quarta-feira, 16 de abril de 2014

Três dias sem uma amante indesejável

Desde tempos imemoriais tenho uma amante. Não é segredo e todos sabem disso, inclusive toda a minha família. Tempos pré-históricos aos quais me refiro não estão assim tão distantes. Eles tiveram  início em 1966, coincidindo com a minha admissão na antiga estatal Companhia Vale do Rio Doce e instalação de minha residência em Itabira.

O tempo passou e nos desentendemos mais ou menos quando foi celebrado o meu casamento. Foi assim: chamei-a num canto e mantive uma conversa franca. Disse-lhe textualmente: “Me deixe em paz, preciso respirar, viver normalmente”. Ela concordou sem apresentar nenhuma queixa. Contudo, percebi que ela é uma senhora dona de cinismo total. Saiu sorrateiramente como se dissesse: “Pode deixar!” Os desentendimentos se repetiram periodicamente. Eu todo arrebentado de nariz assoando e vermelho e ela toda elegante com o manto indestrutível da hipocrisia.l

E vai embora. Ou melhor, faz de conta que vai. Consultei os melhores otorrinolaringologistas, ou melhor, profissionais sentimentais do tipo antigo de Ivone Borges Botelho. Lembram-se dela? Digo técnicos sentimentais porque o problema que me incomoda é a apegação da Sinusite a mim. Não acho que seja amor, se fosse ela não faria o maior descaramento que mais me irrita. Sabem o quê? Chama lá a sua irmã, a Rinite, e manda que fique comigo, durma comigo, e nem me deixe dormir. Já pensou? Segundo Nelson Rodrigues, o homem mais sem-vergonha do mundo se chama Palhares. O que esse Palhares faz para obter um título dão destacado? Ah... ele não respeita nem as cunhadas!

 Mas não é assim comigo. No meu caso é a Sinusite e a Rinite que me causam furor, antipatia e quase uma dispnéia pulmonar. A sem-vergonhice anda a tão poucos metros para o lado da indesejada amante que ela ainda tem outra irmã e, de vez em quando, chega sem pedir licença e se instala na minha casa, no meu quarto, nem respeitando a presença de uma mulher legítima, filhos e até netos. Sabem o nome dela? Expedita Bronquite da Silva. Esqueci-me de lhes passar o nome completo da outra, a segunda amante, Josefina Rinite da Silva. E fica aqui uma pergunta: alguém tem aí uma fórmula de cair fora desse harém respiratório ou família destruidora de pulmões?

Pois é. Tenho o velho costume de ficar numa praia, que me custa pouquíssimos trocados de reais. E vou confessar a quem me lê agora: estou na praia. Não vou dizer o nome da bendita, mas adianto que é no Espírito Santo. Aqui cheguei anteontem e vou-me embora ainda nesta semana. Meu carro veio cheio: Sinusite, Bronquite, Rinite e eu. No meio da viagem, as duas últimas, percebendo a direção do veículo (elas conhecem a estrada muito bem), pediram-me para parar e retornaram de Venda Nova do Imigrante. Não sei qual foi a condução de volta. Permaneceu ao meu lado a senhora dona Sinusite.

Sinusite se alojou comigo num apartamento à beira da praia. Sem convite, é lógico No primeiro dia, a mal-encarada deitou-se ao meu lado na cama de casal e ficou tentando ver se conseguia fazer qualquer coisa, ou seja, me incomodar. Nada. Resisti. Mesmo com ventilador e ar-condicionado ligados, que poderiam ajudar a ela, mas não teve jeito. No segundo dia, resolveu partir. Antes, porém,  fiquei sabendo que esteve atormentando a vida de outras pessoas aqui no litoral. Provavelmente se juntou a pelo menos um idiota igual a mim.


Ao acordar, hoje, estava feliz e bem disposto como um passarinho. E fiquei mais feliz ao deparar-me com um bilhete dizendo assim: “A tua indiferença me mata e eu não posso viver desprezada como tu queres. Volto de trem daqui a pouco para  Itabira e te espero lá. Não pretendo te abandonar nunca. Bjs. Sinusite”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário