Quando eu era adolescente, na vilazinha de São Sebastião do Rio
Preto, contaminado pela política brasileira, buscada na culta Conceição do Mato
Dentro, declarava-me comunista.
O motivo consistia no seguinte fato: o padre local e os seus seguidores (eu fui também, inclusive coroinha) pregavam em altares, esquinas, botecos e salões de barbeiro, que fulano, sicrano e beltrano não poderiam receber votos nas mixurucas urnas do arraial. Teriam ficha de esquerda amaldiçoada.
Em contraposição, porque olhavam para este adolescente desprezado
com cara de tacho, fiz campanha exatamente a favor dos que faziam parte da lista negra, ou
vermelha, da chamada elite do lugar. Antes disso, nos meus 14-15 anos, acompanhei
pelos jornais (meu avô e meu pai assinavam até Tribuna da Imprensa, do
perseguido Hélio Fernandes). Esse uma ponta de iceberg do acontecimento que
tinha dois nomes: Revolução de 1964 e Golpe Militar.
Na época, em Brasília, o então ministro cubano “Che” Guevara foi
condecorado por Jânio Quadros, presidente que renunciaria sete meses depois da
posse. A medalha chamava-se Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Foi
precisamente após o ato que Jânio proibiu brigas de galo e uso de maiôs nas
praias.
O ato da condecoração, muito comentado no mundo, foi fartamente debatido
nos altares da Igreja Católica, que combatia tenazmente a esquerda, embora
tolerasse o arcebispo de Pernambuco, Dom Hélder Câmara, para muitos um ateu
completo. Como prova, escreveu o colunista de O Globo, Nelson Rodrigues, em
1968: “Dom Hélder só olha para o céu para ver se leva o guarda-chuva”.
A debandada de atos institucionais chovia em Brasília, meu primo
Zé Flávio e eu chegamos a ser presos pelo então DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social) duas vezes numa só noite: uma, por politicagem e outra por
vadiagem, embora tivesse um cargo tipo bico no jornal Estado de Minas, no setor
de revisão, nas madrugadas da Rua Goiás.
Em 1974, com a ditadura em pleno apogeu, o deputado Ulysses Guimarães
lançou-se candidato a presidente da República, ele e Barbosa Lima Sobrinho, sem perspectiva de vitória no Colégio
Eleitoral, dominado pelo partido do governo Aliança Renovadora Nacional
(Arena). Guimarães chamou-se “anti-candidato, que disputa a anti-eleição”
(Fonte: Agência Senado).
Fim deste capítulo, quando me inscrevo no MDB e me candidato a vereador, tendo obtido 693 votos, em 15 de novembro de 1972, primeiro lugar na cidade, o segundo no município. José Braz Torres Lage, da Arena, partido do governo, obteve exatos 700 sufrágios
Na próxima narrativa desta breve história vou contar como os ditos
intelectuais, a Igreja Católica e eu trocamos de posições: eles assumiram o lugar de esquerdista, isto é, de socialistas/comunistas, e eu fiquei do lado oposto, menos
mal para as nossas vidas.
José Sana
Em 7 de dezembro de 2022.
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