Gente,
eu devo estar estupidamente errado se penso como penso. Se alguém me lê,
aconselho que desista logo para não ter que me chamar de babaca, bobo alegre, jacu
da corte, por aí. É claro que o preconceito existe. Existe porque está no dicionário.
Mas pergunto: tem problema algum humano ter um conceito previamente formado? Tenho
um conceito prévio de que o Planeta Terra é redondo. Faz mal? Também admito
interiormente que todas as pessoas que carregam deficiências físicas são como
as outras, ou seja, iguais. Talvez mereçam ser melhor tratadas. Como não merecem
respeito algum, vamos à lei da compensação.
Todo
cego é, automaticamente, portador de outros sentidos mais desenvolvidos. Por
exemplo, têm mais tato, olfato e mais percepção. Tive uma colega na faculdade
que é cega. Mas ela fazia coisas, subia escadas, pegava elevadores, encontrava
a sua sala de aula, o banheiro, distinguia os prédios com enorme facilidade. No
aprendizado, usando a linguagem própria, o alfabeto braile, se destacava entre
seus colegas. E conhece ainda hoje as pessoas pelo cheiro à distância, pela voz
e o som da respiração. Não é incrível?
Quem
é cadeirante merece uma rampa para subir, a preferência em atendimentos em
bancos e repartições públicas, mas não precisamos ter pena deles. A natureza os
compensa com incríveis vantagens sobre os demais seres viventes e mortais. E
vivem, quase sempre melhor que todos, principalmente se a condição deles seja
de nascença.
Quanto
a questões como "ideologia de gênero", esta é uma expressão usada
pelos críticos da ideia de que os gêneros são, na realidade, construções
sociais. Para os defensores desta "ideologia", não existe apenas o
gênero masculino e feminino, mas um espectro que pode ser muito mais amplo do
que a identificação somente com masculino e feminino. Discordo em gênero,
número e grau, e trato o ser humano conforme ele se apresenta: se com roupas
conhecidas masculinas, como menino, rapaz, homem; se vestido na moda feminina,
como menina, moça, mulher. O resto que se dane! Outro dia vi numa repartição
pública um funcionário fazer a ficha de um cidadão e perguntar a ele: “Você é
homem ou mulher?” Pensei com meus botões e fechos-ecleres: se alguém me fizer um
questionamento deste digo “bom dia, boa
tarde, boa noite” e desisto do tal cadastramento.
Homofobia,
racismo e outros conceitos condenados por aí são questões de interferência da
falta de inteligência artificial que massacra a inteligência natural. Fui
criado com mulheres negras — babás, cozinheiras etc. — e da infância à
juventude, passando pela adolescência, só fui sentir que não podia chamar
alguém de “preto”, “branco”, “gay” etc quando já tinha esses meus cabelos
brancos, ou seja, depois que o mundo me corrompeu. E como me degradou! Antes eu era puro como uma água cristalina que
cai degraus sobre degraus e pensava que todos sejam filhos de Deus e iguais em
tudo. Até dos animais irracionais demorei a aceitar que eles tivessem
diferenças dos chamados racionais. Agora, a sociedade quer mostrar o seu
arrependimento e adula cães e gatos como se eles frequentassem igrejas, campos
de futebol, voleibol, escolas, associações etc.
Escrevi
tudo isso e o espaço me aperta para concluir. E ainda não cheguei ao objetivo
deste texto. Vou ver se consigo resumir tudo para não ter que esquecer estes
rabiscos no computador. É o seguinte: nasci surdo, quase sem ouvir. Não sei
como aprendi a falar. Passei uma boa temporada entre o curso primário, o ginasial
(fundamental), o segundo grau (médio) e o superior sendo não apenas
discriminado, o que dói de verdade, mas achincalhado, pisoteado, tomando tapas
nas orelhas, recebendo apelidos acintosos, humilhado. Foi duro! Mas sobrevivi.
Quando inventaram o aparelho auditivo, reforçado pela avaliação da audiometria,
achei que tinha alcançado o céu.
De
verdade, alcancei, sim, o paraíso. Mas, por fora de tudo, a discriminação é que
prevalece. E ela veio dura como uma rapadura. Não acredito que todos os surdos
do mundo percebam o quanto são colocados de lado, às margens. Imagine: concluí
cursos superiores, estudei idiomas, dei conta, trabalhei em empresas, montei
empresas, atuei na imprensa, editei, editorei, tudo graças a próteses que,
quase sempre, ficam ocultas. Mas a partir de quando comecei a usar os mais
avançados aparelhos auditivos, esses ficam às vistas claras. Aí, veio uma
palavra que não pode ainda, a meu ver, sair do Aurélio: segregação.
Não
entendo por que os óculos são considerados objetos normais, estampados em
rostos, e seus portadores não estejam no foco da marginalização. Talvez porque óculos sejam mais comuns, cheguem a ser objetos
de realce de belezas e seu uso vai para além dos seres humanos que têm miopia ou hipermetropia
ou astigmatismo. O sujeito chega no camelô e compra um sem nenhum esforço ou cerimônia
e o mete na cara só com ajustes e sai de
sol a sol exibindo o charme.
Quando
um ser da mesma raça humana que usa próteses auditivas segue para ser atendido, por
conhecidos ou não, num lugar qualquer – consultório, loja, agência – o dono da palavra, seja um médico (e
principalmente um médico), ou gerente de banco, ou funcionário de alguma repartição,
ou loja, esses vocês sabem o que fazem? Simplesmente, desviam a atenção dele e vão falar com o seu acompanhante, eleito ali como o interlocutor que merece atenção.
Eis aí a verdadeira discriminação, jamais punida, sempre sentida pela vítima, e
nunca reconhecida pelo seu praticante.
Por
esta razão, e outras que ainda posso mostrar, é que digo: retirem do dicionário
a expressão preconceito, esta sim, não cabe lá, já que o principal é
desconhecido e ignorado. Porque,
maliciosamente ou não, as principais figuras que resolvem os nossos problemas —
e até os que recebem pagamento para tal — adoram praticar esse tipo de ação que
deveria tipificar o crime como bárbaro, hediondo, contra a humanidade ou pecado
que abala o Céu, a Terra, o Purgatório e até o Inferno.
José
Sana
Em
26/06/2019
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