Antigamente era assim: eu acordava bem cedinho e corria para ler
as notícias quentes. Se não encontrasse o jornal, nem debaixo da porta nem na
caixa de correio, ligava o computador e ia em perseguição ao noticiário dos
jornais pela internet. Contentava-me com o que ouvia e lia; e dava fé, segundo
os escrivães do registro civil.
Hoje é assim: o despertar não me traz a mínima curiosidade. Já sei
como se esparramam as manchetes estapafúrdias e os textos esdrúxulos pelas
páginas nocivas, que apelam ao desespero
de causa. A chamada “grande imprensa”, cada vez menos vista e ouvida, tem, no
mínimo, uma vítima que é alvo da bizarrice, por exemplo, o governo. Do outro
lado, também existem os “chapas brancas”, aqueles que exageram no estilo
puxa-saco.
É preciso também que sofram expulsão radical do espaço. Conclusão:
quase toda a chamada imprensa nacional está nos quarenta e quatro minutos da
etapa derradeira, e perde de goleada. A prorrogação que vem a seguir,
candidata-se a ser testemunha do fim do
jornalismo. Urge que os intelectuais deixem de ser passivos ou negativos, já que os
analfabetos se contentam com misérias e
estão alijados do processo de avaliação.
Certa vez, quando fui trabalhar no Diário de Minas, nos idos de
1960, seu redator-chefe, Maurílio Brandão, me disse: “Cuidado com os adjetivos;
o jornal não tem lado e nunca poderá ter!”. Anotei, mas mesmo assim fui
admoestado veementemente pelo diretor de polícia, quando
cognominei “monstro” um
ser vivente que
estuprou, matou e esquartejou uma criança. Aprendi. É
provável que tenha errado eventualmente também em outras questões no decorrer
da vida profissional, mas sempre procurei corrigir. Não estou em julgamento,
mas reconheço hoje certos deslizes passados. Textos assinados, não, esses
permitem ao autor liberdade de uso e
abuso. Por isso são selecionados.
Ricardo Noblat, jornalista e escritor, escreveu na contracapa de
seu livro “O que é ser jornalista” (Editora Record: RJ/SP, 2004, 270 p.) a
seguinte frase: “Quem desejar levara sério o jornalismo há de se tornar refém
de suas leis universais, até certo ponto, desumanas”. Apesar de condenar a
adjetivação de personagens e fatos, a meta da imparcialidade continua e
continuou sendo pelo
menos uma miragem,
apesar de achincalhada ultimamente.
Enchem a imprensa de adjetivos a ponto de torná-la uma fantasia.
Mauro Santayana, jornalista, que atuou na BBC de Londres e hoje milita em
Brasília, disse-me, no tempo do Diário de Minas: “A imparcialidade não existe
na imprensa; é extinta quando as pautas são escolhidas”. Mas ele admite que é
necessário um tom de respeito pelo menos próximo do pensamento lógico. Neste
momento, dezenas de manchetes e reportagens estão sendo impressas por equipes
dos chamados “grandes jornais”. Centenas de temas interessantes vão para o
caixote de lixo porque não se enquadram no espírito da “nova linha editorial”
dos chefões que querem, por exemplo, levar à forca vítimas que não lhes
concedam benesses.
Em contraposição ao
desacato ao leitor, a confiabilidade cristalina e
intocável dos velhos tempos, em
parte, apresenta-se em
forma de resistência nos
primeiros sobreviventes das arapucas do noticiário. É essa barricada protetora
dos guerreiros que deve se defender,
abrindo os olhos dos demais, os infelizes incautos, que precisam inteirar-se
também de que são vítimas de uma corja que, por incrível pareça, ainda se
autodenomina “formadora de opinião”. Mais abuso! passada a hora de todos, juntos, reagirmos
numa só voz e gritamos em alto e bom tom: “Cambada de capachos, chega de estuprar
a nossa inteligência!”
José Sana
04//09/2019
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