O mundo não sossega com o cinismo
que o domina de ponta a ponta. Ou melhor fica constantemente preso a esse cruel
defeito humano. Desde criança me apeguei a observar tal situação e a percebi
com muita clareza e limpidez. Só não sabia
o nome correto da coisa tal que agora a denomino no seu inteiro teor. Repito:
cinismo.
Mas não é esse o assunto
principal do momento. Mais uma vez, já que há muito não me refiro ao tal
sujeitinho pulha e revolucionário, promovo o Dinheiro ao topo de meus temas.
Parece uma indesejável obsessão, confesso, mas ele merece, pois não sai do
pedestal, faz muito esforço para se
destacar, talvez tenha o nome próprio de cartório e pia batismal de Dinheiro
Aparecido de Almeida e Silva. Quanto
mais a vida fica difícil e cheia de
obstáculos mais ele aparece, pelo menos em pensamentos, como salvador.
O Dinheiro é tal qual um personagem
infalível de minha infância, a benzedeira. Quase sempre com um cachimbo ou
cigarro de palha na boca, da quase sempre velha exalava um odor de
carvoaria, ou mesmo de boca de fumo. A fumaça
encardida e a maldição do mau cheiro se associavam aos dentes pretos e cariados.
O corpo uma espécie de ossos cobertos por um leve revestimento de pele. Negada
e chamada sempre, lá estava ela para tentar ajudar na cura de um mal qualquer.
“Esse fulano aí tem que benzer”- bradava com conhecimento de causa uma vizinha
faladeira.
A bruxa era a contestação da
religião, mas quando a vaca descia para o brejo e não dava sinal de retorno, a
mãe-de-santo vinha toda convencida. Já quando os ventos sopravam calmarias,
tudo bem, ninguém queria ver a sua cara, ou sequer convidava a bruxa para
benzer. O Dinheiro é a mesma coisa: ele nem sempre é lembrado quando é
suficiente. Mas, quando falta, ou quando o desejo avança acima de nossos
sonhos, volta a ser o tal, cheio de irreverência e arrogância.
Na verdade, o Dinheiro avança de tal forma
para dominar o mundo que, sem cinismo, e toma o lugar de Deus, ou se incorpora ao
sentido do Todo-Poderoso. Em criança mesmo comecei a olhar as cidades que
visitava. O Sol rompe no horizonte. As ruas começam a se movimentar em idas e
vindas das pessoas. Umas de carro, outras a cavalo, algumas de bicicleta,
grande número a pé - o objetivo de todo
o corre-corre é um só: nada mais que ir à cata do Senhor Dinheiro.
É certo que nas cidades alguns
seguem para a escola. Esses procuram a educação. A educação é para moldar o ser
humano, ensiná-lo coisas, mas no fundo tudo não passa de busca pelo Dinheiro.
Também há uma corrida para os hospitais. Muitos vão trabalhar, como médicos,
enfermeiras, auxiliares, ajudantes. A maioria vai à procura de uma cura para o
mal que o persegue ou para prevenir alguma doença. Contudo, não se descarta que
todos querem estar bem para ganhar ou desfrutar do Senhor Dinheiro. E chamam a
pobreza de doença e até epidemia.
E tudo é assim: comércio para
vender e ganhar Dinheiro; prestação de
serviços em troca de um dinheirinho na conta para garantir o pagamento das
despesas ou do investimento que se torna uma obsessão; transporte pago,
vendedores ambulantes cercando a fonte de seu entusiasmo, bancos negociando,
bares, restaurantes, lanchonetes servindo e recebendo – a prontidão de todos
tem somente o objetivo do ganha-pão. E se os negócios vão bem, aumenta a motivação para se ganhar mais e cada vez mais, sem
limite no horizonte. Não há reclamação alguma quando a conta bancária está
sempre recebendo reforços, já recheada. Apenas passa por perto o medo de que
haja uma bancarrota ou quebradeira;
Há bate-papos em todas as partes
– praças, salões de beleza, retretas, botecos, velórios, esquinas – mas o tema
é apenas este: Dinheiro. Uma frase que nunca falta nas conversas da maioria:
“Ele está bem de vida”. O bem de vida não é outra coisa senão que sua casa é
boa, tem carro, ou carros, viaja para
aonde quer, come do bom e do melhor e vive sorrindo por causa exclusiva de suas
disponibilidades econômicas e financeiras.
E assim caminha a humanidade. No
meio desse objetivo único e intocável de extrema devoção ao Deus-Dinheiro o ser
humano simplesmente finge, mente, e acima de tudo trapaceia quando visita
alguém socialmente, abraça ou beija o outro com extrema meiguice e passa ao
desejo de paz, amor, felicidade. Outro dia foi feita uma enquete na internet
sobre o que cada pessoa gostaria de ter – Felicidade ou Dinheiro. Pois o vil
metal deu uma balaiada no prazer da vida. Um ricaço de BH me confidenciou sem escrúpulos que todo dia beija uma nota de cem reais e que esse é o segredo de sua riqueza.
Então, vamos encerrar sem muitas
delongas, apenas lembrando às religiões que chegou a hora de se oferecer um
atendimento mais fraterno aos nossos irmãos, sem atacar-lhes a economia. Por
incrível absurdo, há portas abertas de religiosos por aí nas quais quase se
consegue ouvir da boca dos seus dirigentes ou ler-lhes um aviso claro bem
estampado na testa: “Dinheiro, eu te
amo” ou “Aqui o negócio é Dinheiro e
ponto final”.
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