domingo, 21 de dezembro de 2014

REGRAS ENGRAÇADAS DE UM PORTUGUÊS ULTRAJADO

Se alguém perguntar ao espírito de Rui Barbosa, num terreiro de umbanda, ou mesmo numa simples reflexão da alma, qual a maior tristeza que teve na vida, com certeza ele dirá, sem meias palavras:  “Tristeza tenho ainda de ver a minha língua pátria maltratada e pisoteada”. Ele deve estar mais para feliz do que o contrário por nunca ter tido contato com a internet, ou melhor, não ouviu falar dessa força de desenvolvimento da informática e da modernidade e ao mesmo tempo de degradação humana em vários aspectos.

De minha parte, sem  perfeccionismo, acho que trilhei um bom caminho. E explico a seguir: decorei um lembrete de minha segunda professora, Dona Inês Madureira – a primeira foi Dona Ilsa Caldeira Duarte – assim escrito no quadro negro: “Toda palavra tem uma só forma de ser escrita, ou seja, ou você acerta cem por cento ou erra cem por cento em ortografia.” Como isso valeu! Já no terceiro ano do antigo curso primário tinha eu um dicionário que, na época, era conhecido pelos marginais da língua como “pai dos burros”. Dona Inês em São Sebastião do Rio Preto, João Bosco em Guanhães e José Leite Vidigal em Conceição do Mato Dentro sustentaram o novo apelido do dicionário, “auxiliar dos inteligentes.” Por mim, tanto faz, ele é mesmo indispensável.

Mas nem só de ortografia vive ou sobrevive um idioma. Existem as regras que são inúmeras e  difíceis de serem decoradas, mas fáceis de se encaixar na  memória caso haja  uma prática regular. Em Português se pratica esse exercício com a boa leitura. Além de regras de concordância nominal e verbal; de colocação de pronomes; da importantíssima regência verbal (com o dicionário se tornando  imprescindível), uso do infinitivo  e de tantos exercícios, feitos em alguns casos com análise de textos, considero importante a própria aplicação do sentido das palavras, principalmente de verbos, motores de impulso de frases.

Há regras que a maioria das pessoas nunca aprende, não sei o porquê desse bloqueio mental. Neste caso, fico com o emprego do verbo “haver”, por exemplo, coitado dele, tem sofrido covardes  ataques  como se existisse o estilo bélico em sentenças gramaticais. Leiam duas frases que resumem covardias praticadas contra esse rico-pobre verbo:  “Ele não vai ao médico a cinco anos”.  O indicador de tempo passado faz a frase ser assim escrita corretamente:  “Ele não vai ao médico cinco anos” ou “Faz cinco anos que ele não vai ao médico.”  A segunda construção que muitas almas vivas confundem é: “Daqui cinco anos irei estudar na Europa”, Correção: “Daqui a cinco anos irei estudar na Europa.” Neste caso particular, bastaria dizer que se usa o verbo haver quando se refere a um acontecimento passado; e para o futuro, nada de verbo haver.

Não vou aqui descrever todas as questões que inspiram dúvidas aos brasileiros, claro.Existem manuais de redação de vários jornais e outros livros que ajudam muito alguém a escrever  corretamente.  Aqui apenas estou chamando a atenção para casos muito repetidos, os  quais vemos, principalmente na internet, que dão dó e choro. Para as trocas de mensagens em textos simples inventaram termos como os seguintes:  “axo”, “concerteza”, “serto” (para mostrar que não quer saber de regras), “naum” (muito mais fácil é escrever “não”), “xd” (abreviação de saudade que até parece chique porque nada tem a ver), “chik”, “fudeu” (nunca foi porque o correto é fodeu).

Com muita certeza a crase é um desafio a muitos e  muitos brasileiros, até mesmo aos que concluíram graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado. De minha parte, tenho a contribuir com o analfabeto (se quiser continuar nessa qualificação) apresentando a  seguinte regra como regra orientadora principal: “Usa-se a crase quando se refere a um objeto qualquer que poderia ser substituído por “ao”, caso esse objeto fosse feminino. Exemplos: “Vou ao cinema”, “Vou à feira”. Entendido? O a craseado é uma forma de preencher o espaço do objeto indireto.

Quando, nos meus 18 anos de idade, trabalhei no jornal Diário de Minas, por onde passaram vários literatos e donos da palavra, havia, na hora do lanche, um sarau de trocas de experiências, encontros bem-humorados e cheios de ensurdecedoras risadas. Não me esqueço do dia em que Márcio Prado, cobra criada no mesmo educandário que estudei, em Guanhães, propôs a seguinte questão: “Qual a palavra mais feia da língua  portuguesa?” Valia um pastel conhecido como “pastel de orelha” (sem recheio e mulambento). Apresentaram-se várias expressões como candidatas à resposta correta: edil (que “significa” vereador), “doravante” (seria daqui para a frente?) e, finalmente, dois termos escolhidos: esposo (um escândalo da língua) e esposa (até certo ponto, em casos específicos, aceitável).
Acabou o meu espaço, tenho de terminar e não “que terminar” , embora me lembre ainda do hífen (consultem um dicionário pós reforma ortográfica, por ser muito confuso esse uso), uso da vírgula e outras pontuações (tem que saber fazer uma boa análise sintática), mais  empregos do verbo haver, além do  que foi mostrado, impessoal (cuidado em dizer “houveram muitas festas”), “O pessoal falaram” (aí, que chute no saco!). O quê mais? Deixo para outra ocasião, vamos ver. E não me corrijam neste texto porque foi escrito na maior boa-fé e, como diz um aviso mostrado num boteco que visitei durante o percurso da Estrada Real: “Naum mi dé conseliu, cei erar sozinhu.”

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