sábado, 17 de maio de 2014

"DINHEIRO, EU TE AMO!"

O mundo não sossega com o cinismo que o domina de ponta a ponta. Ou melhor fica constantemente preso a esse cruel defeito humano. Desde criança me apeguei a observar tal situação e a percebi com muita clareza e limpidez.  Só não sabia o nome correto da coisa tal que agora a denomino no seu inteiro teor. Repito: cinismo.

Mas não é esse o assunto principal do momento. Mais uma vez, já que há muito não me refiro ao tal sujeitinho pulha e revolucionário, promovo o Dinheiro ao topo de meus temas. Parece uma indesejável obsessão, confesso, mas ele merece, pois não sai do pedestal, faz  muito esforço para se destacar, talvez tenha o nome próprio de cartório e pia batismal de Dinheiro Aparecido de Almeida e Silva.  Quanto mais a vida fica difícil e  cheia de obstáculos mais ele aparece, pelo menos em pensamentos, como salvador.

O Dinheiro é tal qual um personagem infalível de minha infância, a benzedeira. Quase sempre com um  cachimbo ou  cigarro de palha na boca, da quase sempre velha exalava um odor de carvoaria, ou mesmo de  boca de fumo. A fumaça encardida e a maldição do mau cheiro se associavam aos dentes pretos e cariados. O corpo uma espécie de ossos cobertos por um leve revestimento de pele. Negada e chamada sempre, lá estava ela para tentar ajudar na cura de um mal qualquer. “Esse fulano aí tem que benzer”- bradava com conhecimento de causa uma vizinha faladeira.

A bruxa era a contestação da religião, mas quando a vaca descia para o brejo e não dava sinal de retorno, a mãe-de-santo vinha toda convencida. Já quando os ventos sopravam calmarias, tudo bem, ninguém queria ver a sua cara, ou sequer convidava a bruxa para benzer. O Dinheiro é a mesma coisa: ele nem sempre é lembrado quando é suficiente. Mas, quando falta, ou quando o desejo avança acima de nossos sonhos, volta a ser o tal, cheio de irreverência e arrogância.

 Na verdade, o Dinheiro avança de tal forma para dominar o mundo que, sem cinismo, e toma o lugar de Deus, ou se incorpora ao sentido do Todo-Poderoso. Em criança mesmo comecei a olhar as cidades que visitava. O Sol rompe no horizonte. As ruas começam a se movimentar em idas e vindas das pessoas. Umas de carro, outras a cavalo, algumas de bicicleta, grande número a pé  - o objetivo de todo o corre-corre é um só: nada mais que ir à cata do Senhor Dinheiro.

É certo que nas cidades alguns seguem para a escola. Esses procuram a educação. A educação é para moldar o ser humano, ensiná-lo coisas, mas no fundo tudo não passa de busca pelo Dinheiro. Também há uma corrida para os hospitais. Muitos vão trabalhar, como médicos, enfermeiras, auxiliares, ajudantes. A maioria vai à procura de uma cura para o mal que o persegue ou para prevenir alguma doença. Contudo, não se descarta que todos querem estar bem para ganhar ou desfrutar do Senhor Dinheiro. E chamam a pobreza de doença e até epidemia.

E tudo é assim: comércio para vender  e ganhar Dinheiro; prestação de serviços em troca de um dinheirinho na conta para garantir o pagamento das despesas ou do investimento que se torna uma obsessão; transporte pago, vendedores ambulantes cercando a fonte de seu entusiasmo, bancos negociando, bares, restaurantes, lanchonetes servindo e recebendo – a prontidão de todos tem somente o objetivo do ganha-pão. E se os negócios vão bem, aumenta a motivação  para se ganhar mais e cada vez mais, sem limite no horizonte. Não há reclamação alguma quando a conta bancária está sempre recebendo reforços, já recheada. Apenas passa por perto o medo de que haja uma bancarrota ou quebradeira;

Há bate-papos em todas as partes – praças, salões de beleza, retretas, botecos, velórios, esquinas – mas o tema é apenas este: Dinheiro. Uma frase que nunca falta nas conversas da maioria: “Ele está bem de vida”. O bem de vida não é outra coisa senão que sua casa é boa, tem carro, ou carros,  viaja para aonde quer, come do bom e do melhor e vive sorrindo por causa exclusiva de suas disponibilidades econômicas e financeiras.

E assim caminha a humanidade. No meio desse objetivo único e intocável de extrema devoção ao Deus-Dinheiro o ser humano simplesmente finge, mente, e acima de tudo trapaceia quando visita alguém socialmente, abraça ou beija o outro com extrema meiguice e passa ao desejo de paz, amor, felicidade. Outro dia foi feita uma enquete na internet sobre o que cada pessoa gostaria de ter – Felicidade ou Dinheiro. Pois o vil metal deu uma balaiada no prazer da vida. Um ricaço de BH me confidenciou sem escrúpulos que todo dia beija uma nota de cem reais e que esse é o segredo de sua riqueza.


Então, vamos encerrar sem muitas delongas, apenas lembrando às religiões que chegou a hora de se oferecer um atendimento mais fraterno aos nossos irmãos, sem atacar-lhes a economia. Por incrível absurdo, há portas abertas de religiosos por aí nas quais quase se consegue ouvir da boca dos seus dirigentes ou ler-lhes um aviso claro bem estampado na testa:  “Dinheiro, eu te amo” ou “Aqui o negócio é Dinheiro e  ponto final”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário