Desde tempos imemoriais tenho uma amante. Não é segredo e
todos sabem disso, inclusive toda a minha família. Tempos pré-históricos aos
quais me refiro não estão assim tão distantes. Eles tiveram início em 1966, coincidindo com a minha
admissão na antiga estatal Companhia Vale do Rio Doce e instalação de minha
residência em Itabira.
O tempo passou e nos desentendemos mais ou menos quando
foi celebrado o meu casamento. Foi assim: chamei-a num canto e mantive uma
conversa franca. Disse-lhe textualmente: “Me deixe em paz, preciso respirar,
viver normalmente”. Ela concordou sem apresentar nenhuma queixa. Contudo,
percebi que ela é uma senhora dona de cinismo total. Saiu sorrateiramente como
se dissesse: “Pode deixar!” Os desentendimentos se repetiram periodicamente. Eu
todo arrebentado de nariz assoando e vermelho e ela toda elegante com o manto
indestrutível da hipocrisia.l
E vai embora. Ou melhor, faz de conta que vai. Consultei
os melhores otorrinolaringologistas, ou melhor, profissionais sentimentais do
tipo antigo de Ivone Borges Botelho. Lembram-se dela? Digo técnicos sentimentais porque o problema
que me incomoda é a apegação da Sinusite a mim. Não acho que seja amor, se
fosse ela não faria o maior descaramento que mais me irrita. Sabem o quê? Chama
lá a sua irmã, a Rinite, e manda que fique comigo, durma comigo, e nem me deixe
dormir. Já pensou? Segundo Nelson Rodrigues, o homem mais sem-vergonha do mundo
se chama Palhares. O que esse Palhares faz para obter um título dão destacado?
Ah... ele não respeita nem as cunhadas!
Pois é. Tenho o velho costume de ficar numa praia, que me
custa pouquíssimos trocados de reais. E vou confessar a quem me lê agora: estou
na praia. Não vou dizer o nome da bendita, mas adianto que é no Espírito Santo.
Aqui cheguei anteontem e vou-me embora ainda nesta semana. Meu carro veio
cheio: Sinusite, Bronquite, Rinite e eu. No meio da viagem, as duas últimas,
percebendo a direção do veículo (elas conhecem a estrada muito bem), pediram-me
para parar e retornaram de Venda Nova do Imigrante. Não sei qual foi a condução
de volta. Permaneceu ao meu lado a senhora dona Sinusite.
Sinusite se alojou comigo num apartamento à beira da
praia. Sem convite, é lógico No primeiro dia, a mal-encarada deitou-se ao meu
lado na cama de casal e ficou tentando ver se conseguia fazer qualquer coisa,
ou seja, me incomodar. Nada. Resisti. Mesmo com ventilador e ar-condicionado
ligados, que poderiam ajudar a ela, mas não teve jeito. No segundo dia,
resolveu partir. Antes, porém, fiquei
sabendo que esteve atormentando a vida de outras pessoas aqui no litoral.
Provavelmente se juntou a pelo menos um idiota igual a mim.
Ao acordar, hoje, estava feliz e bem disposto como um
passarinho. E fiquei mais feliz ao deparar-me com um bilhete dizendo assim: “A
tua indiferença me mata e eu não posso viver desprezada como tu queres. Volto
de trem daqui a pouco para Itabira e te
espero lá. Não pretendo te abandonar nunca. Bjs. Sinusite”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário