Mas ainda restou
uma saída para o S.S.F.C.
Era fim de junho de mil novecentos e cinquenta e muitos,
quase sessenta, e lá vinham amigos, colegas e eu, montados em burros e bestas,
arrancando de Conceição do Mato Dentro, sob a batuta de Todinho da Rosa, tropeiro-mor,
o homem que salvaria depois a minha vida no Rio Preto. Iniciavam-se as férias
do meio do ano, como a chamávamos, e que durava pouco mais de um mês. Havia 60
quilômetros de montanhas a serem rasgadas
pelo trote dos animais em quase 24 horas de jornada cansativa.
Élio Quintão, José Sá, Jorge Vieira, Carlos Sana,
Sebastião Duarte e eu, a turma daquele ano. As nossas perguntas ávidas de
respostas positivas, dirigidas ao Todinho, eram inacreditáveis. Ei-las:
- O campo
está de grama batida?
- Têm
traves? Bola?
- O time
está treinando?
- Está
jogando?
-
Compraram redes? ( ah!!! Essas eram quase impossíveis!)
E cada um queria uma resposta do Todinho bombardeado. A paciência
dele continha quase sempre um NÃO
fulminante para todas as questões. Voltávamos para casa, estávamos de férias e
queríamos tudo funcionando. Mas não. No dia seguinte haveria a necessidade de
tomar todas as providências, sendo a mais difícil fazer uma lista de
contribuintes para a compra de uma bola. E como a corrida atrás dos trocados
arrancava suores de uns poucos! Como tirar leite em onça – comentava um ou
outro.
Muito tempo se passou e, em São Sebastião do Rio Preto
tudo mudou. Agora existia um campo, um
time, muitos atletas e, para completar, excepcionais jogadores. Fase
deslumbrante começava, o time se tornava invencível em seus domínios e fora
deles. A arrancada se deu exatamente com a chegada de Geraldo Francisco de
Lima, o Anão, que vinha de Conceição do Mato Dentro, trazido pelo intendente
José Murta, o Zé Filó, para organizar a Prefeitura do município
recém-emancipado.
No decorrer de novas etapas, havia, sim, o que faltava:
normalmente o problema do acesso em dias de jogos quando chovia. Ou o time
visitante não chegava, ou no fim da festa o temporal impedia o retorno
tranquilo dos visitantes, já que as estradas eram caóticas.Para resolver tal
problema, o governo do Estado decidiu asfaltar toda a região e palmas para o
governo do Estado.
Mas, lá estava o Estádio Dr. João Rodrigues de Moura,
assim denominado por lei, em terreno doado pelo meu avô Godofredo Cândido
D’Almeida ao glorioso clube local, isso no início do século XX. E, por ironia
do destino, vem o Departamento de Estradas de Rodagem com suas empreiteiras
(foram três as empresas que assinaram com o DER e zaz, risca a rodovia para
Santo Antônio do Rio Abaixo exatamente cortando uma parte do estádio.
Manifestações, protestos, queimas de pneus,
abaixo-assinados, representações ao Ministério Público, vários documentos assinados,
conversas de muito tempo. Durante seis anos a comunidade ou os jovens, ficaram
sem a indispensável área de lazer. Até
que, numa manobra entre Prefeitura, DER e Anglo American, depois de muita
pressão, fica decidido que R$ 300 mil (em torno deste valor) seriam destinados
à reconstrução da sonhada Arena, como dizem por aí no dicionário do Padrão
Fifa.
Mas, e agora, José? - como escreveria Carlos Drummond de
Andrade. E agora, meninada? Cadê a meninada? Vou tomar como exemplo o jovem
Marcos Paulo de Almeida Sá, hoje com 19 anos, acho que incompletos. Quando as
máquinas, às vezes benditas, às vezes malditas, rasgaram o terreno daquele
espaço de confraternização e formação de jovens na saúde, no lazer, na amizade,
na união, ninguém pensou no crime que
estaria sendo cometido àquela altura contra uma geração inteira. Que gravidade:
uma geração! Há problemas que não podem esperar 15 minutos, mas os responsáveis
pela cidade o transferiram para uma eternidade. Até drogas entraram para
substituir a atividade saudável da prática esportiva.
Jovens como Marcos Paulo, que tinha 12 anos, e seus amigos
e colegas, ficaram privados de começar o seu tempo de juventude no futebol,
pois jogadores iniciam nessa idade a testar e a desenvolver as suas habilidades
ou o seu carimbo fatal de perna de pau. Mas agora sigam comigo: Marcos não joga
bola porque não correu, não treinou, não se divertiu, não tinha efetivamente
onde dar um chute ou uma botinada. Por algo que lhe toca a cidadania, hoje ele
é mais que um soldado, diria um general
na luta pelos direitos do S.S.F.C.
O campo está praticamente pronto, aguarda-se a sua
inauguração. Ouço foguetes pipocando no ar. Estou vendo faixas de políticos e
uma super-faixa da Anglo American. Na verdade essa mineradora, que atravessa a
nossa região com tubos que levarão em breve o minério de ferro ao Porto de São
João da Barra (RJ), acabou se tornando a responsável pelas obras, ela custeia
toda essa reforma. Mas, pergunto: isso paga a agitação de carretas em nossa
cidade? Claro que não. Só penso o seguinte: é preciso fazer algo mais para
justificar a destruição de vidas preciosas e mais vidas preciosas, que perderam
um vasto tempo de sua adolescência, como já escrevi, uma geração inteira.
Como diz o ditado, “não resolve chorar o leite derramado”. Então, agora a ordem seria
contratar um bom treinador, motivador por sinal, para atrair e formar pelo
menos três times de futebol, onde todo mundo ainda é uma incógnita com a bola
nos pés. Lembro-me que Natal, ex-Cruzeiro, trabalhou (ou trabalha, não sei) em
São Gonçalo do Rio Abaixo nesse tipo de função. E existem outros, ex-ídolos, capazes de saber
aproveitar o novo Dr. João Rodrigues de Moura. Assim, haveria um reparo a
fazer, senão a obra não terá o valor que dela todos esperam.
E lembrando: arrumem outro local para as cavalgadas, também importantes na vida da cidade, mas atentem para a sua característica destruidora. Pelo amor de Deus, não deixem que cavalos ou burros ou éguas ou mulas pisem e massacrem e destruam o tapete verde que está sendo formado. Onde se joga bola cavalo não sapateia.
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