O mundo teria, segundo os afobados calculistas, 8 bilhões de
habitantes. Se se sair por aí colhendo amostras de impressões digitais, mesmo
havendo caras e corpos iguais, todas as marcas dos dedos são absolutamente desiguais. Aproveitando a “viagem”, se
poderia colher amostras de pensamentos, ideias etc. E seria feita uma pergunta:
o que você pensa da vida? Cada um daria uma resposta completamente diferentes
da outra. Então, não adianta recorrer a dicionário algum, de Aurélio a Hauais e
da antiga e superada Barsa à não menos obsoleta enciclopédia Mirador
Internacional. Tudo dará o mesmo resultado, ou seja, cada um pensa diferente do
outro, não há a mínima e escassa unanimidade.
Por que isso? Veremos à luz de minha conhecida ignorância e não
menos tola simplicidade. Acabamos de nascer. Temos vida, assim como no útero.
Mas não pensamos. Não conhecemos sequer a nossa mãe que nos criou no útero, nem
tão pouco o pai, que despejou a primeira semente da vida naquele ambiente
hermeticamente fechado .
Onde nascemos? Em berço esplêndido ou debaixo de um viaduto? Seremos
para o mundo o retrato do ambiente em que fizermos a segunda parte da gestação
já sob o brilho da luz do sol. Aprendemos a língua de nossos pais e da sociedade
eventual. Seremos nutridos ou
subnutridos, analfabetos, semi-analfabetos ou letrados, de acordo com a sorte,
ah, a sorte que nos aparou, ou o azar que veio violento e sem coração sobre
nós.
Adquirimos uma consciência coletiva mais ou menos aos sete anos.
Aí, dizem que entramos na idade da razão. Mas que razão? Exata maligna ou
benigna pregada pelo entorno de nossa convivência emocional? Seremos burros ou
“cabeças” em cada um dos ambientes? Tudo depende — eis uma resposta arriscada.
E vamos tocando o bonde pela vida afora, é claro que sem saber que vida é esta,
que mundo é este e que povo doido ou normal o que encontramos para com ele
conviver. Aprendemos muito com a choradeira de quem nos cria ou seremos
pacatos, proporcionalmente à paciência que nos for outorgada. Seremos otimistas
ou pessimistas ou realistas na mesma medida dosada por nossos monitores, uma
babá ou uma vizinha ao lado . São muitas as características que se apossam de
nós, algumas nos atropelam ou nos agridem, outras nos adulam com a bondade de
um santo.
E caímos na intempestividade das irrequietas transformações
mundanas. No caminho da existência vamos lendo, ouvindo, vendo, apalpando,
entendendo algumas máximas ou mínimas. Podemos ser religiosos ou ateus,
agnósticos ou até politeístas, fanáticos ou mansinhos , mas
sempre nos é dado o direito ao romantismo ou à brutalidade, sem eira nem
beira ou o contrário, todos controlados por forças que escolhemos para nos
acompanhar. Ao chegarmos à tal e temida terceira
idade, seja aos 60, 70, 80, 90 ou 100, temos algumas opções pela frente: ou nos
acalmamos ao começar a caduquice, ou vem o Alzheimer com força impiedosa. No
processo de degradação, perdemos todo o chips da memória que construímos a
partir da idade da razão. Ah, esquecemos as mais simples e enfadonhas lições
captadas na escola ou no convívio da
sociedade. Aí, retornamos à ignorância do útero, mas muito pior, isto é,
temos o direito de falar e de fazer
besteiras inenarráveis.
Infelizmente, qualquer pé-rapado ou lambedor de rapadura vai ter
que chegar a uma conclusão óbvia: uma
outra vida depois da morte nada tem a ver com esta vida em termos de consciência
ou avaliação. Se tivesse algo em comum, ao morrer estaríamos nós com qual
consciência da vida? A do útero? Ou a vida
da razão? Se for da razão, qual delas se o mundo é eminentemente
transformativo e cheio de fases? E a
vida da demência, essa não conta? E do Alzheimer? Aí se estabelece uma plena e
completa confusão em toda a maneira de pensar de cada um. E passa a ser uma das
mais fortes causas de tristeza, depressão, infelizmente tudo isso na rota do
suicídio.
Não prometi chegar a esta declaração, mas vou arriscar, com pena
de perder amigos e amigas: a vida é uma grata ou ingrata ilusão. Talvez
tenhamos subtraído dela, tirado da prática de erros e acertos, alguma pitada de
evolução. Essa, por sua vez, pode nos
abrir as portas de um outro
sentido. Tal sentido, não passa perto de visão, audição, paladar, tato e olfato, os cinco muito conhecidos nossos, das
aulas de ciências ou mesmo dos bate-papos de botecos, esquinas, velórios,
salões de beleza e retretas. Da evolução das cinco faculdades imediatas e
palpáveis chegaremos ao sexto sentido ou terceiro olho. E, creio eu, pode ser a
nossa verdadeira salvação.
Aí pode começar a verdadeira vida, quem sabe! Fora disso não se
vê saída alguma e nenhuma e não adianta sequer falar em certo, errado, bom,
mau, bem, mal — tudo é mesmo uma ilusão, essa que vivemos nadando como peixinhos dentro de uma piscina sem fundo e
sem beirada.
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