quarta-feira, 21 de maio de 2014

EXISTIA UM TIME, NÃO TINHA CAMPO. AGORA HÁ UM ESTÁDIO, MAS NÃO TEM TIME

Mas ainda restou  uma saída para o S.S.F.C.

Era fim de junho de mil novecentos e cinquenta e muitos, quase sessenta, e lá vinham amigos, colegas e eu, montados em burros e bestas, arrancando de Conceição do Mato Dentro, sob a batuta de Todinho da Rosa, tropeiro-mor, o homem que salvaria depois a minha vida no Rio Preto. Iniciavam-se as férias do meio do ano, como a chamávamos, e que durava pouco mais de um mês. Havia 60 quilômetros de montanhas a serem rasgadas  pelo trote dos animais em quase 24 horas de jornada cansativa.

Élio Quintão, José Sá, Jorge Vieira, Carlos Sana, Sebastião Duarte e eu, a turma daquele ano. As nossas perguntas ávidas de respostas positivas, dirigidas ao Todinho, eram inacreditáveis. Ei-las:

            - O campo está de grama batida?
            - Têm traves? Bola?
            - O time está treinando?
            - Está jogando?
            - Compraram redes? ( ah!!! Essas eram quase impossíveis!)
           
E cada um queria uma resposta do Todinho bombardeado. A paciência dele continha  quase sempre um NÃO fulminante para todas as questões. Voltávamos para casa, estávamos de férias e queríamos tudo funcionando. Mas não. No dia seguinte haveria a necessidade de tomar todas as providências, sendo a mais difícil fazer uma lista de contribuintes para a compra de uma bola. E como a corrida atrás dos trocados arrancava suores de uns poucos! Como tirar leite em onça – comentava um ou outro.

Muito tempo se passou e, em São Sebastião do Rio Preto tudo mudou. Agora  existia um campo, um time, muitos atletas e, para completar, excepcionais jogadores. Fase deslumbrante começava, o time se tornava invencível em seus domínios e fora deles. A arrancada se deu exatamente com a chegada de Geraldo Francisco de Lima, o Anão, que vinha de Conceição do Mato Dentro, trazido pelo intendente José Murta, o Zé Filó, para organizar a Prefeitura do município recém-emancipado.

No decorrer de novas etapas, havia, sim, o que faltava: normalmente o problema do acesso em dias de jogos quando chovia. Ou o time visitante não chegava, ou no fim da festa o temporal impedia o retorno tranquilo dos visitantes, já que as estradas eram caóticas.Para resolver tal problema, o governo do Estado decidiu asfaltar toda a região e palmas para o governo do Estado.

Mas, lá estava o Estádio Dr. João Rodrigues de Moura, assim denominado por lei, em terreno doado pelo meu avô Godofredo Cândido D’Almeida ao glorioso clube local, isso no início do século XX. E, por ironia do destino, vem o Departamento de Estradas de Rodagem com suas empreiteiras (foram três as empresas que assinaram com o DER e zaz, risca a rodovia para Santo Antônio do Rio Abaixo exatamente cortando uma parte do estádio.

Manifestações, protestos, queimas de pneus, abaixo-assinados, representações ao Ministério Público, vários documentos assinados, conversas de muito tempo. Durante seis anos a comunidade ou os jovens, ficaram sem a indispensável área de lazer.  Até que, numa manobra entre Prefeitura, DER e Anglo American, depois de muita pressão, fica decidido que R$ 300 mil (em torno deste valor) seriam destinados à reconstrução da sonhada Arena, como dizem por aí no dicionário do Padrão Fifa.

Mas, e agora, José? - como escreveria Carlos Drummond de Andrade. E agora, meninada? Cadê a meninada? Vou tomar como exemplo o jovem Marcos Paulo de Almeida Sá, hoje com 19 anos, acho que incompletos. Quando as máquinas, às vezes benditas, às vezes malditas, rasgaram o terreno daquele espaço de confraternização e formação de jovens na saúde, no lazer, na amizade, na união, ninguém pensou  no crime que estaria sendo cometido àquela altura contra uma geração inteira. Que gravidade: uma geração! Há problemas que não podem esperar 15 minutos, mas os responsáveis pela cidade o transferiram para uma eternidade. Até drogas entraram para substituir a atividade saudável da prática esportiva.

Jovens como Marcos Paulo, que tinha 12 anos, e seus amigos e colegas, ficaram privados de começar o seu tempo de juventude no futebol, pois jogadores iniciam nessa idade a testar e a desenvolver as suas habilidades ou o seu carimbo fatal de perna de pau. Mas agora sigam comigo: Marcos não joga bola porque não correu, não treinou, não se divertiu, não tinha efetivamente onde dar um chute ou uma botinada. Por algo que lhe toca a cidadania, hoje ele é mais que  um soldado, diria um general na luta pelos direitos do S.S.F.C.

O campo está praticamente pronto, aguarda-se a sua inauguração. Ouço foguetes pipocando no ar. Estou vendo faixas de políticos e uma super-faixa da Anglo American. Na verdade essa mineradora, que atravessa a nossa região com tubos que levarão em breve o minério de ferro ao Porto de São João da Barra (RJ), acabou se tornando a responsável pelas obras, ela custeia toda essa reforma. Mas, pergunto: isso paga a agitação de carretas em nossa cidade? Claro que não. Só penso o seguinte: é preciso fazer algo mais para justificar a destruição de vidas preciosas e mais vidas preciosas, que perderam um vasto tempo de sua adolescência, como já escrevi, uma geração inteira.

Como diz o ditado, “não resolve chorar o leite  derramado”. Então, agora a ordem seria contratar um bom treinador, motivador por sinal, para atrair e formar pelo menos três times de futebol, onde todo mundo ainda é uma incógnita com a bola nos pés. Lembro-me que Natal, ex-Cruzeiro, trabalhou (ou trabalha, não sei) em São Gonçalo do Rio Abaixo nesse tipo de função. E existem  outros, ex-ídolos, capazes de saber aproveitar o novo Dr. João Rodrigues de Moura. Assim, haveria um reparo a fazer, senão a obra não terá o valor que dela todos esperam.



E lembrando: arrumem outro local para as cavalgadas, também importantes na vida da cidade, mas atentem para a sua característica destruidora.  Pelo amor de Deus, não deixem  que cavalos ou burros ou éguas ou mulas pisem e massacrem e  destruam o tapete verde que está sendo formado. Onde se joga bola cavalo não sapateia.

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