quando afirmei, em 1999, e registrei em longa reportagem na revista
DeFato, que não há mesmo previsão de concluir a duplicação do trecho
GV-BH em menos de décadas.
Viajei a
Brasília umas quatro vezes apenas carregando a bandeira deste tema; entrevistei
executivos do velho Dnit no DF e em BH; falei com o deputado José Santana de
Vasconcelos, meu atencioso amigo, em mais de 20 ocasiões; enfim, cutuquei,
reportei, rabisquei e conclui. Ainda muito cedo senti e propaguei em diversos
canais de comunicação que a duplicação não seria para a atual geração. Até
arrisquei uma época bem longínqua: ano 3000.
Aos incautos
digo que tenho credencial para falar e berrar sobre a mais agarrada obra
rodoviária deste Brasil: trafeguei pela Fernão Dias, a mesma 381, de Belo
Horizonte a São Paulo, durante dois dos oito anos que demoraram para concluir a
pavimentação. Pois, agora, acompanho há quase 20 anos esse lengalenga que não
tem a mínima promessa de terminar. Aos que não sabem, é preciso que esclareça:
— apenas dois
lotes estão sendo trabalhados no trecho do Trevo de Itabira/Bom Jesus do Amparo
à Serra da Piedade com pouquíssimos operários e máquinas;
— da Serra da
Piedade a Belo Horizonte não foi dada nem uma enxadada e não tem previsão de
ocorrer neste século; engenheiros dizem abertamente que nenhuma empreiteira
topa assumir o espinhento abacaxi que foi invadido por mais de 5 mil e 500
barracos;
— o projeto do
Rodoanel, previsto para ser a ornamentação final, de Ravena a Betim, nem saiu
do papel;
— finalmente,
fica uma pergunta que não vou responder porque não sou político nem feitor de
obras: onde enfiaram os milhões que estavam reservados para custear toda a
indispensável rodovia?
Em março de
1999, Sérgio Santiago e este repórter (repito: repórter besta, e quadrada para
completar), percorremos toda a via, do km 30 ao Posto da Polícia Rodoviária
Federal e registramos que estava sendo empreendido violento processo de invasão
territorial por empreendedores de favelas. “Corretores de imóveis” vendiam a
preços razoáveis e ofereciam consultoria completa para construção, instalação
de redes de água e de telefonia ao longo do novo “loteamento” a incautos e
desinformados pobres cidadãos. A reportagem esteve nas prefeituras da região —
Sabará e Santa Luzia — e fez o alerta da ocupação em massa à beira da estrada por
barracos de papelão, tábuas, madeira da região, telhas de amianto e tijolos.
Ninguém nos deu ouvidos.
Para enganar, a
maciota da obra de duplicação continua até hoje. É o progresso? Claro que não! Se
fosse, não estariam com tão poucos recursos sendo investidos em um trecho bem
menor que BH-SP e não demorariam até agora sete anos a mais. A obra agora é uma
empreitada do governo com o cidadão,e pode ser chamada de “ duplicação sem
compromisso”. Mas, o pior é que deixa milhares de pessoas com horas marcadas em
médicos, clínicas, aeroportos, reuniões, padecendo no sol a pino e na chuva
durante horas intermináveis.
Nesta semana,
como se fosse eu um Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire,
botânico, naturalista e viajante francês, desbravador de terras brasileiras,
encarnado desta vez em “Viagem Pelas Províncias de Itabira a Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil”, arreei meu cavalo e fui varando dezenas de interrupções,
riscos, buracos, não estudando plantas e a paisagem, mas recordando tudo o que
já escrevi sem querer sobre o que seria esta maldita “Rodovia da Morte”. Quantas
e quantas pessoas amigas, estimadas, conhecidas e desconhecidas que tiveram a
vida encerrada sob a culpa de quem nunca vai pagar por seus crimes, os
políticos e empresários corruptos, responsáveis por recursos desviados?
Passei pelas
terras antigas José de Melo, hoje Nova União, e cheguei às barras da Serra da
Piedade, como o fez, no século XVIII, o botânico francês, sendo abordado não por
informantes a respeito de riquezas da flora e fauna, mas por vendedores de água
mineral e pipocas com gosto de rato. Meu cavalo branco, não como o de Napoleão
Bonaparte, ficou quase quatro horas parado na ida e nem pôde procurar um poço
para salvar a sua sedenta vontade de chegar. Minha tristeza é que me tornei,
sem querer um viajante com cara de Saint-Hilaire. Depois, retornei ao século
XVI, a Michel de Nostradamus, ou seja, regressei três séculos no passado, para
lembrar que não errei uma só previsão do futuro desta rodovia. Profeta por
acaso.
Não é preciso
sequer lembrar quantos políticos fizeram palestras em Belo Horizonte, Itabira,
João Monlevade e Ipatinga, alugaram os nossos ouvidos para dizer besteiras como
disse um em certa ocasião – “Sugiro construir quebra-molas de Belo Horizonte a
Governador Valadares – e passar a água e cafezinho requentado. Previram o fim
da “Rodovia da Morte” sempre para o “ano que vem”, jogo de empurra de duas
décadas. Ano nenhum veio e me consolei apenas com um dado que recebi de um
motorista agarrado na estrada: “Sabe que de uns tempos pra cá estamos viajando
sempre de 15 a 20 km por hora? Isso quer dizer que os acidentes pararam de ocorrer”.
Para dizer que não falei de flores.
Mas não há a
quem perdoar. Ainda restam sacrifícios por viagens de idosos, crianças e
enfermos sendo prejudicados. Sem falar do restante que passa dias e noites sob
a ameaça de assaltos cada vez mais frequentes. Que venha o ano 3000 e assim
tenhamos uma rodovia duplicada. Quem sabe até lá o mundo esteja voltando aos
costumes de Saint-Hilaire e todos fiquem felizes em seus cavalos brancos ou
pintados, burros de marcha repicada, bestas de carga e éguas baias. Por
enquanto, burros continuamos sendo pois ainda acreditamos que no “ano que vem” teremos
uma “Rodovia da Vida”.
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