terça-feira, 30 de dezembro de 2025

ENCHENTES EM SÃO SEBASTIÃO DO RIO PRETO

 

Enchentes estão sendo armadas: cuidemos de nossas vidas

O fato que vou narrar ocorreu entre 1953 a 1954. Este é um alerta para todos: protejam-se. Tivemos trombas d’água mais recentemente, até com mortes, em 2009, mas agora voltamos aos idos dos anos 1950 pelas características da ocorrência

 

 FATO NÚMERO 1: Fim de 1953, chegada do  Padre Raul de Melo ao Distrito pertencente ao município e comarca de  Conceição do Mato Dentro, como responsável pela Paróquia. Os habitantes do lugar estavam cada vez mais desiludidos com Padre Argel Dias de Azevedo. Questões politicas. O politiqueiras.

 

Argel brigava intensamente com os moradores do lugar, principalmente com  meu avô Godofredo Cândido D’Almeida. Seu Godó, assim conhecido, era um exemplo de cidadão, fornecia energia elétrica de sua usina própria,  também captava e distribuía água para outra parte  do arraial  e mantinha uma estilosa banda de música.

Seu Godó postava-se durante as missas dominicais exatamente no centro da Igreja do Rosário, que o padre, insistia em manter como matriz. Olhando para cima, ereto como uma estátua,  meu avô era insultado pelo vigário nas homilias. Os detalhes desse litígio foram contados pelos seus contemporâneos, principalmente seu irmão, Chico do Padre, que se casou com minha tia Luzia.

 

FATO NÚMERO 2: Verão rigoroso de 1953/1954, chamado de “veranito brabo”, exatamente na chegada do novo vigário. Padre Raul convoca o povo, nos dias finais de abril para fazer penitência em procissão rumo ao pico mais alto da Vila, o topo do Morro do Alexandre (Alexandre de Souza Cruz, nome de marca de cigarros, só fumava fumo de rolo.

Seu Alexandre, músico de primeira água, pedreiro e pintor, o único que subia na ponta da pirâmide da torre da Igreja de Cima, depois seu filho Nilson, ou Lega, até hoje com saúde de ferro. Mas subir naquela altura, sem segurança, nem pensar.

O povo comparece aos apelos do padre. “O trem tá feio”, resmungavam os produtores rurais, o Distrito vivia de puro trabalho na roça. Crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, todos assumiram o seu compromisso de oração, cada um com uma pedra na cabeça rumo à ponta do morro, em oração.

O sol estava de rachar. As torres das duas igrejas tremulavam e pareciam fumegar. Eu, que fui coroinha, ajudava missa em Latim, estava no meio da procissão, carregando uma pedra de proporcional tamanho à cabeça e na cabeça. As nuvens nem mexiam, sem sinais de que alguma coisa viria de cima.

 

FATO NÚMERO 3: As preces continuavam. O povo ariscava palpite, que viriam as “Enchentes de São José”. Elas, normalmente, ocorrem na data certa ou perto dela —19 de março, dia de São José e não falhavam, segundo a boca pequena.

E vieram. E para valer. Derrubaram casas e barracões situados nas proximidades de rios e córregos, praticamente todas as pontes da zona rural e da sede do Distrito. Na minha inocência não sabia o perigo que enfrentávamos, gostava de ver aquele arraso.

Tinha medo de trovões e não de relâmpagos, nem de “água passando debaixo da ponte”, trocadilho popular.  Lembro-me do saudoso Expedito Buty nadando à altura da janela do sobrado em que nasci e que Hémerson Silva reconstruiu por respeito acima do normal à nossa família. Somos gratíssimos. A preservação do patrimônio histórico e cultural é importante.

 

Achava bonito o Expedito carregar dois porcos, segurando-os pelo pescoço (nem sei se suínos têm pescoço) e salvando vidas para depois da engorda, comer. Ele e outros tinham chiqueiros e galinheiros nos fundos das casas. A loja de meu pai, muito sortida e cheia de mercadorias, foi atingida a uma altura quase inimaginável.

Na frente das ruas Bonfim e São Vicente, onde José Bonifácio negociou por uns anos, quem operava o espaço era a chamada de Maria Baiana, irmã mais velha de Maria Bárbara, minha babá. Da casa dela nada sobrou, coitada...

 

Os dias seguintes foram de fé, bem compreendida pelo povo. Os velhos de frequência na igreja ficaram mais religiosos ainda, daí para a frente. Já os ateus, poucos, tentaram explicar o fato: “Está provado que Deus agiu na fé de nosso povo, mas foi o que falei, exageraram na reza e São Pedro exagerou também ao abrir as comportas.

Está feito o alerta para os dias atuais. Pode vir algo parecido que não é urubu nem avião. Para encucar a crença geral a data foi exata: as enchentes ocorreram na noite de 19 de março de 1954.


José Sana

Fotos: Notícia Seca

Em 30/12/2025 


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