sexta-feira, 25 de março de 2022

PROCURA-SE UM OUVINTE OU UM LEITOR (Leia se quiser)

Quando eu tinha 11 anos — minha idade de reflexão e quase  total nada fazer — fiz uma descoberta que nunca mais caiu do galho: só Deus e o psicanalista nos ouvem e nos leem. Alguém pode alfinetar-me por causa disto: “Se ninguém é ouvido ou ninguém tem leitor, por que você escreve?” Esclareço: escrevo muito mais para o futuro, já disse isso. E por causa de um outro motivo que direi já.



Se tivesse eu 18 anos decidiria hoje estudar Psicologia e Psicanálise. É a forma mais segura e capaz de ser bem-sucedido. Sei também que um profissional precisa aprender a construir um depósito de queixas e reclamações à parte para não assumir o lixo alheio.  Enquanto isso, é bom estar atento em detalhes quase sempre acusativos. Cada um tem os seus bodes expiatórios. Podem observar que o filho de Deus no mundo todo só fala e só escreve; pouco ouve e quase nem lê.  Existem, em bilhões de seres humanos espalhados pelo globo terrestre, 99%  de  tagarelas. Conheço milhares de linguareiros que falam, fazem perguntas e, também, simultaneamente, dão suas respostas.


Quanto aos escreventes, esses são outra anedota pronta. Quando um mais esperto percebe que ninguém o lê, começa a colocar títulos ou chamadas aberrantes. Na internet já usam um estratagema: contam o caso repleto de reticência, não revelam a mágica  nem o nome do santo, deixando para o internauta a tarefa de procurar o caminho da solução ou do milagre. Aí obriga o inocente a perder horas e horas de seu precioso tempo.


Quando eu era editor de revista, sempre atarefado, recebia, de vez em quando, ou até muito frequentemente, uma funcionária que só entrava na  sala, depois de bater na porta, anunciando o fim do mundo da seguinte maneira: “Acaba de acontecer uma tragédia!” No princípio me amarelava e tremia. Com o tempo  passando me acostumei e sabia o sinônimo que ela usava para a sua catástrofe: tempestade em copo d’água para chamar a atenção.


Na  área da  imprensa  chefiam a fila os sensacionalistas, os  ditos autodenominados e  bem-informados, ou metidos  a dar opinião, supostos donos da verdade. Na análise dos fatos não deixam de usar suas armadilhas cercadas de vulgaridade e convencida sabedoria. Alguns mandam textos quilométricos para  as redes sociais e têm a cara de pau de usar no título a seguinte frase desculpando-se: “O texto é longo, mas vale a pena ser lido”; ou “Não deixe de ler até o fim”. Enquanto isso, o máximo que alguém faz é uma leitura dinâmica. Ou nada.


O falatório de fulano e sicrano é o  que mais nos chateia na vida, mas nada temos com isso. Eu, neste caso, posso liderar um exército deles. Sei que  falo muito, sou um locutor  sem plateia, tento me frear. Fracasso e me desculpo: todo surdo,  praticamente ,  é um papagaio loquaz,  porque assim não precisa esforçar-se para ouvir.  Ao mesmo tempo, assumindo  ser o rei do blá-blá-blá, tenho o pudor de usar aparelhos auditivos, os quais aliviam bem o ambiente. Eu mesmo pergunto e eu mesmo respondo (como o falador): usar próteses auditivas para quê? Resposta: é uma tentativa de falar menos, ser mais simpático, só escutando. Difícil  mesmo é deixar a utopia de ter sempre um ouvinte.


Chegamos ao psicanalista  que  tem como método principal a conversação. Isto é, o paciente é estimulado a falar tudo o que quiser. A partir daí, o profissional interpreta e avalia o diálogo para identificar a origem inconsciente daquilo que impede a resolução dos seus problemas. Todos  adoram aqueles momentos porque sabem que quem nos ouvia  era somente Deus. Agora tem mais um amigo, ou amiga, o (a) psicanalista.


Os idosos merecem um comentário rápido e curto: eles nunca foram ao banco da pracinha, nem à farmácia ou padaria, sequer à lotérica para executar funções determinadas como comprar algo. Saem de casa de olho em pelo menos dois ouvidos atentos. Se pega um no agrado, ninguém vai tomar o medicamento que foi buscar ou comer seu pão de cada dia. O coitado já realizou seu sonho de ser ouvido, mesmo que o acusem, indevidamente, de portador do Mal de Alzheimer. Tenho um amigo que passou dos 80, chamam-no de “Juízo Final”. Está sempre  à procura de uma fonte escutatória e, quando encontra, seu papo é somente sobre o fim do mundo, “que está próximo”, diz ele.


Conclusão: ninguém ouve ninguém, exceto essa figura simpática chamada psicanalista. E Deus, repito, quando o cidadão tem fé. Então, não basta que seja um médico, mas que tenha um santo  escondido no seu interior.  Anote, então, por minha conta: espero que me ouçam ou me leiam no futuro. Continuarei tentando ludibriar com a técnica inventada. Com dez anos, na quarta série primária, chamado pela professora, de falador, nasceu em mim uma ideia e cumpri: fiquei 30 dias sem pronunciar uma só palavra. Incomodei um arraial inteiro, fui maltratado pelos colegas, advertido pelos pais, mas pelo menos passaram a levar-me a um pouco sério. Diminuíram até os ataques ao surdo de natureza e DNA.


Para ninguém dizer que não falei de flores, fica a reflexão: Deus, por meio da natureza, nos dá dois ouvidos e uma boca ou uma só língua. Quer dizer que precisamos mais ouvir do que falar. Mas não entendemos e saímos em sentido equivocado. E de contramão em contramão caminhamos sempre em rumos tortos. Proponho agora: vamos sair desta nova encruzilhada? 

José Sana

Em 25/03/2022

2 comentários:

  1. É verdade!
    Ouvir alguém é uma arte que a cada dia se torna raridade.
    Ler é um vício que traz muita recompensa, mas poucos sabem disso.

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