quinta-feira, 30 de agosto de 2018

NOSTRADAMUS E SAINT-HILAIRE TRANSITAM NA MORTÍFERA 381


Tudo o que era preciso dizer sobre a BR 381, a famosa “Rodovia da Morte”, foi dito, escrito, televisado, filmado e comentado. Apesar do falatório, ainda existe um (re) esclarecimento a fazer: o que está ocorrendo agora na extensão principalmente de 80 quilômetros, de João Monlevade a Caeté, foi previsto por este besta escriba, quando afirmei, em 1999, e registrei em longa reportagem na revista DeFato, que não há mesmo previsão de concluir a duplicação do trecho GV-BH em menos de décadas.

Viajei a Brasília umas quatro vezes apenas carregando a bandeira deste tema; entrevistei executivos do velho Dnit no DF e em BH; falei com o deputado José Santana de Vasconcelos, meu atencioso amigo, em mais de 20 ocasiões; enfim, cutuquei, reportei, rabisquei e conclui. Ainda muito cedo senti e propaguei em diversos canais de comunicação que a duplicação não seria para a atual geração. Até arrisquei uma época bem longínqua: ano 3000.

Aos incautos digo que tenho credencial para falar e berrar sobre a mais agarrada obra rodoviária deste Brasil: trafeguei pela Fernão Dias, a mesma 381, de Belo Horizonte a São Paulo, durante dois dos oito anos que demoraram para concluir a pavimentação. Pois, agora, acompanho há quase 20 anos esse lengalenga que não tem a mínima promessa de terminar. Aos que não sabem, é preciso que esclareça:

— apenas dois lotes estão sendo trabalhados no trecho do Trevo de Itabira/Bom Jesus do Amparo à Serra da Piedade com pouquíssimos operários e máquinas;

— da Serra da Piedade a Belo Horizonte não foi dada nem uma enxadada e não tem previsão de ocorrer neste século; engenheiros dizem abertamente que nenhuma empreiteira topa assumir o espinhento abacaxi que foi invadido por mais de 5 mil e 500 barracos;

— o projeto do Rodoanel, previsto para ser a ornamentação final, de Ravena a Betim, nem saiu do papel;

— finalmente, fica uma pergunta que não vou responder porque não sou político nem feitor de obras: onde enfiaram os milhões que estavam reservados para custear toda a indispensável rodovia?  





Em março de 1999, Sérgio Santiago e este repórter (repito: repórter besta, e quadrada para completar), percorremos toda a via, do km 30 ao Posto da Polícia Rodoviária Federal e registramos que estava sendo empreendido violento processo de invasão territorial por empreendedores de favelas. “Corretores de imóveis” vendiam a preços razoáveis e ofereciam consultoria completa para construção, instalação de redes de água e de telefonia ao longo do novo “loteamento” a incautos e desinformados pobres cidadãos. A reportagem esteve nas prefeituras da região — Sabará e Santa Luzia — e fez o alerta da ocupação em massa à beira da estrada por barracos de papelão, tábuas, madeira da região, telhas de amianto e tijolos. Ninguém nos deu ouvidos.

Para enganar, a maciota da obra de duplicação continua até hoje. É o progresso? Claro que não! Se fosse, não estariam com tão poucos recursos sendo investidos em um trecho bem menor que BH-SP e não demorariam até agora sete anos a mais. A obra agora é uma empreitada do governo com o cidadão,e pode ser chamada de “ duplicação sem compromisso”. Mas, o pior é que deixa milhares de pessoas com horas marcadas em médicos, clínicas, aeroportos, reuniões, padecendo no sol a pino e na chuva durante horas intermináveis.

Nesta semana, como se fosse eu um Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire, botânico, naturalista e viajante francês, desbravador de terras brasileiras, encarnado desta vez em “Viagem Pelas Províncias de Itabira a Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil”, arreei meu cavalo e fui varando dezenas de interrupções, riscos, buracos, não estudando plantas e a paisagem, mas recordando tudo o que já escrevi sem querer sobre o que seria esta maldita “Rodovia da Morte”. Quantas e quantas pessoas amigas, estimadas, conhecidas e desconhecidas que tiveram a vida encerrada sob a culpa de quem nunca vai pagar por seus crimes, os políticos e empresários corruptos, responsáveis por recursos desviados?

Passei pelas terras antigas José de Melo, hoje Nova União, e cheguei às barras da Serra da Piedade, como o fez, no século XVIII, o botânico francês, sendo abordado não por informantes a respeito de riquezas da flora e fauna, mas por vendedores de água mineral e pipocas com gosto de rato. Meu cavalo branco, não como o de Napoleão Bonaparte, ficou quase quatro horas parado na ida e nem pôde procurar um poço para salvar a sua sedenta vontade de chegar. Minha tristeza é que me tornei, sem querer um viajante com cara de Saint-Hilaire. Depois, retornei ao século XVI, a Michel de Nostradamus, ou seja, regressei três séculos no passado, para lembrar que não errei uma só previsão do futuro desta rodovia. Profeta por acaso.

Não é preciso sequer lembrar quantos políticos fizeram palestras em Belo Horizonte, Itabira, João Monlevade e Ipatinga, alugaram os nossos ouvidos para dizer besteiras como disse um em certa ocasião – “Sugiro construir quebra-molas de Belo Horizonte a Governador Valadares – e passar a água e cafezinho requentado. Previram o fim da “Rodovia da Morte” sempre para o “ano que vem”, jogo de empurra de duas décadas. Ano nenhum veio e me consolei apenas com um dado que recebi de um motorista agarrado na estrada: “Sabe que de uns tempos pra cá estamos viajando sempre de 15 a 20 km por hora? Isso quer dizer que os acidentes pararam de ocorrer”. Para dizer que não falei de flores.

Mas não há a quem perdoar. Ainda restam sacrifícios por viagens de idosos, crianças e enfermos sendo prejudicados. Sem falar do restante que passa dias e noites sob a ameaça de assaltos cada vez mais frequentes. Que venha o ano 3000 e assim tenhamos uma rodovia duplicada. Quem sabe até lá o mundo esteja voltando aos costumes de Saint-Hilaire e todos fiquem felizes em seus cavalos brancos ou pintados, burros de marcha repicada, bestas de carga e éguas baias. Por enquanto, burros continuamos sendo pois ainda acreditamos que no “ano que vem” teremos uma “Rodovia da Vida”.

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